OBRA NACIONAL DA PASTORAL DOS CIGANOS, SECRETARIADO DE LISBOA

Ajudar a mudar a sina da exclusão

Os ciganos têm como lema: “O céu é o meu tecto, a Terra é a minha pátria e a liberdade é a minha religião”. Crêem que a vida é uma estrada, a alma é uma carroça e a divindade é o carroceiro. Povo tradicionalmente nómada, reza a lenda, guiado por um rei instalou-se em Sind, na Índia, mas os muçulmanos expulsou-o e, desde então, os ciganos vagueiam de uma nação para outra. Oriundos do Oriente, foram tratados como infiéis e inimigos da Igreja. Difundiu-se até o mito de que teriam fabricado os pregos que crucificaram Jesus Cristo. Foram acusados de bruxaria por praticar a cartomancia e a leitura das mãos e, no tempo do nazismo, sofreram o terror dos campos de concentração. Hoje são cerca de 12 milhões em todo o mundo. Oito milhões residem na Europa, dois terços dos quais no Leste. Em Portugal são cerca de 50 mil. A maioria é pobre e vive em bairros sociais.
O número português é apontado no sítio oficial da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos, uma instituição particular de solidariedade social de âmbito nacional criada em 1972 por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa para ajudar à inserção das pessoas de etnia cigana residentes em território nacional. Desta Obra Nacional multiplicaram-se diversos secretariados espalhados um pouco por todo o país, que localmente desenvolvem acções de intervenção junto da população cigana.

Secretariado Diocesano de Lisboa

É a instituição mais antiga na Diocese de Lisboa, que se dedica ao trabalho com a população cigana. Criado a partir da Obra Nacional para a Promoção e Pastoral dos Ciganos, fundada pela Conferência Episcopal Portuguesa em 1972, este Secretariado tem existência jurídica desde 1974, sendo a sua primeira e actual Secretária Diocesana Fernanda Reis. Constituiu-se como IPSS em 1985. É membro fundador da Rede Europeia para a Promoção de Ciganos e Nómadas, com sede em Bruxelas, e integra igualmente o Comité Catolique International pour les Tsiganes (CCIT), do qual é membro efectivo.

A instituição trabalha actualmente em sete bairros sociais da Grande Lisboa e tem feito uma aposta profunda na educação e formação das crianças. “ O nosso trabalho inseriu-se desde o início nos meios de maior carência, ou seja, antigos bairros de barracas que agora são de realojamento”, explica Fernanda Reis. No princípio, e apesar da instituição esta aberta a toda a gente, a actividade desenvolvida passou muito por incentivar as famílias ciganas a matricular os filhos na escola. “As crianças não iam à escola, não tinham papéis, não havia registos, não tinham identificação ou boletim de vacinas, não tinham nada”, explica a responsável.

“A aposta passou pela preparação da escolaridade das crianças e, através delas, intervir junto das famílias. Começámos com a abertura de centros de actividades de tempos livres, precisamente porque as crianças não frequentavam a escola. Os pais não tinham apetência para irem matricular os filhos e foi necessário um grande trabalho de mobilização”, refere, Manuela Mendonça, vice-presidente do Secretariado.
A acção foi sendo alargada a outras estruturas escolares e o Secretariado avançou para a constituição de pré-primárias, mas apesar de se ter melhorado a presença na escola, o grau de absentismo continua a ser muito elevado. “O período de escola é muito difícil, porque faltam muito e há muito insucesso. A partir do sétimo/oitavo ano a maioria abandona os estudos”, diz a vice-presidente. Numa tentativa de dar formação a esses jovens, a instituição avançou com programas de formação profissional, associados a uma vertente de alfabetização destinados a grupos a partir dos 16 anos e financiados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. “Foi uma experiência muito interessante porque, apesar de não sermos ciganos, o nosso trabalho diário no terreno fez com que as famílias depositassem grande confiança em nós e deixassem os filhos frequentar os nosso cursos, mesmo as raparigas”, diz Fernanda Reis. Problemas de concentração, de memória, de assiduidade, pontualidade tiveram que ser bem geridos, mas o resultado final é bom e a responsável lamenta que os programas se tenham extinguido.

Outro dos projectos desenvolvidos refere-se ao emprego apoiado, que pressupõe a formação em contexto de trabalho supervisionada por tutores. “Nós pegámos num conjunto de pessoas e tendo em conta as características de cada uma, aptidões e aspirações, dávamos-lhes uma formação breve sobre os princípios básicos a ter em conta num local de trabalho e depois eram encaminhadas para empresas parceiras”, explica Manuela Mendonça. Este método ajudou à colocação de diversos ciganos no mercado de trabalho.
O Secretariado tem em curso um conjunto de actividades em bairros onde esta população é abundante. Tem organizado um serviço de informação, dinamização e de apoio comunitário, privilegiando a ligação às entidades locais responsáveis, particularmente nos campos da saúde e da escola. Têm editado várias obras, de entre as quais se destaca um estudo exaustivo sobre a Comunidade Cigana da Diocese de Lisboa que contempla o levantamento completo da respectiva população, bem como os dados fundamentais que são analisados nos campos sócio-profissionais, culturais, habitação etc. “Há um trabalho continuado que passa pelos nossos jardins-de-infância, ATL´s, serviços de acompanhamento escolar, atendimento e relação com as famílias, dos bairros onde actuámos”, explica Manuela Mendonça. As salas de trabalho servem quase como uma espécie de gabinete de atendimento onde a meia centena de funcionários procura auxiliar na resolução dos mais diversos problemas, às vezes, tão simples, como ler uma carta ou saber onde se dirigir para emitir um qualquer documento.

Mas a ideia é também desmistificar preconceitos de ambas as partes para uma melhor integração. “Julgo que continuam a existir muitos estereótipos sem qualquer conhecimento em relação à população cigana. Quando nos aproximamos e estamos com as pessoas, vemos que há realmente características culturais de base que são específicas, mas de resto não existem grandes diferenças”, afirma Fernanda Reis. A criação da carreira profissional de mediador, em Assembleia da República, pareceu ser um passo em frente para ajudar a integrar a comunidade, mas a lei nunca foi regulamentada. Apesar de se terem feito diversos cursos de formação, ficaram dezenas de mediadores ciganos no desemprego. “O objectivo do seu trabalho é fazerem a ponte entre a comunidade e a instituição a que se recorre, seja uma escola, um hospital ou outra”. A presidente explica que, por exemplo, a entrada de uma criança na escola é muito complicada porque ela sai do “seu mundo” e entra num “mundo não cigano” e a presença de um elemento da mesma etnia seria muito útil. “Muitas escolas ficaram satisfeitas com a hipótese mas, sem a regulamentação da carreira, não foi possível continuar”, acrescenta.

Manuela Mendonça põe em causa a iniciação de projectos de longo prazo devido essencialmente à asfixia financeira vivida pela instituição. “Só em pessoal gastámos mensalmente 45 mil euros e recebemos 52 mil”, diz. “Lutámos com imensas dificuldades e não temos margem de manobra. Vai-nos valendo a ajuda do Banco Alimentar Contra a Fome ou não conseguiríamos sobreviver”, garante. Segundo a dirigente, o problema agrava-se porque a parte destinada à contribuição dos utentes não existe, uma vez que a população-alvo “não paga”, por menor que seja o valor estipulado. A instituição fornece as refeições às crianças e, mesmo quando os pais não pagam, continuam a recebê-los “porque a alternativa é a rua”.

Texto e Fotos: Milene Câmara


 

Data de introdução: 2009-11-08



















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