“A encarregada-geral prepara, algum tempo antes, o fato da última viagem, como ela gosta de lhe chamar e quando o momento chega tentamos dar-lhe a maior dignidade possível”, explica Odete Santos, directora técnica da Associação Promotora de Apoio à Terceira Idade (APATI) de Castanheira do Ribatejo. A técnica fala de como a instituição de solidariedade social vocacionada para a terceira idade lida com a morte, no sentido da preparação formativa dos funcionários para esse momento com os utentes, muitas vezes, utentes a residir no lar durante longos anos. “Para quem começa a trabalhar é sempre uma situação difícil de gerir, mas acabamos por assumir a morte como uma situação natural e há pessoas para as quais acaba por ser uma bênção, porque estão num sofrimento muito grande. Custa sempre, mas aprendemos a lidar com isso”.
A APATI nasceu em 1979 numa freguesia com pouco mais de 10 mil habitantes, em que um grupo de pessoas reconheceu a necessidade de oferecer respostas na prestação de cuidados aos idosos. Desde aí, tem desenvolvido trabalho com os mais velhos nas valências de centro de dia, lar e apoio domiciliário, prestando apoio a mais de uma centena de utentes.
A valência de centro de dia foi a primeira a surgir e “foi necessário um trabalho porta-a-porta para explicar às pessoas o que havia sido criado para elas”. “Naquela altura a mentalidade era outra. Os idosos tinham cuidado dos seus idosos e portanto, achavam que os filhos deveriam cuidar deles, embora as condições de vida se tivessem alterado muito”, diz Odete Santos. O centro de dia começou por ser uma estrutura muito dinâmica, um espaço de encontro e convívio, onde as pessoas tinham oportunidade de desenvolver actividades diferentes das do seu quotidiano. O trabalho era voltado para a comunidade e não havia necessidade de ser utente para poder participar nas actividades desenvolvidas.
“Tínhamos passeios, visitas a museus, fábricas, exposições, colónias de férias de norte a sul do país”. Agora a realidade é outra e a estrutura tornou-se quase que um ponto de passagem para a entrada no lar. “Estamos a admitir pessoas em centro de dia que já não têm os requisitos necessários para lá estar. Por exemplo, temos várias situações de Alzheimer que aguardam uma resposta mais completa em termos de lar”, explica a técnica. Segundo a responsável, o perfil do idoso tem vindo a sofrer alterações ao longo dos anos. “Há 18 anos, recebíamos pessoas com muita dinâmica, autonomia, pessoas que participavam activamente nos trabalhos desenvolvidos. Agora, as pessoas vêm cada vez mais dependentes, a precisar da ajuda de terceiros para quase todas ou mesmo todas as tarefas diárias. O centro de dia tem-se tornado cada vez mais uma estrutura pesada”. Na tentativa de manter esse dinamismo inicial, nasceu há dez anos um centro de actividades, dinamizado por um grupo de mulheres da comunidade local ao qual a APATI dá o apoio logístico. “Os desfiles de moda têm se tornado muito populares na nossa comunidade. São inteiramente organizados por essas senhoras, que confeccionam os fatos com os mais diversos materiais. Este ano, por exemplo, o tema era a época medieval”, refere a directora técnica.
A grande maioria dos utentes da APATI são nascidos na freguesia, embora as portas estejam abertas a outras situações. O lar, com capacidade para 38 pessoas, está cheio e apesar de todas as condicionantes que apresenta são cada vez mais os pedidos de admissão. “Ninguém escolhe terminar os seus dias num lar. Pela minha experiência, poucos foram os que vieram por vontade própria e mesmo esses casos raros, acabaram, ao fim de algum tempo, de acusar psicologicamente essa mudança”, refere a directora técnica. Odete Santos relembra o caso de um alentejano que ao se ver confrontado com a fase terminal de uma doença veio por iniciativa própria se internar no lar, para, desta forma, minimizar o esforço da filha. Ao fim de algum tempo entrou numa depressão profunda e a instituição teve que recorrer a um psicólogo para ajudá-lo. “Nestas idades é difícil ter que se adaptar a tanta coisa nova: os colegas de quarto, funcionárias, rotinas, espaços”. A técnica acredita que as novas gerações de idosos talvez venham a encarar estas respostas sociais de outra forma, uma vez que também são gerações mais instruídas o que, à partida, lhes permitirá ocupar melhor o seu tempo. “A maior parte das pessoas que temos aqui são iletradas, não sabem ler nem escrever e é muito difícil criar-lhes ocupação”.
O perfil do utente de lar actual, segundo a técnica, é o de receptor de serviços, com pouca ou nenhuma intervenção na organização e qualidade dos mesmos. “Penso que com as novas gerações de idosos essa situação tende a alterar-se, com pessoas mais participativas, mais críticas, o que também vai obrigar a outra postura por parte das direcções das instituições”. Apesar disso, Odete Santos é peremptória a dizer que “por muito bom que seja um lar, nunca é a nossa casa”.
A APATI também presta serviços em termos de apoio domiciliário a 35 idosos da freguesia, mas os moldes em que essa resposta funciona é, para Odete Santos, insuficiente. “As pessoas apenas têm a nossa presença nos momentos em que lá vamos para realizar alguma tarefa: levar as refeições ou prestar cuidados de higiene. Depois ficam entregues a ela próprias, o que, em muitos casos, é problemático”. Para colmatar essa lacuna, a instituição tem vindo a adaptar as valências de centro de dia e apoio domiciliário de forma a torná-las complementares, trazendo os utentes das suas casas para o centro de dia, para que possam ter um melhor acompanhamento.
A equipa da instituição tem igualmente desenvolvido esforços no sentido duma maior aproximação entre gerações e o trabalho com as escolas tem sido potenciado. Por exemplo, no Natal, os idosos preparam um auto de Natal que é depois apresentado nas escolas do concelho, mas as reacções variam consoante as idades. “Ficamos com a noção de que quanto mais pequeninos, mais apreciam este tipo de trabalho A nossa relação com os jovens do ensino secundário não foi tão positiva tanto quanto a com o ensino básico e pré-escolar”, diz Odete Santos.
A instituição incentiva igualmente a relação com as famílias e segundo a técnica, regra geral, a participação é grande, apesar de surgirem algumas situações de abandono complicadas de gerir. “Tivemos o caso de uma senhora, em que o filho, com formação superior, vetou-a a um abandono impressionante. Ficou com tudo o que a mãe tinha em termos de bens e fomos nós, instituição, que chegamos a ir à porta de casa dele pedir-lhe para vir visitar a mãe, pois a senhora sofria imenso com isso”.
Com 30 anos de existência, as instalações são a principal preocupação da direcção. O espaço é pequeno e não está adaptado às exigências da população que serve, nem aos requisitos impostos pelas novas normas da Segurança Social. Joaquim Poim, tesoureiro da APATI, relembra as dificuldades em trabalhar com um orçamento tão apertado que se agravou com a crise sócio-económica instalada. “Ultimamente, as pessoas vão demorando cada vez mais para pagar as comparticipações e este ano fomos obrigados a atrasar-nos no pagamento do subsídio de férias, o que foi muito triste”. A instituição vive dos acordos de cooperação com a Segurança Social e de alguns donativos esporádicos de beneméritos.
Apesar dos constrangimentos financeiros, a instituição já tem um projecto e terreno para a construção de novas instalações, ambos oferecidos pela Câmara Municipal. “Foi feita uma candidatura ao PARES I, mas não foi aprovada e agora estamos a preparar uma nova candidatura a fundos governamentais”, explica Joaquim Poim. O projecto está avaliado em cerca de três milhões de euros e prevê o aumento do lar para 60 camas. “Precisamos com urgência de novas instalações. Estas têm 30 anos, são insuficientes e não têm condições para os mais de 100 idosos que atendemos todos os dias. Mais do que um sonho, é uma necessidade”, refere a directora técnica.
Texto e Fotos: Milene Câmara
Data de introdução: 2010-01-17