OPINIÃO

Uma reprise no Cinema Olímpia

1 - A mando do Presidente da República e da burocracia da União Europeia, o partido do Governo e o principal partido da Oposição lá se entenderam para aprovar a nova edição do Programa de Estabilidade e Crescimento.
Era de prever: PS e PSD são os partidos que, desde 1980, têm desenhado o modelo de governo no nosso País e no seu desempenho se têm revezado, assegurando, ora um, ora outro, ora os dois ao mesmo tempo, o exercício do poder.
Isto é, são eles que, há 30 anos, nos governam – ou desgovernam, consoante as opiniões – e o fazem de um modo tão idêntico que, quando um substitui o outro, não se dá pela diferença.
(Salvo no reforço da dotação de empregos públicos para os amigos e na rotação dos lugares de direcção da Administração Pública ou das administrações das empresas do Estado ou por ele participadas - e que representam o tributo que o País paga a esses partidos pelo duvidoso privilégio de os ter sucessivamente a comandar uma parte importante das nossas vidas e a administrar a coutada que para si demarcaram.)
São igualmente os mesmos dois partidos que, sob a retórica do Projecto Europeu que os unifica, mais obedientemente se ajeitam aos ditames das autoridades e dos burocratas de Bruxelas ou do Banco Central Europeu.
A cumplicidade entre Durão Barroso e José Sócrates, contida no “porreiro, pá!” a propósito da aprovação do Tratado de Lisboa, é a tradução dessa “entente cordiale”.

2 – O PEC – Programa de Estabilidade e Crescimento - é uma das preocupantes siglas que hoje ocupa quase todo o palco das nossas angústias.
(Mais uma sigla, ou um acróstico – e mais um a começar pelo “P” de Plano, ou de Programa -, daqueles que nos infernizam os dias e que já serviram de tema a estas crónicas, em Julho de 2008, a propósito da Igreja de Ermida do Paiva, conhecida como “o templo das siglas”.)
Mas o PEC não é uma novidade.
Este nosso particular PEC descende, por via directa e varonil, como dizem os nobiliários, de outro PEC – o Pacto de Estabilidade e Crescimento, aprovado pela União Europeia em 1997, com vista a preparar a moeda única e cujos primeiros Regulamentos datam de 1999, posteriormente revistos e reconfigurados em 2005.
Cá pelo nosso rincão, pelas minhas contas e de acordo com a consulta que fiz na internet, o PEC europeu, isto é, o Pacto, já deu lugar, de 2005 até hoje, a 5 PECzinhos, quer dizer, a cinco Programas de Estabilidade e Crescimento muito nossos, destinados à nossa vida privativa – se é que resta alguma vida privativa depois de tanto Regulamento e tanta normalização impostos pela Europa:
Foi, primeiro, o PEC revisto em Dezembro de 2005;
Foi, de seguida, o PEC para o período 2006-2010;
Em terceiro lugar, o PEC para o período 2007-2011;
O quarto foi-o para o período 2008-2011;
A estes quatro segue-se o agora aprovado, para o período 2010-2013.

3 – Como se vê, todos eles retomam parte do período do PEC anterior, a que acrescentam um novo período temporal.
Parecem aquelas novelas brasileiras que, ao aproximar-se o final dos episódios, rebobinam o enredo, repetindo em cada novo episódio mais de metade do episódio anterior e apenas acrescentando umas cenas novas, para manter os espectadores presos ao ecrã – mas dando-lhes apenas mais do mesmo.
Também os nossos PECs privativos são igualmente uma paráfrase dos anteriores, acrescentados de algumas novidades, em revisões que se tornam necessárias pela razão de a realidade dos factos teimar em não obedecer à propaganda que, a propósito do PEC anterior, augurava a salvação perpétua dos destinos da Pátria.
Uma coisa é, todavia, certa: depois de cada PEC, as nossas condições de vida, os nossos direitos, a nossa protecção social, o exercício da nossa cidadania, ficam sempre em pior estado do que antes.
Ou são os salários que ficam congelados; ou as pensões dos funcionários públicos que continuam a degradar-se, a pretexto de uma convergência com o Regime Geral de Segurança Social que só é invocada para diminuir as pensões, mas que nunca serviu para equiparar os salários com o sector privado, durante a vida activa; ou o desemprego que, por um lado, sobe para níveis históricos; mas que, por outro, vê diminuída a respectiva protecção social.

4 – O principal ponto é, no entanto, que, embora sendo a maioria, não são todos os que ficam em piores condições do que antes.
A crise mundial que é o pretexto para a mais recente versão do PEC deve-se, em grande medida, à conhecida falta de escrúpulos do capital financeiro e à sua especial aptidão para explorar o esforço, o trabalho e o dinheiro dos outros, em benefício de uma minoria de privilegiados.
(Causa-me, aliás, alguma espécie nunca ter dado conta de o Primeiro-Ministro, sempre com o discurso tão presto para arguir, mesmo que só por propaganda, os pseudo-privilégios de quem vive honradamente do trabalho, se ter alguma vez lembrado de afrontar os privilégios dos bancos e dos banqueiros.
Pelo contrário, fazendo-nos pagar-lhes, no BPP e no BPN, com os impostos do nosso trabalho, os lucros que a sua ganância e o crime puseram em causa.
Importa não esquecer, na verdade, e para além de tudo, que, quando a crise amainar, os lucros do capital financeiro e os prémios dos seus administradores voltarão de imediato – aliás, já vão voltando …
Mas a diminuição dos direitos dos trabalhadores, dos reformados e dos desempregados não terá retorno.)
O modelo social europeu, cuja defesa a União Europeia proclama ser o fundamento das políticas de ataque aos direitos, a que se assiste, não é um produto dessa União.
Ele foi uma aquisição dos povos e dos países, ainda do tempo da soberania intacta e da autonomia das nações.

Mesmo em Portugal, em que a densidade de tais direitos é mais frágil, não foi a Europa que nos trouxe o Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, ou a Educação Pública para todos, ou a universalidade do sistema de protecção social.
É a marca de uma civilização, a nossa, e corresponde a um tempo e a um espaço geográfico e político de que é privilégio nosso usufruir.
Vem de um tempo em que os países eram governados por políticos, com alma e com chama.
Convive mal com um estilo de governo, cá ou na Europa, que reduz a ambição, os sonhos e os destinos de um povo a uma rubrica do orçamento.
A corrente socialista do PS já veio lembrar as palavras de Jorge Sampaio, sobre a vida para além do défice.
E a verdade é que há.
Sou cidadão e eleitor da cidade do Porto.
Sei do que falo.

Henrique Rodrigues – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2010-04-09



















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