A TUTELA DAS IPSS:

Inspectiva e fiscalizadora ou de parceria?

Por Manuel Antunes da Lomba
antuneslomba@mail.telepac.pt

No fim da década de setenta e início da de oitenta do século passado, ultrapassadas que foram uma fase e uma estratégia de nacionalização disfarçada dos equipamentos e serviços dedicados à protecção de crianças, jovens, deficientes e idosos carenciados ou marginalizados socialmente, os sucessivos governos do PS, do Bloco Central e da AD reconfiguraram por completo a estrutura organizativa e tutelar dos serviços da área governamental gestora da Segurança Social e dos equipamentos e serviços de Acção social.
Surgiram, em vagas sucessivas, os centros regionais de segurança social, de âmbito distrital que integraram as caixas de previdência, os serviços e equipamentos do Instituto de Obras Sociais,  os serviços e equipamentos do Instituto da Família e Acção Social  e o pessoal e as competências das delegações distritais das casas do povo cujas atribuições, competências e  natureza foram redefinidas.
Defendeu-se, então, a ideia (e legislou-se), que caberia aos centros regionais de segurança social cobrar e registar as contribuições e atribuir aos trabalhadores beneficiários as prestações regulamentares a que tinham direito, gerir os equipamentos sociais entretanto integrados e, ainda, fiscalizar, orientar e apoiar técnica e financeiramente as instituições particulares de solidariedade social com intervenção na área geográfica de cada centro regional.

Era a “fé” no valor e mérito da desconcentração e descentralização administrativas. E, se a gestão dos regimes de segurança social postulou uma reestruturação inteligente de serviços, foi na área social que esta descentralização mais se fez sentir com inegáveis vantagens para as populações a servir. Todos – Governo, serviços centrais,  gestores distritais e funcionários de cada centro regional – passaram a actuar  articuladamente com um mesmo objectivo: melhorar a eficiência de todos os serviços de Segurança Social em benefício dos seus utentes e beneficiários.

E bastante se conseguiu…
A (re)organização dos centro regionais de segurança social suportada na estrutura e pessoal das caixas de previdência de cada distrito implicou, desde logo, a sua informatização.
Para exemplo, bastará referir que a informatização do Centro Regional de Segurança Social de Braga foi condição sine qua non para se poder integrar os contribuintes e beneficiários do distrito mas inscritos e contribuintes da Caixa da Indústria Têxtil com sede e serviços no Porto.
Diz-se, agora, que o caminho seguido não foi o melhor pois que a  aquisição de equipamentos  informáticos com software aplicacional diferente impede, ou dificulta, no presente, a pretendida centralização nacional de toda a  informação.
Mas não é líquido que assim tivesse de ser se, atempadamente, se tivessem criado as condições técnicas que pusessem os diversos sistemas informáticos - 3? -  a “falar” uns com os outros.

Mas fez-se mais.
Extinguiram-se as caixas de actividade de âmbito nacional; aproveitaram-se as estruturas e os funcionários das casas do povo que não se quiseram, ou não conseguiram “reconverter-se”, para criar as delegações concelhias – serviços locais – dos centros regionais de segurança social; estimulou-se e apoiou-se a constituição de instituições particulares de solidariedade social, sobretudo nas localidades e municípios onde não havia, ou eram insuficientes, as respostas para enfrentar as carências da população residente entretanto inventariadas.
Convirá dizer que, em geral, nada disto foi feito sem que um levantamento social mínimo permitisse acolher ou recusar pretensões e, fundamentar, ou não, tanto a construção como, depois,  a celebração de acordos de cooperação com base nos quais o Estado assumia, para além das funções fiscalizadora e inspectiva que sempre exerceu,  a função não menos nobre e mais relevante de parceiro da sociedade civil que por toda a parte se organizava em instituições e tecia uma relevante malha de equipamentos sociais com utilidade social garantida à partida.

Os dirigentes das IPSS sentiam que o parceiro “Estado” estava bem dentro do mesmo barco e a remar no mesmo sentido.

Mas não havia fiscalização? A Inspecção-Geral não funcionava?
 Certamente que sim.

Só que, atento o espírito dominante nas cúpulas governamentais e, quiçá, porque os responsáveis destes dois serviços, em geral, emanavam do próprio sistema de segurança social, o carácter dessas intervenções era mais de apoio e orientação técnica do que de responsabilização por eventuais desajustamentos entre as normas e a prática, sobretudo naquelas situações em que o que estava em causa não eram o incumprimento doloso ou negligente das regras mas o desconhecimento das mesmas por dirigentes (voluntários) que, às vezes, ao lado de uma grande vontade (e coragem) para servir, revelavam, e reconheciam, a necessidade de formação e informação persistentes e  consonantes com a panóplia de regras e recomendações que uma gestão de qualidade dos equipamentos sociais cada vez mais exigia.
E os serviços dos centros regionais, há que reconhecê-lo, nem sempre tinham, e têm, sobretudo em quantidade, os meios necessários a esses apoio e orientação.

E hoje?
Vinte e quatro anos passados tem-se a sensação e a convicção de que o Estado limitou a sua vertente de parceiro na área social e desenvolveu as vertentes fiscalizadora e inspectiva. Um pouco por toda a parte, ouvem-se queixas contra intervenções e atitudes a que os dirigentes das IPSS que, há que salientá-lo,  são voluntários, têm dificuldade em perceber e aceitar, pelo menos nos seus aspectos formais mais agressivos.

Não está em causa o direito e o dever do Estado em fiscalizar e inspeccionar as IPSS: essas fiscalização e inspecção sempre se fizeram com resultados tantas vezes penalizadores de comportamentos censuráveis de um ou outro dirigente. Todavia, de parte a parte, havia a convicção de que, no geral, de um lado e do outro estavam pessoas de bem…
Presentemente, pelo tom e conteúdo de algumas intervenções públicas de um ou outro responsável e pelas repercussões que as mesmas, voluntária ou acidentalmente, têm na comunicação social, vai-se instalando a desconfiança recíproca e, na opinião pública pode estar a formar-se a ideia de que ser dirigente de uma IPSS é equivalente  a ser um provável delinquente…
Talvez com culpa de parte a parte, a confiança recíproca e a harmonia relacional existente nos anos oitenta quebraram-se…

Se rapidamente se não refizer a Ponte da Confiança  de outros tempos poder-se-á chegar a relações de consequências perniciosas, sobretudo para os mais carenciados dos cidadãos portugueses.

Solidariedade, Junho de 2004

 

Data de introdução: 2004-10-07



















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