Vale de Figueira é uma localidade da freguesia da Sobreda, concelho de Almada. O nome, reza a história, deve-se ao facto de outrora existirem figueiras por toda a parte. Um lugar a meio caminho entre a Grande Lisboa e as praias da Costa da Caparica tem registado um aumento significativo da população, sendo que a freguesia a que pertence conta já com mais de dez mil e oitocentos habitantes, o que representa cerca de 6,7 por cento da população concelhia.
Após o 25 de Abril de 1974 tornou-se um refúgio para muitos retornados das ex-colónias portuguesas, o que contribuiu para o agravamento dos problemas sociais, com especial destaque para a pobreza. É neste cenário que nasce um projecto denominado Apoio Fraterno, uma iniciativa da comunidade local, liderada pelo padre Roberto Sequeira que tinha como principal objectivo “matar a fome” da população mais carenciada. O projecto surge no final da década de 70, passa a abranger outras áreas sociais e a dar apoio a pessoas com deficiência, idosos e crianças. “Nós não tínhamos dinheiro, andávamos de porta em porta a fazer quotizações para poder ajudar quem precisava”, relembra António Lopes, um dos fundadores e actual membro da direcção do Centro Social e Paroquial Vale de Figueira, a instituição que emergiu do Apoio Fraterno.
O actual pároco da freguesia é por inerência o presidente da instituição de solidariedade social. António Morais explica que a IPSS nasceu de forma espontânea e que a preocupação da institucionalização veio muito depois. “O Apoio Fraterno é a fonte de tudo. Havia muita gente necessitada e era preciso dar assistência quer aos idosos, quer às crianças que andavam pela rua a pedir esmola”. O pároco da época procura então um espaço onde pudesse desenvolver a actividade e, sem dinheiro, pede aos proprietários uma fábrica de tijolo existente na localidade e já desactivada para utilizar para fins sociais. “Os donos da fábrica não se importaram. Começou a pôr-se ali umas pessoas, claro, em situação precária. Iam-se buscar as pessoas a casa e depois levávamo-las ao fim do dia, no fundo era um centro de dia, sem essa designação”, explica o presidente.
A ideia da utilização daquele espaço partiu de António Lopes, na altura um dos grandes dinamizadores da instituição. Começámos com o centro de dia na fábrica de tijolo que mais tarde evoluiu para lar e chegámos a estar um ano sem nenhuma empregada. As crianças vieram depois e passaram também a frequentar este espaço, numa espécie de ATL”, explica.
A obra foi crescendo e o centro formaliza-se na sequência de um Projecto de Luta Contra a Pobreza, já no final da década de 80, sendo que os primeiros registos na Segurança Social datam de 1988, data da inauguração formal. Esta formalização deve-se muito, segundo Fátima Carvalho, responsável técnica da instituição há doze anos, a Cavaco Silva, na altura Primeiro-Ministro. “Recebemos a visita do então Primeiro-Ministro que ficou espantado com a obra que tínhamos cá, uma vez, que, sem nada instituído formalmente dávamos apoio a muitas pessoas. O único recurso era a boa vontade da comunidade.” Esta visita agilizou o processo. Com a doação de um terreno foram construídas as instalações que servem a parte infantil e que actualmente acolhe as valências de creche, pré-escolar e centro de ocupação de tempos livres, num total de 231 crianças.
Enquanto isso, o centro de dia e lar de idosos mantêm-se na fábrica de tijolos, embora em condições precárias. “Fomos construindo e reabilitando aos pouco, tudo com material e mão-de-obra gratuita, mas as condições eram muito deficitárias e precisávamos de encontrar uma solução”, explica António Lopes, membro da direcção do Centro Social.
Um incêndio na antiga fábrica veio acelerar este processo e após a Câmara Municipal de Almada ter cedido um terreno iniciou-se a construção de um equipamento de raiz para a terceira idade, que foi inaugurado em 2006. Actualmente possui um lar para 40 utentes e um centro de dia para 20. Para além disso, a instituição também presta apoio domiciliário a 30 pessoas da freguesia.
Com 70 funcionários e cerca de três dezenas de voluntários, o Centro Social e Paroquial de Vale de Figueira vê-se confrontado com uma série de novos desafios. Paredes meias com um grande bairro social, onde mora cerca de um milhar de pessoas, a instituição convive com os problemas diários de uma comunidade muito dependente do rendimento social de inserção e com graves problemas de toxicodependência. “Estamos à porta de um bairro social e apesar de não sermos um centro comunitário damos muito apoio à comunidade, mesmo no fornecimento de refeições gratuitas”, diz a responsável técnica.
O Apoio Fraterno continua a ser um dos pilares de trabalho do Centro. Agora encarrega-se de distribuir um cabaz alimentar às famílias carenciadas da zona. Do momento está a apoiar 160 famílias, num total de 500 pessoas. “A crise veio aumentar a procura deste apoio. Mesmo as famílias em que um dos elementos trabalha, não estão a conseguir dar conta do seu orçamento”, explica Fátima Carvalho. A lojinha social é outra das iniciativas do centro que serve para “vender” roupa a preços simbólicos, desde 30 cêntimos a 1,5 euro. Este dinheiro ajuda a custear as despesas do Apoio Fraterno, que recebe também o contributo do Banco Alimentar de Setúbal.
O Centro Social e Paroquial é a maior instituição de solidariedade a trabalhar na freguesia de Sobreda, mas as necessidades da comunidade continuam a ser muito grandes. Na infância, a lista de espera ultrapassa as 200 crianças e para lar a situação também não é melhor.
Quando se fala em projectos para o futuro, o presidente da instituição diz que “tudo se fez sem projectos”, “temos uma obra extensa e muito trabalho e estamos numa fase de arrumar a casa”, refere o Pe. António Morais. A mais recente aquisição do centro foi o berçário inaugurado no ano passado e construído no âmbito do programa FEDER. Fátima Carvalho partilha desta opinião e lembra que agora a burocracia é muito superior e há a necessidade de colocar “a papelada em ordem”. “Temos os acordos com a Segurança Social, mas há uma série de situações a pôr em dia, principalmente com as novas directrizes relativas à gestão da qualidade”. Contudo, cresce já a ideia de um novo projecto dirigido aos jovens para dar uso a um espaço que está, para já, desocupado. “Tenho a ideia, mas não passa disso, de utilizar um espaço que temos para dar uma resposta aos jovens.
Sentimos essa necessidade, até porque temos uma escola secundária com uma faixa de crianças e jovens que não estão abrangidos por nenhuma resposta, além de estarmos pertíssimo de um grande bairro social”, adianta o presidente do Centro. Numa crítica ao sistema, o Pe. António Morais diz “sentir saudades” dos tempos que as instituições “não estavam prisioneiras de tantas regras”. “Fazia-se, trabalhava-se e só depois se pensava no resto”.
Texto e fotos: Milene Câmara
Data de introdução: 2010-04-10