FERNANDO CASTRO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE FAMÍLIAS NUMEROSAS

As famílias numerosas são a resposta ao inverno demográfico que se avizinha

SOLIDARIEDADE – Porquê criar uma associação de famílias numerosas em Portugal?
FERNANDO CASTRO
– A associação nasce, essencialmente, porque desde o 25 Abril que Portugal tem uma política dirigida contra as famílias em geral e contra as famílias numerosas em particular. Todas as famílias numerosas sentem isso e quando nos encontrávamos, invariavelmente, queixávamo-nos do rumo que isto estava a levar. Desde 1982 que temos uma taxa de natalidade abaixo do necessário e, nos dias de hoje, essa política ainda é mais idiota. Até que um de nós se lembrou de formar uma associação para tentarmos fazer alguma coisa. Começámos com um núcleo de dez casais a amadurecer a ideia durante o ano de 1998 e a 22 de Abril de 1999 nasce a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas com mais de 100 fundadores.

Mas quais são os vossos principais objectivos enquanto associação?
Nós actuamos em várias linhas da frente que consideramos importantes. Quando se fala em ter um terceiro ou quarto filho, é comum ouvir-se expressões tais como «tu és maluco», quer seja vinda dos pais, dos colegas de trabalho ou dos irmãos. Apercebemo-nos de que não é apenas da parte do Governo que está instalada uma política anti-família, mas que isso se tornou numa questão cultural. O que nós defendemos não são as famílias numerosas, mas sim o direito dos pais a terem os filhos que desejarem sem receber qualquer espécie de pressão para não o fazerem. Felizmente a nossa associação teve um bom acolhimento na comunicação social e a nossa mensagem está a passar.

Esse direito de ter vários filhos não é um direito garantido na sociedade portuguesa?
Repare, qualquer família que tenha um terceiro ou quarto filho e vá a um serviço social perguntar a que é que tem direito respondem-lhe logo que não tem direito a nada e, por vezes, ainda questionam o nascimento desse terceiro ou quarto filho. Mas se quiser abortar já tem todo o apoio do Estado.

Mas a liberalização do aborto é vista por muitos como um exercício de liberdade…
Não foi criada a liberdade do aborto, mas o incentivo ao aborto, são coisas muito diferentes. Se por exemplo, uma grávida açoriana quiser abortar até lhe pagam a viagem ao continente, estadia, acompanhamento da Segurança Social e até a vinda dos pais para acompanhá-la. Mas se uma açoriana, que teve um filho nos Açores, e quiser vir ao continente mostrá-lo à família que possa ter cá, aí já tem que pagar a passagem. Pior do que isto é um bocado difícil!

Desde 1999 que Portugal tem a taxa de natalidade bruta que mais diminuiu na Europa e temos uma população cada vez mais envelhecida. Apesar disso, no seu entender, os governos não têm apostado numa política de família.
Essa política de família de que fala é uma mentira. O que acontece com o Estado português é, por analogia, o mesmo que acontece com um homem que é casado e tem uma amante, mas diz que gosta muito da mulher. O que se passa com o Estado é isto. Portugal, sobretudo nos últimos cinco anos, tem seguido uma política contra a família, apesar de ser um mal que tem perdurado neste últimos trinta anos. O Parlamento não só liberalizou o aborto como o incentivou fortemente. Uma mulher que queira abortar tem via verde no hospital mas, se pelo contrário, tiver algum problema de ginecologia tem que esperar pela sua vez. O Estado também incentivou o divórcio. Agora basta que um dos elementos do casal se queira divorciar para o divórcio ser imediatamente declarado e só depois é que se trata da parte legal. O programa de educação sexual nas escolas é um programa totalmente contra a família e anti-natalista.

Porque diz que o programa sexual é contra as famílias e não incentiva a natalidade?
É simples. A gravidez é tratada exactamente da mesma forma como são tratadas as doenças sexualmente transmissíveis. A sexualidade é vista como o gozo individual e não como um acto de procriação, reduz-se apenas à parte mecânica e à satisfação de cada um.

Acredita então, que apesar de Portugal viver um problema grave de envelhecimento, o Estado está completamente alheio a isso?
Exactamente. O Estado vê isso, mas está a acelerar a fundo o processo. Recentemente foi legalizada esta gigantesca aberração que é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para mim, estamos a confundir casamento com emparelhamento. Digo-lhe mais… O país vive numa total loucura, loucura do Governo, abençoada pelo Tribunal Constitucional e pelo Presidente da República. Se um determinado país quer implementar uma política anti-natalista é isto que se faz: aborto, divórcio, o tipo de educação que está a ser dada sobre a capa de educação sexual, casamento entre pessoas do mesmo sexo.

E quanto ao papel que as novas gerações podem ter neste contexto?
Temos crianças e jovens completamente desenquadrados, com as famílias a partirem-se. Existem cada vez menos famílias no verdadeiro conceito da palavra. Não é estranho que havendo cada vez menos crianças e jovens comparativamente à população adulta, haja cada vez mais problemas com eles?! Assiste-se a um aumento da violência nas crianças e jovens, da criminalidade infantil. Quem vamos responsabilizar? Os pais?! Mas de que pais estamos a falar? Existem cada vez menos. As famílias cada vez mais se tornam famílias monoparentais, há uma maior densidade e filhos únicos, pelo que as crianças perdem a capacidade de relacionamento e de negociação. Mais tarde, estes miúdos dificilmente vão conseguir criar relações com os outros. A próxima geração de população activa vai ser dramática a todos os níveis.

Falemos agora da carga fiscal sobre as famílias. O governo tem dado sinais positivos nesta matéria?
Recentemente, o Governo aumentou as deduções até aos 3 anos de idade e vieram dizer que estavam a privilegiar as famílias numerosas, mas e depois dos 3 anos?! Um filho aos 18 anos dá mais encargos aos pais do que quando tem 3 ou 6 anos, ninguém se lembra disso?! Nestes últimos anos de governação, este Governo tem gozado com os portugueses e isso tem sido feito com uma especial protecção da comunicação social. Acabou a capacidade crítica. Repare que hoje em dia existem cada vez mais casais a viver na clandestinidade, ou seja, casais que vivem como casados, mas que não o declaram publicamente. Isto é a prova de que a política é contra o casamento.

Na sua opinião, porque é que isso acontece?
Se um casal que tem filhos não se declara no estado de casado e perante o fisco dizem-se solteiros, nessa altura um deles tem que pagar pensão de alimentos ao outro, pelas crianças e essas pensões de alimentos são dedutíveis no IRS. Ora, aquilo que nós defendemos é acabar com essa desigualdade entre filhos de pais divorciados ou ditos solteiros e filhos de pais casados. A dedução deve ser igual para todos, independentemente do estado civil. Que não se discrimine os impostos e abonos de família em função do estado civil. A esmagadora maioria dos casais com 3 filhos, se se separasse receberia o dinheiro que desconta quase todo de volta. Isto são contas feitas pela associação e fáceis de verificar. Basta fazer a simulação na altura de apresentar a declaração de IRS. O abono de família é em função do escalão social, mas não é em função do rendimento per capita. Uma mãe solteira tem mais 20% de abono.

Mas que alternativas é que propõe para que possa haver um incentivo à natalidade?
Em vez de andarmos a copiar disparates europeus deveríamos copiar boas práticas. Nós, associação, recomendamos que seja seguido o exemplo francês, pois a França é o único país europeu que já atingiu os 2.1 filhos por casal. Tem vindo a tomar várias medidas desde há cerca de uma década em prol da natalidade e devido a isso já atingiu os 2.1 filhos por casal. O curioso é que o grupo populacional que mais rapidamente chegou aos 2.1 filhos foi precisamente o dos portugueses emigrados em França. Isto comprova que não é um problema de raça, mas sim do país em que estamos. França tem uma série de benefícios fiscais e mesmo quando precisam de dinheiro, como é exemplo esta crise, a redução incidiu, por exemplo, no abono de família, mas apenas no abono do primeiro filho. A partir do segundo filho, o abono sofre um aumento considerável, porque são esses filhos que vão contribuir para aumentar a média de crianças nascidas. Na parte dos impostos têm o nível mínimo de existência e também o coeficiente familiar. Repare, um casal que tenha apenas um filho e lhes sobre 5 mil euros por ano e outro casal que lhes sobre o mesmo valor, mas que tenha 10 filhos. Estamos a falar do mesmo lucro, mas de níveis de vida completamente diferentes e o governo francês leva isso em conta. Logo, no que respeita à política fiscal portuguesa, as pequenas melhorias existentes não têm tido efeito no aumento da natalidade e, nos últimos anos, temos vindo a bater recordes sucessivos de mínimos de natalidade.

Acha, que no contexto da vida moderna actual, da falta de tempo, das aspirações profissionais, uma mulher está disposta ter vários filhos, independentemente dos apoios que possa vir a beneficiar para tal?
Está sim. Realizamos um inquérito que foi publicado em Maio do ano passado e que foi dirigido às mulheres em idade fértil, ou seja, entre os 15 e os 45 anos de idade. Uma das conclusões foi de que o nível médio dos filhos desejados é 3. Esse inquérito revelou que 75% das mulheres com menos de 25 anos gostariam de ter 3 filhos ou mais e isto é perfeitamente transversal em termos de classes sociais.

Ao contrário de épocas passadas ter vários filhos hoje em dia implica uma situação financeira boa, ou seja, é quase um luxo de uma classe mais abastada?
Não concordo com isso. Há muitas famílias ricas que não têm filhos e vice-versa. Estamos a falar de outro tipo de riqueza e acima de tudo de uma opção de vida. Uma família com vários filhos tem que fazer a gestão do dinheiro de outra forma. Eu vejo miúdos cujos pais vivem do rendimento mínimo e que andam com o último modelo de telemóvel. Aos meus filhos, por exemplo, nunca lhes dei telemóvel. O que acontece é que actualmente existe mais pressão para que não se tenha vários filhos e são cada vez menos os que o conseguem. É mais importante o tamanho da coração do que o da carteira, o que não pode acontecer é que seja coarctada a opção de ter vários filhos.

Em termos de educação não é mais difícil e complicado educar vários filhos do que um ou dois?
É a mesma dificuldade do que educar um. Os piores problemas de educação, regra geral, acontecem com filhos únicos. Numa família numerosa é mais fácil educar, e atenção que não falo no sentido de instruir, mas apenas de educar. O grupo vai funcionando, é uma vivência e os valores são transmitidos de uns para os outros. Imagine, numa família com um único filho, este chega a casa e se os pais não estão, não está ninguém, apenas a televisão e o computador. Isso é raro acontecer numa família numerosa, onde está sempre alguém. Na parte da instrução, obviamente que um filho único terá muito mais oportunidade de receber um nível de instrução mais elevado.

Portugal é um país com uma forte tradição católica, também tradicionalmente protectora dos filhos e defensora da família. Contudo, foram aprovadas leis, que contrariam este espírito. Estamos a assistir a uma mudança de fundo da mentalidade da sociedade portuguesa?
O que está a acontecer foi instigado. Um país que era solidário foi instigado ao individualismo, foi substituída a cooperação pela competição e isso tudo está a fazer com que o país caia no buraco. Quando isto estourar vai novamente emergir a família. A associação de famílias numerosas é uma associação política, mas não partidária. Nós queremos que Portugal tenha uma política de família a sério, à semelhança de outros países e do que as pessoas desejam. Não pode ser entendido como um capricho ter vários filhos. O país precisa deles, é a necessidade absoluta de sustentabilidade da sociedade. E os apoios para esses filhos não podem ser vistos como um luxo. O país precisa destas crianças e têm que ser disponibilizados fundos para aqueles que estão disposto a tê-las. Isto é partilha e solidariedade. Quando essa ajuda existir, o casal torna-se livre de decidir. Não esqueçamos que as famílias numerosas são a resposta ao inverno demográfico que se avizinha e que 26% das crianças e jovens do país pertencem às famílias numerosas, logo 26% do futuro está nas nossas mãos.


Entrevista e fotos: Milene Câmara






 

Data de introdução: 2010-06-08



















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