OPINIÃO

Ingenuidade ou superioridade civilizacional?

A câmara municipal de Nova Iorque aprovou há dias a construção, naquela grande cidade americana, de mais um Centro Cultural Islâmico. Este será erguido muito perto do chamado Ground Zero, o local onde se situavam as famosas “torres gémeas”, destruídas por um dos mais graves atentados da História. Ainda não passaram dez anos sobre esse trágico acontecimento, há ainda memórias demasiado frescas daquele horror, mas os cidadãos de origem ou cultura muçulmana conseguiram autorização para ali construir um Centro Cultural, que engloba, naturalmente, uma mesquita.

Aprovada pela maioria dos deputados municipais, a decisão provocou alguma polémica, mas não tanta como seria expectável tendo em conta a responsabilidade de radicais islâmicos na preparação e execução do atentado e as reacções que este provocou nos Estados Unidos. É difícil pedir às inúmeras famílias que perderam entes queridos no dia 11 de Setembro de 2001 que passem uma esponja sobre o atentado e, sobretudo, que aceitem a construção uma estrutura cultural islâmica, precisamente junto ao local onde aconteceu essa imensa tragédia.

Muita gente considera que a decisão do município de Nova Iorque deve ser entendida como uma cedência que vem confirmar o famoso espírito de ingenuidade que, com mais ou menos razão, muitos atribuem à América. Sem pretendermos fazer um juízo político ou moral desta decisão, e partindo de princípio de que, nesta altura, muitos norte-americanos se devem sentir ofendidos, temos razão para aceitar que ela pode ser interpretada, acima de tudo, como uma manifestação de superioridade civilizacional.

Primeiro, porque ninguém deve ser vítima de condenações ou discriminações fundamentadas apenasna sua origem étnica ou na sua crença religiosa. É certo que os mentores e executantes do atentado de 11 de Setembro eram islâmicos, mas isso não chega para transformar todos os muçulmanos em terroristas ou potenciais terroristas. Mas a verdade é que a História dá conta das enormes dificuldades e injustiças que se abatem sempre sobre as comunidades de origem estrangeira, quando, no país em que passaram a viver, há mais ou menos tempo, uma desgraça é atribuída a um ou a alguns dos seus membros. Pior ainda, quando o país de acolhimento e o país de origem estão ou entram em guerra.

A decisão do município de Nova Iorque não deixa, por isso, de ser surpreendente, sobretudo se tivermos em conta a situação em que vivem as pequenas comunidades cristãs da maioria dos países muçulmanos, no que diz respeito a autorizações para a construção das suas igrejas. O que acontece em alguns desses estados, nesta matéria, é verdadeiramente chocante.
A decisão da câmara de Nova Iorque, tomada nesta altura, revelará alguma ingenuidade, como acusam alguns? Pode ser, mas revela, sobretudo, uma grande manifestação de superioridade civilizacional.

António José da Silva

 

Data de introdução: 2010-06-10



















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