Quando o novo regime de protecção na parentalidade foi lançado, em Maio de 2009, a meta era clara e simples: "Criar condições de paridade na harmonização das responsabilidades profissionais e familiares", conforme se lê no respectivo preâmbulo. Este objectivo continua, porém, em grande parte por cumprir: das 78.723 licenças atribuídas, houve partilha em apenas 20.391 casos, ou seja, em pouco mais de um quarto.
Neste caso, o pai gozou pelo menos 30 dias, conforme os números divulgados ao PÚBLICO pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e que abarcam os 14 meses que decorreram desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 91/2009 - em Maio de 2009 - até ao passado dia 2 de Julho. Se nos ativermos à percentagem de homens que gozaram os dez dias iniciais facultativos além dos dez dias obrigatórios, a adesão sobe para os 74,6 por cento.
Mas a prova de que mudar fraldas e dar biberões continua a ser tarefa de mulheres é que nem nos dez dias a seguir ao parto que os homens são obrigados a ficar em casa se pode falar numa adesão de 100 por cento: dos já referidos 78.723 subsídios de licença atribuídos, aqueles dez dias foram gozados em apenas 66.874 casos. Dito doutro modo, 15,1 por cento dos pais desrespeitaram a obrigatoriedade legal de ficar em casa.
"A mulher ainda sente que para a sua identidade é necessário cuidar de crianças e o homem continua a sentir que para a sua identidade é necessário trabalhar e sustentar a família", interpreta a investigadora da Universidade Católica Portuguesa (UCP) Clara Sottomayor, que coordenou um estudo sobre a aplicação da lei da maternidade e da paternidade em Portugal antes da entrada em vigor das novas regras.
Pequenos avanços
Além das questões culturais, a investigadora aponta factores de ordem económica como explicação para a manutenção das desigualdades de género. "Toda a gente sabe que quem se ausenta do local de trabalho para cuidar dos filhos é discriminado em termos de promoções e de ordenados e os homens não querem suportar esses sacrifícios."
Apesar de muito aquém das expectativas iniciais, os números traduzem alguns avanços relativamente ao cenário que antecedeu a entrada em vigor da nova lei: em 2007, por exemplo, apenas 0,7 por cento dos pais partilhavam a licença pós-parto com as mães. Naquele mesmo ano, eram 40,2 por cento os pais que não requereram sequer os cinco dias úteis que a lei os obrigava a ficar em casa a seguir ao nascimento dos filhos.
Para Clara Sottomayor, a discriminação nos locais de trabalho vai manter-se enquanto as entidades patronais continuarem a associar às mulheres o gozo das licenças parentais. "O ideal era que a licença fosse dividida a 50 por cento entre o homem e a mulher", observa. Nada de muito revolucionário. Na Suécia, um dos países mais avançados em termos de protecção à natalidade, 60 dos 390 dias de licença são de gozo obrigatório pelo pai. "Se o pai não gozar esses dois meses, a família perde esse direito, ou seja, o período de licença do pai não é transmissível", diz.
Na Islândia, outro dos países que servem de referência aos estudos académicos sobre a matéria, "os pais têm um direito intransmissível a três meses de licença". Não se trata de obrigar os pais a ficar em casa, "porque isso seria uma intromissão excessiva do Estado na vida familiar", mas de "criar incentivos de tal forma grandes que se tornam indeclináveis". Por outro lado, em Portugal, onde as licenças oscilam maioritariamente entre os quatro e os seis meses, "a imposição de uma divisão 50/50 até poderia prejudicar as crianças em termos de amamentação", sustenta Sottomayor, para quem as alterações terão que apontar nesse sentido, "mas de forma gradual".
Fonte: Público
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