1. Ajudar os que precisam, socorrer os aflitos, sofrer com os que sofrem, chorar com os que choram (talvez mais do que rir com os que riem) é comum entre os portugueses. Tanto se eles se situam ali mesmo, ao pé da porta, como quando se encontram bem mais longe. Quando num qualquer local avulta uma carência social, logo se multiplicam movimentos na comunidade para criar uma resposta. Abundam as iniciativas solidárias perante azares, catástrofes, desgraças, infortúnios e necessidades. Quantos os gestos anónimos de comunhão! Quantos, sobretudo, quantas a dedicarem-se voluntariamente a causas e a pessoas! Quão numeroso o serviço altruísta com total dádiva e a fazer girar a economia! Quantas as Instituições de Solidariedade por todo este país!
Para entusiasmar jovens, nada como desfraldar bandeiras solidárias. Para movimentar uma comunidade, nada como seduzi-la para causas solidárias. E, quando o equipamento começa a encimar os alicerces, quantas ofertas anónimas se acumulam para acelerar o dia de abertura do serviço.
Por vezes apetece dizer que os melhores gestos de solidariedade vêm dos mais simples. Talvez antes se deva reconhecer que vêm dos genuinamente portugueses, que esses são dedicados, empreendedores, generosos e simples no serviço da solidariedade.
O povo português é solidário. Tanto porque a solidariedade é um daqueles valores que mais sensibiliza, como pelas múltiplas expressões e gestos com que se vai deixando envolver ou que é capaz de conceber, alimentar, sugerir ou favorecer.
Reconheça-se que a solidariedade é uma riqueza que brota do coração português e que está na matriz cultural deste multifacetado povo. Talvez porque o povo vê e constrói a solidariedade como caminho para uma justiça por que anseia e que, muitas vezes, lhe é negada.
Desde a mais raiana aldeia transmontana à mais ocidental ilha açoriana, tanto no litoral como no interior.
As Instituições de Solidariedade são um desses exemplos. Certamente bem expressivo; porém, não o único.
2. Portugal vem sendo atingido por uma crise que, sendo global, teima em atingir-nos mais fortemente e está a prolongar-se entre nós por demasiado tempo. Mas antes de a crise ser reconhecida, já o Interior deste nosso país estava a desertificar-se e a ficar demasiadamente deprimido. Irreversivelmente?
Há uma juventude que debanda: só porque é empreendedora e encontra atractivos nas grandes metrópoles?
Há escassíssimos postos de trabalho e um desemprego que aumenta: só porque as empresas se deslocam e os trabalhadores não se adaptam às novas exigências?
Há centros de saúde que encerram: só por uma questão de rentabilização de meios ou para serem garantidas melhores prestações?
Há serviços que desaparecem: só porque não há quem os demande ou porque estão desenquadrados?
Há muitas escolas a fechar: só por falta de alunos ou para combater o abandono escolar?
Há muitas casas abandonadas: só porque carecem de condições ou porque as famílias preferem os grandes centros urbanos?
Há muita terra por cultivar: só porque não é rentável ou porque falta quem a trabalhe?
Entretanto, mais do que em qualquer outra parte deste país, no Interior a população vai envelhecendo, os idosos vão perdendo o que lhes restava de força anímica e os incêndios vão deixando uma paisagem uniformizada pelo tom cinzento que espalha o odor das cinzas da depressão.
No Interior português, e talvez mais intensamente lá, ainda se faz sentir a solidariedade na vida das comunidades. Importante, mas insuficiente.
É imperioso que os olhares se voltem para o Interior português: se ali os envolvimentos solidários também são importantes, urgem-se medidas políticas de um Estado chamado a ser solidário.
3. Uma festa é símbolo da Unidade na diversidade, pólo aglutinador de Projectos, de Sonhos, de Olhares e de Alegrias partilhadas porque alimentadas na Esperança.
Neste ano, a Festa da Solidariedade vai ser no Interior português, exactamente na capital da Beira Baixa. Anteriormente, depois de partir de Viseu (em 2009, foi ali a Festa), a Chama da Solidariedade vai percorrer durante alguns dias os distritos da Guarda e de Castelo Branco.
Não é por acaso: para o longe se fazer perto.
No Interior, onde, mais do que em qualquer outro lugar, a solidariedade é uma riqueza que brota do coração, importa que se celebre a Solidariedade. Importa que o Interior sinta a solidariedade.
São muitas as Instituições que ali atenuam os efeitos da indiferença: proclamando que não se resignam e que são semente de uma esperança que não desfalece, querem afirmar a sua disponibilidade para reactivar actividades abandonadas e dar utilidade social, educativa e económica a escolas e centros de saúde encerrados.
São muitas as Instituições que ali vão partilhar a comunhão: querem ser um olhar que atrai novos olhares. Das pessoas, da comunidade e do Estado.
Umas e outras, as Instituições de lá e as Instituições que lá vão, todas irmanadas, reclamam um olhar que faça renascer sonhos com projectos e esperanças com medidas corajosas e gestos de solidariedade.
Lino Maia, Presidente da CNIS
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