SILVA PENEDA, PRESIDENTE DO CES

Não faz sentido as instituições serem penalizadas por causa da crise

SOLIDARIEDADE - É presidente do CES – Conselho Económico e Social – Há cerca de um ano. Estava à espera deste convite, que foi feito pelo PS e pelo PSD?
SILVA PENEDA
- Foi uma surpresa total. Eu, posso dizer agora, tinha dois convites ao nível europeu. Na mesma altura recebi um telefonema da Dr.ª Manuela Ferreira Leite perguntando-me se eu estava disponível para aceitar ser presidente do Conselho Económico e Social. No dia seguinte a Dr.ª Ferreira leite liga-me de novo e diz que o convite não era só do PSD mas também do PS, que eu tinha sido proposto pelos dois partidos na Assembleia da República. Aceitei o convite com gosto e a votação foi expressiva, sem votos contra, o que me deixa preocupado. Tive fotos em branco mas nenhum voto contra. É uma tarefa nova que se encaixa naquilo que é o meu pensamento político, que é buscar sempre compromissos, consensos, negociação permanente. Tem sido a actividade que tenho desenvolvido faz um ano em Janeiro pois fui eleito em Dezembro. O balanço que faço é positivo, do ponto de vista pessoal e do ponto de vista do trabalho concreto.

Fizemos vários pareceres no Conselho, todos eles acordados por unanimidade. Alguns foram pedidos pelos órgãos de soberania, pela Assembleia da República e pelo Governo, e outros fomos nós que tomamos a iniciativa de os fazer, um dos quais reputo como muito importante e que foi o parecer do futuro da zona Euro. É algo que me preocupa muito. Tudo o que se está a passar. As coisas podem não ter sido conduzidas da forma, que eu diria, mais adequada e estamos todos a sofrer por causa disso. Acho que as questões europeias deveriam ser debatidas mais profundamente no nosso país porque hoje a nossa capacidade económica é cada vez mais estreita e estamos muito condicionados por decisões que são tomadas a nível europeu.

Eu sei que Portugal está lá, nessa mesa, mas o debate ao nível interno deveria ser mais forte para as pessoas terem a noção de como é que nós podemos modificar determinado tipo de regras, determinados procedimentos ao nível europeu para facilitar a nossa vida. É preciso uma ofensiva diplomática muito forte, não só no nosso país, mas também na Espanha, nos países do sul da Europa. Sinto hoje que a componente de solidariedade, a componente de coesão social e regional está a esbater-se. Estão mais preocupados com as questões paroquiais e locais e esta visão europeia está a desaparecer. Impõem-se regras estúpidas, quanto a mim, com respeito às análises da Europa que é um mosaico de diferenças. É que 3% de défice em Portugal não é a mesma coisa que 3% de défice na Suécia. E é preciso todos terem, no mesmo dia e à mesma hora 3% de défice para cumprir uma coisa que é feita à alemã, com regra e esquadro, na qual temos todos que ir para ali… Tudo isto não está a ser explicado e é preciso mais esclarecimento do que o que estamos a fazer. Não se compreende, mesmo em termos orçamentais.

O CES tem uma visibilidade à imagem do presidente? Já foi um órgão consultivo com uma visibilidade muito grande, depois parece ter tido um período menos credível. Consigo está a recuperar o prestígio?
O CES é aquilo que as pessoas que estão lá dentro querem que seja. E depende também muito da vontade política dos conselheiros, de quem lá está, isto porque o CES é uma instituição política. Dá pareceres sobre aspectos relacionados com a Assembleia da República e com o Governo, e depende muito dos conselheiros. Para o CES, para além do Prof. João Ferreira do Amaral, convidei o Dr. João Salgueiro, bem como a Dr.ª Isabel Mota, Vítor Ramalho e Almeida Serra.

O CES tem cumprido as suas missões que são três. Uma, que depende muito do presidente, é esta função consultiva e emissão de pareceres solicitados e por iniciativa própria. Depois tem uma função de concertação social, na qual o presidente não poderá ser tão activo porque tem uma comissão que é presidida pelo Primeiro-ministro, onde têm assento os parceiros sociais e eu também. Depois há uma terceira parte que agora está muito intensa que tem que ver com a arbitragem. O CES tem uma espécie de departamento de juristas que estão designados como árbitros presidentes, e cada uma das partes designa depois o seu árbitro para dirimir determinado tipo de conflitos, por exemplo em caso de greves. E é isto, em resumo, a actividade do CES.

Quais são as próximas iniciativas do CES?
Para o futuro, já agora antecipo, temos dois pareceres previstos. Um que tem que ver com a parte social, com a evolução da situação demográfica do nosso país. Todos sabemos que é uma situação preocupante pois caminhamos para uma sociedade com cada vez mais idosos. As pessoas com mais de 80 anos são 4%. Daqui a 30 ou 40 anos, e é já amanhã, serão 15%. Se olharmos como se estão a prevenir as doenças mentais, percebemos que vamos ter problemas graves no futuro. Esse relatório tenta responder à seguinte pergunta: como é que a sociedade, no seu todo, Estado, Sociedade Civil, autarquias, se deve organizar para responder a este tipo de realidade? Isto não pode ser fruto de soluções feitas em cima do joelho e pontuais. O CES deve pensar nas coisas numa perspectiva mais estrutural.

O relator é uma pessoa conhecida, o Dr. Manuel Lemos, representante da União das Misericórdias, eleito por todos para ser o relator. Queria ver se até Maio está aprovado. As instituições particulares de solidariedade social têm que ser enquadradas. É preciso que as IPSS actuem em graus de liberdade que possam motivar as pessoas, serem propiciadoras de mecanismos de criatividade, também na busca de novas soluções. O Estado deve reservar-se funções de carácter normativo, muito gerais. Julgo que o diálogo vai ser cada vez mais ao nível local. E depois é preciso não esquecer outra coisa. É que área social vai ser uma área criadora de emprego. É preciso gente qualificada, competente, com capacidade. O outro relatório é sobre uma realidade diferente, a médio prazo, e tem que ver com a competitividade das sociedades. O que é que torna as sociedades competitivas? Que medidas políticas podem ser tomadas para dar qualidade às sociedades, e torná-las competitivas também face ao exterior.

Abordará temas relacionados com a cultura, a arte, o design, e tudo o que pode tornar uma sociedade mais competitiva, as chamadas energias criativas. O relator para esse relatório é Dr. Vitorino, conhecido porque esteve presente nos quadros comunitários de apoio. Por alturas de Maio gostaria de ter esse relatório pronto para dar uma contribuição aos gestores públicos, colocar ao serviço de quem gere hoje cidades, de forma a torná-las mais agradáveis e mais competitivas face ao mundo em que vivemos.

Portugal vive numa altura de grande dificuldade, numa altura de crise declarada e assumida. Tem um problema orçamental grave, o combate ao défice é prioridade. Com a sua experiência de governante e com a sua experiência de deputado europeu, de que forma vê a situação do país? Estamos no fio da navalha?
Estamos numa situação muito grave. Mas muitas vezes estas situações permitem saídas airosas. Temos que aprender com as lições do passado. E há lições óbvias. Não sou daqueles que culpa apenas a crise internacional. É uma mistura de crise internacional, de medidas erradas tomadas a nível interno, e também a forma lenta e desadequada como a Europa tem tratado este tipo de problemas. São os três factores que legitimaram este tipo de situação. Chegados aqui, é preciso ter a noção do que é que não se deve fazer. A primeira coisa, que decorre do passado, é esta ideia de que os mercados são auto-suficientes e resolvem tudo com os automatismos. É uma ideia errada.

Esta crise provou que os mercados, por si só, não têm capacidade suficiente de se auto-regularem. Significa que as teorias do neo-liberalismo fracassaram. Fracassaram essas como fracassaram as teorias de lutas de classes, que votaram à miséria e à penúria que levaram à desregulação e a este desbaratar de meios financeiros que são essenciais para outras coisas. A segunda lição é que o discurso das promessas fáceis está desacreditado. Acho que hoje o discurso que dá confiança é o discurso do realismo, da verdade. A terceira lição passa por saber distinguir o que é importante do que é acessório. E o que é importante hoje é pôr o país a crescer economicamente. Esta ideia de consolidar o orçamento com aumento de impostos e redução de despesas vai chegar a um ponto em que não se pode fazer mais. Nós estamos no limite. E temos um problema social em Portugal que é o emprego. Só se cria emprego quando o país cresce a uma taxa de 2,5%, 3%. Só a partir daí é que o país gera emprego.

As perspectivas que temos para o próximo ano, e que a meu ver são optimistas, são de um crescimento de 0,2%. Acho que não vamos crescer 0,2%, acho é que vamos decrescer. O ano 2011 vai ser o ano do desemprego. Se não se vai concretizar estes 0,2%, é preciso monitorar a execução orçamental para ver se a meio do ano é preciso tomar ou não mais medidas. Uma crise política seria terrível. É essencial que haja um entendimento sobre, primeiro, ter um programa claro sobre o aumento da competitividade da nossa sociedade e da nossa economia, e isso passa muito por pôr o dinheiro ao serviço de quem cria e gera riqueza, e tirar o dinheiro de quem especula financeiramente. Posto de forma directa é isto. Até agora o dinheiro tem estado ao serviço de quem especula financeiramente ou de quem investe em determinadas empresas que não têm dificuldades em repercutir os seus custos nos preços. Estou a falar das telecomunicações, da água, da energia. Eu acho que hoje a prioridade é uma sociedade de investimento público que gere emprego e que seja susceptível de incorporar produtos nacionais. O investimento público pode e deve ser orientado neste sentido.

O orçamento foi apresentado e tem medidas que, de alguma forma, podem condicionar algumas actividades sedimentadas na sociedade portuguesa. Uma delas é a questão das instituições de solidariedade social que, de repente, se viram na iminência de terem que pagar 23% do investimento em edificações, entre outras. Considera que uma medida destas faz sentido?
O orçamento não tem, de facto, uma dimensão social. Tem uma obsessão pelo défice e a solução foi a mais fácil. Aumentam-se os impostos que são mais fáceis de aumentar e que dão resultado e corta-se, de uma forma cega, nas despesas. É o desespero, de facto. A parte social foi maltratada neste orçamento e não havia necessidade. Foi corrigido agora e pode ser que seja de novo debatido. Eu estou à vontade: Isso nasceu comigo, quando ainda era ministro das finanças o Dr. Miguel Cadilhe e bastou uma conversa com ele para o convencer que, de facto, não fazia sentido este tipo de proposta. Eu queria que não pagassem IVA e a resposta dele foi: “Não. Pagar todos têm que pagar. O Estado pode é depois devolver”. Foi um ministro das finanças que mostrou sensibilidade social e nunca ninguém pôs em causa isso, durante todos estes anos. Toda a gente achou normal que os investimentos feitos pelas instituições de solidariedade social tinham a contribuição da comunidade e dos contribuintes.

Estas medidas podem revelar até desconhecimento porque com um agravamento de 23%, algumas das instituições não vão sequer conseguir sobreviver.
Acho é que não foram pensadas. Pelo menos para este ano, de 2011, as coisas vão manter-se na mesma. Depois não sabemos o que teremos. Mas sim, julgo que isto seria dar uma machadada, nalguns casos definitiva, em algumas instituições. É como se o poder político, num momento de grande necessidade, tirasse o tapete de forma unilateral, sem conversa prévia. Conheço bem a realidade das instituições e sei que todos os tostões são pensados e poupados. Um aumento de 23% seria brutal. Não faz sentido as instituições serem penalizadas, desta forma, por causa da crise.

Acha que, ultimamente, tem havido alguma desconsideração por este sector social solidário?
Eu acho que sim. O Estado tem-se assumido muito como “controleiro”. Quer fazer tudo, interferir em tudo e parece-me que há uma excessiva presença do Estado nas instituições e essa intervenção deveria situar-se num plano muito mais geral. Deveria dar mais espaço para as instituições planearem as suas actividades, sem prejuízo do financiamento e de serem fiscalizados pelo Estado, porque os dinheiros são públicos. Agora uma intervenção contínua e que leva ao desânimo das pessoas que estão nas instituições, isso é o que me preocupa. O que me incomoda é o estilo com que é feita essa intervenção, como se julgassem pessoas que estão ali a dar o seu melhor, voluntários ou não. Cometem erros, sim, mas o Estado também comete erros.

Temos que aprender uns com os outros e não desconsiderar essas pessoas na forma de intervenção. Tudo isto leva as pessoas a questionarem até que ponto se devem estar a dedicar aos outros. A nossa sociedade é muito débil, muito fraca ao nível da organização de instituições deste tipo e, portanto, os poucos que existem e resistem devem ser acarinhados para que apareçam mais. Muitas vezes a resolução de determinados problemas acontece porque se tratam as coisas caso a caso e não de forma massificada. Acho que o país não ganharia nada em ver estas instituições transformadas em departamentos oficiais. O Estado deveria ter uma política deliberada no sentido de fomentar, nestas instituições, o assumir de maior responsabilidade por sua conta e risco. E isto não pode ser feito à custa de ziguezagues como esta situação do IVA. Dá vontade de dizer ao Estado para tomar conta disto tudo.

O facto de não haver uma política de cooperação entre o Estado e as IPSS pode ser sinal de algum desmazelo?
É uma questão de prioridades. E a prioridade hoje está muito situada na componente financeira. São sinais de que esta relação com as IPSS pode ser uma relação desgastante. E quando a relação é desgastante, com vários conflitos, as pessoas começam a pensar se vale a pena manter essa relação. Parece-me que se passa um pouco isso na relação do Estado com as Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Percebe-se que vai aumentar a pobreza, vai seguramente aumentar o desemprego, e vai seguramente aumentar o mal-estar social. Está preocupado com estes tempos próximos?
Temos que estar preparados, bem como os agentes políticos, para vivermos tempos nos quais os níveis de confiança serão muito baixos. O desemprego não é só o problema associado ao rendimento. O desemprego é mais profundo e mais sério porque pode representar a perda de confiança em si próprio e nos que o rodeiam. E agora há muita gente a emigrar outra vez. Daí ao medo do futuro é um pequeno passo. E as pessoas com medo dificilmente aderem a qualquer tipo de projecto de mudança. Temos que estar preparados para viver um clima de tensão social, espero que não seja explosiva, mas com muitos ingredientes lá metidos. Podemos ter problemas sociais e espero que haja a plena consciência disso. Temos assistido nos meios de comunicação social o que se vem passando nos outros países.

Acha que há alguma apatia no povo português?
Eu acho que há resignação. As pessoas estão conscientes do momento que se vive. Os hábitos e procedimentos mudaram. Temos que ter consciência de que o que estamos a fazer agora é pôr em equilíbrio as finanças públicas mas não podemos esgotar a vida pública e social na correcção do défice. As pessoas são capazes de aceitar restrições deste orçamento mas isto tem que ser acompanhado com uma visão de que vamos conseguir resolver a situação no país, porque se não for assim em 2012 e 2013 vamos andar neste ciclo e isto não tem saída. Mas estou confiante porque já saímos de crise difíceis e complicadas. O importante é que se consciencialize esta realidade e muitas vezes vejo responsáveis políticos a fazer discursos que não estão conscientes da realidade e não distinguem o importante do acessório.


V.M. Pinto – Texto e fotos

 

Data de introdução: 2010-12-10



















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