CENTRO SOCIAL DA SANTÍSSIMA TRINDADAE DA TABUA, MADEIRA

Uma experiência pioneira de intergeracionalidade

Situado na encosta íngreme e agreste, tornou-se rapidamente na construção mais imponente daquela localidade. Das varandas, compridas e soalheiras, vê-se o Atlântico e também a ribeira, que no ano passado galgou as margens e levou tudo o que encontrou pela frente. Do lar, arrebatou os acessos e isolou o local, assim como grande parte da freguesia da Tabua, no concelho da Ribeira Brava, um dos mais afectados pelo temporal de 22 de Fevereiro de 2010 que se abateu sobre a ilha da Madeira.

A freguesia situa-se na costa sudoeste da ilha, entre a Ponta do Sol e a sede do concelho. É das freguesias mais antigas da Madeira, situando-se a data da sua criação no século XVI.
Com pouco mais de mil habitantes, segundo os Censos 2001, foi na Tabua que nasceu o Lar Intergeracional da Santíssima Trindade, um projecto pioneiro de convivência em regime de internato de crianças e idosos quer na região autónoma, quer no país.

À semelhança de muitas freguesias madeirenses, esta também é marcada pelo fenómeno da emigração e são cada vez mais os idosos a viverem isolados, porque a família emigrou. Atendendo a este fenómeno um grupo de paroquianos começou a mover esforços para a criação de um lar.

Como era prática na região até ao 25 de Abril, os terrenos, onde está actualmente o Lar eram terras de colonia, ou seja, o senhorio detinha a propriedade e o caseiro cultivava e ficava com as colheitas, também chamadas de benfeitorias, entregando parte ao senhorio. Com a abolição deste regime, a legalização de vários terrenos tornou-se complexa e no caso do Lar, a situação resolveu-se com a ajuda financeira de Gracinda Tito, uma filha da terra, emigrante e que quis contribuir para o nascimento daquela obra social.

Com o apoio da igreja nasceu o Centro Social e Paroquial da Santíssima Trindade da Tabua, estrutura legal que viria a acolher o Lar. “Levou 10 anos desde os primeiros passos até à inauguração desta casa, em 2003. Na altura, as circunstâncias não eram favoráveis, pois a paróquia não tinha pároco que, por inerência, é sempre o presidente da instituição de solidariedade social e a diocese tinha algum receio em avançar com um projecto desta natureza”, explica Leontina Santos, directora do Lar desde a sua fundação.

A Segurança Social manifestou igualmente algumas reservas, pois acabava de ser construído um lar na sede do concelho, Ribeira Brava, mas com o tempo, as necessidades falaram mais alto e o projecto obteve luz verde.
“Quando se pensou num lar e depois de um levantamento das necessidades da região, percebemos que também era preciso uma estrutura para crianças e, então, optámos por fazer um projecto de coabitação”, refere a responsável. Avós e netos, numa mesma casa, é assim que Leontina Santos se refere aos utentes. Com 32 camas para idosos e 12 para crianças e jovens, a responsável faz um balanço muito positivo da experiência. “As relações não são meramente pontuais, mas contínuas, como nas famílias tradicionais e os benefícios são de ambas as partes. Se temos alguns idosos que reclamam do barulho dos mais novos, para muitos eles são a alegria da casa. Já para as crianças e jovens, esta vivência permite-lhes sair da institucionalização com uma visão mais abrangente sobre o que é a família”.

Os idosos são maioritariamente da freguesia e do concelho, estando a gestão de vagas a cargo da Segurança Social. O Lar tem, contudo, 11 camas de gestão privada, onde faz a própria gestão dos utentes. Neste regime, cada utente paga 1200 euros por mês, com medicação e produtos de higiene incluídos, um valor alto, mas que, segundo Leontina Santos, situa-se dentro dos valores de mercado e, grande parte das vezes, é comparticipado pelos filhos, que assim garantem que os pais têm um acompanhamento adequado.
A directora diz que os utentes entram cada vez com maior grau de dependência o que, se por um lado, é sinal de que as pessoas permanecem nas suas casas o máximo de tempo possível, por outro, impossibilita que o trabalho desenvolvido dentro do lar seja mais diversificado. “Grande parte da ocupação diária dos utentes mais velhos passa por actividades manuais, recortar, pintar e pelas actividades de cariz religioso, como rezar o terço ou ir à missa”. Apesar de a instituição possuir uma carrinha e organizar passeios com regularidade, é cada vez menor o número de participantes. “Semanalmente realizávamos um passeio de curta duração pelas freguesias dos locais de onde são oriundos os nossos utentes, para matar saudades das suas zonas, mas cada vez temos menos pessoas a participar”, refere.

Nos estatutos da instituição de solidariedade é necessário ter 65 anos para dar entrada no Lar, mas há casos de utentes bem mais jovens. “Existem pessoas mais jovens, às vezes na casa dos 40, com limitações de saúde, sem qualquer suporte familiar e que precisam de cuidados permanentes, ou seja, que não têm autonomia para viver sozinhas, nós tentamos dar resposta e abrimos algumas excepções”, esclarece a directora.

As crianças vêm encaminhadas pelo Tribunal de Menores e são de qualquer parte da ilha. Em 2008, a instituição inaugurou o Centro de Acolhimento Temporário, uma resposta em falta na ilha e que foi completada com a Unidade de Transição para Jovens. Esta Unidade destina-se a raparigas institucionalizadas e que apresentem já capacidade e maturidade para se auto-gerirem.

A gestão financeira é uma das grandes responsabilidades das jovens. “Fazem a vida de casa e a gestão do dinheiro que lhes é dado, num processo de transição que dura 18 meses e que tem como grande objectivo dar-lhes as ferramentas para viver no mundo lá fora”. Leontina Santos refere que a gestão do dinheiro é uma das grandes dificuldades da vida institucionalizada, porque os jovens têm tudo o que precisam, sem noção de quanto custam as coisas.

No edifício salta à vista a sua interacção com o meio envolvente. Não há muros, divisões ou portas fechadas à chave. As próprias regras de segurança para edifícios colectivos impedem passagens trancadas pelo interior e quem quiser sair dali basta abrir a porta e descer a rua. “De fora para dentro não se pode entrar, mas de dentro para fora é fácil sair. Não existem horários para visitas e os familiares têm muita facilidade de acesso. Isto consegue fazer-se porque se vive numa zona muito rural, onde toda a gente se conhece e o ambiente é de grande confiança”, explica a directora e acrescenta que considera a situação muito saudável quer para os idosos quer para as crianças.

A responsável garante que os níveis de participação familiar são muito elevados e que o acompanhamento é muito grande. “Notemos que numa zona rural como é esta, até há pouco tempo ser internado num lar era encarado como uma despromoção social, uma humilhação, mas essa mentalidade está a mudar e cada vez mais é visto com naturalidade”.

Para o futuro, a instituição quer continuar a dar resposta às necessidades da população e já conta com outro espaço físico para o fazer. A mesma benfeitora que ajudou a adquirir os terrenos para a construção do Lar, Gracinda Tito, já comprou outro espaço ali próximo e pretende construir uma residência, património do Centro Social e Paroquial da Santíssima Trindade da Tabua.

Texto e fotos: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2011-01-16



















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