CRESCERSER

Sem qualidade na infância não há qualidade humana

Acolher e procurar reinserir crianças e jovens vítimas de maus-tratos, privadas do seio familiar, sem registo de nascimento, com problemas graves de saúde mental, vítimas de abuso sexual e doenças infecto-contagiosas. Foi esta a motivação que levou, em 1986, um grupo de profissionais, de magistrados a assistentes sociais, de psicólogos a diversas pessoas que já intervinham no terreno, preocupado com uma realidade concreta e que a comunidade não dava, ou dava insuficiente resposta, a fundar a Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família (APDMF).

“Sentimos que precisávamos de contribuir para uma nova cultura de criança”, começa por referir Armando Leandro, presidente e co-fundador da instituição, continuando: “Nessa altura ainda não havia a Convenção dos Direitos da Criança, surgiu mais tarde em 1989, mas nós já tínhamos esse espírito e essa cultura, no sentido da criança ser um sujeito com direitos humanos fundamentais reconhecidos pelo Direito”.
Assim, ciente de que a problemática da criança excluída ou em vias de o ser, um grupo de pessoas decidiu, como recorda o seu presidente, criar em Abril de 1986 a APDMF: “A ideia foi intervir como elemento da sociedade civil para que a cultura da criança chegasse o mais possível às pessoas, através da sensibilização e informação. Essa finalidade substancial tem-se mantido ao longo do tempo, porque é uma das componentes mais importantes da Associação, que é intervir neste aspecto da informação, mas também na formação, interna e externa.

Nesse tempo havia também a dificuldade de protecção imediata de crianças em perigo, havia poucas instituições de acolhimento temporário, e nós procurámos, por outro lado, fazer uma experiência no terreno através de um centro de acolhimento temporário, onde as crianças indicadas pelas entidades competentes pudessem ser acolhidas com qualidade, diagnosticar a situação de uma forma interdisciplinar, não apenas a nível social, mas psicológico e jurídico, e a partir daí fazer um projecto de vida, que punha sempre como objectivo principal o regresso à família biológica, ou quando não era viável procurar que houvesse uma outra solução do tipo familiar em tempo útil, designadamente a adopção. E só quando não houvesse nenhuma destas soluções, então encaminhar para uma solução institucional, mas que fosse dinâmica. Este foi um modelo que vingou na comunidade, pois hoje há vários centros de acolhimento, que tem esta ou outras metodologias semelhantes”.

Casa do Parque abre em 1987

Assim, em 1987, surge a primeira Casa que contou com a sensibilização da Câmara Municipal de Oeiras, com capacidade de início para 10 crianças, mudando de instalações em 1997, para uma casa construída de raiz pela autarquia, passando a acolher um total de 14 crianças de idades entre 0 e os 12 anos, designada por «Casa do Parque». Posteriormente, surge o segundo centro de acolhimento, em Cascais, a «Casa da Encosta», para um total de 12 crianças, também da mesma faixa etária que a anterior, cedida e construída de raiz pela Câmara de Cascais. Em 1994, a «Casa do Infantado» é instalada num apartamento cedido pela Câmara de Loures, com capacidade para 12 crianças, até aos 12 anos.
Uma década após a fundação da APDMF, surge a primeira Casa no Norte do País, situada na cidade Invicta e cedida pela Santa Casa da Misericórdia do Porto, com capacidade para 10 crianças, dos 0 aos 10 anos, designada por «Casa de Cedofeita».

Entretanto, em finais de 2003, a APDMF associa à sua designação CrescerSer, nome pelo qual hoje é comummente conhecida, e no ano seguinte cria um novo projecto, com o intuito de acolher jovens adolescentes, dos 12 aos 18 anos, altura em que nascem mais dois centros de acolhimento: a «Casa do Vale», no Porto, com capacidade para 13 jovens do sexo masculino, e a «Casa das Amoreiras», em Lisboa, num edifício cedido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com capacidade para oito jovens do sexo masculino, que em 2005 muda de instalações para uma casa cedida pela Câmara de Lisboa, com capacidade para 10 jovens, a «Casa da Ameixoeira». Em 2007 construiu-se um novo centro de acolhimento em Chão de Couce (Ansião, distrito de Leiria), com capacidade para 23 jovens do sexo feminino, denominado «Casa do Canto».

Desta forma e ao longo de 21 anos, a CrescerSer conseguiu “ter expressão nacional, mas com a preocupação de ter projectos locais com singularidade, como acontece no do Porto”, sustenta, ao SOLIDARIEDADE, Armando Leandro, deixando um elogio: “Temos de acentuar que as diversas entidades que fizeram parcerias connosco tiveram a generosidade de não limitar o apoio às crianças oriundas do respectivo território. A preocupação é sempre dar a prioridade às crianças da região, desde logo porque isso permite uma actuação muito mais intensiva e frutuosa junto das próprias famílias a que as crianças estão ligadas”.
Quando está a um mês de celebrar um quarto de século, a instituição já acolheu e encaminhou com êxito 1013 e 873 crianças e jovens, respectivamente.

Relativamente a encaminhamentos de crianças entre os 0 e os 12 anos, da CrescerSer seguiram para: Família Biológica/Alargada - 266 crianças; Adopção Nacional/Internacional – 259; Instituição com/sem Suporte Familiar – 231; Família de Acolhimento – 2. Quanto a jovens entre os 12 e os 18 anos: Medida de Apoio junto à Família Biológica/Alargada – 50; Institucionalização – 11; Internamento em Centro Educativo – 5; Clínica de Reabilitação/Comunidade Terapêutica – 14; Medida de Autonomia de Vida – 9; Cessação da Medida – 26.

Hoje há maior atenção

Muito mudou nestes quase 25 anos de vida da CrescerSer – APDMF, mas ainda há muito para fazer. Hoje nota-se, segundo Armando Leandro, um enorme progresso, principalmente, na mentalidade da comunidade.
“Hoje há mais sinalização destes casos. Embora se verifique uma diminuição relativamente pequena dessa mesma sinalização, a comunidade está mais sensibilizada para esta problemática e sinaliza com mais facilidade. Está mais interiorizado que isto tem que ver com o interesse público dominante, na medida em que sem qualidade na infância não há qualidade humana, nem do desenvolvimento, mas há progressos...”, argumenta, exemplificando: “Hoje há muitos mais centros de acolhimento de crianças, cerca de 100, quando dantes havia os nossos quatro e poucos mais. Há uma maior atenção da comunidade, do Estado e da sociedade civil e parece-me importante que se saiba mais sobre este problema, ainda não é o suficiente, mas sabe-se mais, e intervém-se de uma forma mais articulada, científica e mais organizada em favor das crianças. Não creio que se possa dizer que a situação seja pior, o que há é um muito maior conhecimento e uma atenção redobrada sobre esta problemática”.

A filosofia da CrescerSer «tem por base todo um trabalho rigoroso que se baseia na procura junto da família biológica (nuclear ou alargada) a possibilidade de (re)integração» das crianças e jovens e muito desse trabalho passa pela formação e sensibilização interna e externa.
“A nossa intenção é contribuir para que, cada vez mais, seja interiorizado pela sociedade em geral os direitos da criança e a inadmissibilidade da sua violação. E consideramos ainda muito importante a formação interna, a dos próprios profissionais que connosco trabalham. Outro objectivo é tentar sensibilizar para que cada comunidade se responsabilize pelas suas crianças”, afirma Armando Leandro, reconhecendo como principal problema da instituição “a sustentabilidade económico-financeira”. No entanto, mostra-se esperançado no futuro, pois “hoje há uma maior sensibilização e interiorização dos direitos das crianças, ainda longe de uma generalização aprofundada, mas há melhorias significativas”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-03-14



















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