1 - As direcções do PCP e do Bloco de Esquerda anunciaram que se vão reunir para análise da situação de crise política em que Portugal se encontra, tendo em conta a realização de eleições legislativas antecipadas, no próximo dia 5 de Junho.
Não se trata, ao que antecipam, de estabelecer um programa eleitoral comum ou de elaborar listas conjuntas.
Mas, pelo seu carácter inédito, esse encontro, e a publicidade dele, não deixa de constituir um sinal claro de que esses dois partidos já se deram conta de que o actual modelo de funcionamento e articulação do sistema partidário existente, que tem conduzido a todas as soluções de Governo nos últimos 32 anos, não entusiasma, hoje em dia, ninguém e pode dar uma grande volta em breve.
É esse também, tanto quanto se pressente, o sentimento geral.
O ataque aos direitos, nomeadamente aos trabalhadores, aos pensionistas, aos desempregados, que é a verdadeira imagem de marca das medidas dos sucessivos PEC’s e Orçamentos do Estado, já começa a sentir-se com mais força no bolso e na segurança de cada um – e as pessoas atingidas não podem esquecer que devem a degradação do seu modo e condições de vida aos vários partidos e coligações que têm conduzido o País a este triste destino.
Não admira assim que o PCP e o Bloco de Esquerda tenham produzido este primeiro pequeno movimento de adaptação aos novos tempos.
É, aliás, tradicionalmente reconhecido ao PCP um profundo enraizamento nos movimentos populares e uma grande adesão à realidade concreta - o que lhe tem garantido resultados eleitorais estáveis e um estatuto de influência social sem paralelo nos demais países da União Europeia.
Para utilizar a linguagem do PCP, esta reunião traduz o reconhecimento de que se alteraram as condições objectivas e subjectivas para a emergência de soluções de poder de natureza diferente do molde em que temos estado encaixados: PS, ou PSD, ou CDS, sozinhos ou coligados.
Não sabemos ainda como vão ser os votos – mas sabermos que os votos à esquerda do PS podem passar a ser uma soma, e não um conflito, é já uma mudança importante.
Mesmo que não tenha efeitos imediatos, a nível da solução de Governo, poderá vir a tê-los, a prazo, dependendo da intensidade com que os eleitores vão penalizar o Partido que nos governou nos últimos 6 anos.
2 – Já andamos há muito tempo em campanha, mas agora, depois da comunicação do Presidente da República, dissolvendo a Assembleia, a campanha aumentou de intensidade.
O Primeiro-ministro quis ir à RTP marcar o terreno do debate.
Quis ir – e foi. A seguir ao Telejornal.
Não foi bem uma entrevista.
Parecia mais “As Escolhas de Marcelo”, tal o domínio que José Sócrates manifestou sobre a definição dos temas e a autonomia de que dispôs – e que impôs - para as respostas às perguntas que ele a si próprio formulava, em substituição das dos jornalistas – que ignorava, sem que ninguém lhe viesse à mão.
Nestas alturas, devo confessar, não só que concordo, como ardentemente desejo a privatização da RTP.
Não estou para pagar milhões de euros anuais de défice e salários de príncipes e de princesas a administradores, directores e jornalistas, para ouvir propaganda do dono do canal público, disfarçada de jornalismo.
Suscitou-se-me, aliás, uma dúvida a esse respeito: o princípio da restrição de poderes, por nos encontrarmos com um governo de gestão que, segundo o Primeiro-Ministro, lhe não dá poderes para pedir um empréstimo à União Europeia, nem que seja para pagar salários ou pensões, já lhos dará para utilizar a televisão pública como seu dono, num estatuto privilegiado, em plena campanha eleitoral?
Quando as regrinhas mais básicas da democracia impõem igualdade para todos os concorrentes?
3 – Antes de ser sucessivamente desautorizado, pelo Governo e pelo PS – isto é, quando ainda era ele o Ministro das Finanças -, Teixeira dos Santos informou-nos de que, em sua opinião, o limite dos juros pagos por Portugal nos mercados externos seria de 7%.
A partir desse valor, declarava, com a competência que lhe é reconhecida, que melhor seria pedir o apoio financeiro do Fundo Europeu de Equilíbrio Financeiro.
(Já estou a fazer como o Presidente da República pediu: não dizer FMI, mas sim FEEF.)
Ora, os 7% do défice já foram ultrapassados há vários meses.
Foram-no ainda antes do Orçamento aprovado para 2011 – que o PSD viabilizou, como estamos lembrados.
Não havia então crise política, nem o Governo estava em gestão, nem o Presidente da República tinha tomado posse, nem feito o discurso desta.
Ora, quanto a juros, já vamos nos 10%.
Mas a culpa não é da crise política, ao contrário do que José Sócrates repetiu na televisão, e repetiu tantas vezes quantas o valor dos juros.
A partir dos 7%, há muitos meses, como avisou Teixeira dos Santos, os portugueses ficariam a perder, se não pedissem apoio.
Já ficaram a perder, portanto.
Quer dizer, vai custar mais a sair da crise e vão ser necessárias mais medidas de saque ao bolso dos portugueses para pagar o que vai ter de se pagar a mais.
4 – Alguma oposição tem dito que se tratou de pura empáfia, ou orgulho político, a decisão de José Sócrates de não pedir apoio, mesmo quando os juros foram subindo até aos 7%, depois até aos 8%, depois até aos 9%, até aos 10% em que estamos.
Estou em crer que não.
Como muitos têm dito, a desautorização de Teixeira dos Santos, não só quanto ao limite dos juros, mas também quanto à inegociabilidade do PEC 4, bem como a inevitabilidade de ajuda externa, que ele bem conhece, levaram a que José Sócrates resolvesse antecipar as eleições e ir a votos, numa altura em que ainda lhe fosse possível manter a ficção de que a responsabilidade da situação em que o País se encontra não é sua.
Mas é.
A responsabilidade da situação de um Pais é sempre de quem o governa.
Quando as coisas correm bem, como parecia que corriam até 2008 – e que deram a vitória a José Sócrates, em 2009.
E quando correm mal, como vem sucedendo desde então até hoje.
Ubi commoda, ibi incommoda.
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2011-04-07