CNIS, MISERICÓRDIAS E MUTUALIDADES

Unidos pelos mais desfavorecidos

Manter um compromisso activo na ajuda aos que mais precisam foi a principal mensagem veiculada pelos representantes das três organizações representativas do Sector Solidário, que preencheram o segundo painel do Congresso Temático da CNIS, subordinado ao tema «Sector Solidário em Portugal».
O padre Lino Maia, presidente da CNIS, Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, e Pedro Bleck da Silva, vice-presidente da União das Mutualidades Portuguesas, sublinharam o trabalho de conjunto que vêm fazendo para que o Sector Solidário ganhe força, pois que a sua importância junto das comunidades é por de mais evidente.

A este propósito foi mesmo exigido um enquadramento económico e jurídico para o Sector Solidário, cada vez mais urgente e necessário, especialmente nos tempos de crise que se vivem em Portugal.
“Através das suas instituições espalhadas pelo território nacional, desde os meios mais urbanos aos mais rurais e isolados, o Sector Solidário desempenha um papel insubstituível para o equilíbrio sócio-económico e para o bem-estar comum das populações”, começou por afirmar o padre Lino Maia, acrescentando: “O Sector Solidário assume uma visão positiva e avançada da sociedade, assente em valores essenciais e concretizados através de princípios básicos. Esta visão permite às instituições que assumam e desenvolvam os valores da comunidade à semelhança da família, que é generosa e se preocupa e responsabiliza pelo bem comum de todos os seus membros”.

Reclamando das instituições uma “acção dinâmica e proactiva”, o padre Lino Maia apontou o propósito da solidariedade social: “Quando nos preocupamos e responsabilizamos pelo bem dos outros queremos ajudá-los na sua realização de vida e protegê-los dos perigos, pretendemos que realizem os seus sonhos e que sejam tratados com justiça. Por isso, importa ter presente que não há realização de vida sem liberdade, sem igualdade de oportunidades, sem respeito integral pela identidade e diferenças da pessoa humana. A generosidade está na base e justifica o voluntariado numa lógica de compromisso social”.

Chamadas a explanar a acção que desenvolvem separadamente, mas que encerra muitas actividades conjuntas, especialmente no que toca ao relacionamento com o Estado, as organizações do Sector Solidário “assumem uma responsabilidade relevante em cada comunidade”, um papel que, segundo o líder da CNIS, “é um serviço de cooperação com a comunidade que exige confiança”, não apenas dos membros da comunidade, mas igualmente dos sectores estatais e privados.
Este papel é desenvolvido, não apenas junto das crianças, em termos formativos e educativos, mas também “das pessoas mais frágeis da comunidade, nomeadamente dos mais idosos e daqueles que apresentam alguma deficiência”.

O padre Lino Maia, na sua alocução, frisou que “são as instituições que encontram as respostas para as diversas situações dramáticas, causadoras de exclusão social e pobreza”, para de seguida explicar: “Para desempenhar este papel com eficácia e eficiência, as instituições do Sector Solidário têm no seu ADN princípios essenciais como: a primazia racional da ética inspiradora de todas as acções e comportamentos, quer em termos de cultura organizacional interna, quer externos; fundamentação das opções e das acções em dados objectivos e rigorosos; compromisso cúmplice com a comunidade onde existem e interagem; respeito pela diversidade e identidade de cada membro da comunidade e da própria instituição; o tratamento equitativo e justo que exige que cada um seja tratado de acordo com aquilo que é como pessoa e não segundo critérios de ordem social, educacional, económico ou outros; responsabilidade de assumir uma gestão exemplar dos recursos e acções da própria instituição numa óptica de atingir os resultados pretendidos com os menores custos possíveis; assumpção da qualidade como um desafio, um caminho, um processo na rota da melhoria contínua, tendo como objectivo a excelência”.

CRISE COMO OPORTUNIDADE

Depois de caracterizar o momento actual como de “tempos de um certo retrocesso e agravamento das dificuldades”, o padre Lino Maia identificou a “falta de trabalho ou emprego” como “um problema muito grave potenciador de situações de exclusão social”. Para além das questões objectivas da crise, o presidente da CNIS referiu ainda “a onda de pessimismo e negativismo que percorre a opinião pública” e que “gera um clima de desânimo e de medo do futuro que pode desmobilizar as vontades mais generosas”.

Por isso, defendeu, “impõe-se enfrentar os riscos que uma situação de crise provoca, numa lógica de encarar a crise também como uma oportunidade para disseminar os valores e as boas práticas do Sector Solidário”.
De seguida, o padre Lino Maia identificou seis desafios a que as IPSS devem dar resposta nos tempos que correm: Têm que se assumir como pólos de desenvolvimento que são; a CNIS deve ser reconhecida como o representante das instituições que promovem o interesse comum, pelo que deve ter um lugar no Conselho de Concertação Social; o papel das IPSS é determinante pela promoção da inclusão e do bem-estar comum; é necessário uma política de informação e divulgação, “para que a sociedade em geral tenha conhecimento da acção das IPSS; as instituições, mais do que reactivas, “têm que ser proactivas”; e a CNIS e o Sector Solidário “não se resignam perante as enormes dificuldades do presente, antes reafirmam o seu compromisso e determinação de trabalho intenso por um mundo solidário, mais justo e mais fraterno, um mundo onde a liberdade e o respeito pela diversidade humana sejam pilares do bem-estar comum numa sociedade sem excluídos”.

NÃO TEMAM O ESTADO

Tomando de seguida a palavra, Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, começou por dizer que “nunca depois do 25 de Abril de 1974 vivemos tempos tão difíceis”, sublinhando que “aumenta todos os dias o número dos que nos procuram”.

O líder das Misericórdias recordou o papel fundamental das instituições que representa em mais de cinco séculos, lembrando que surgiram “numa altura em que não havia Estado Social”, para de seguida constatar: “Nos tempos modernos, o Estado providência nunca foi e, sabemos hoje, nunca será capaz de responder às necessidades da sociedade. Em consequência as Misericórdias cresceram nos últimos 10 anos como nunca tinham crescido na sua história”.

Manuel Lemos fundamentou a sua opinião, dizendo: “O Estado tem pautado a sua presença para nos dizer que não pode aumentar as comparticipações, mas ao mesmo tempo para continuar a colocar, muitas vezes de uma forma desadequada e pouco realista, exigências em nome de uma qualidade nunca demonstrada e que é apenas o reflexo da incapacidade, da prepotência e da afirmação de pequenos poderes”.
Nesse sentido, para o presidente da União das Misericórdias, “hoje ser-se dirigente e mesmo técnico de uma Misericórdia ou de uma IPSS é quase sempre um exercício diário de teimosia e de preocupação efectiva com os outros”.
E neste particular, realçando o papel importante da congregação de esforços das organizações que agregam as instituições do Sector Solidário, Manuel Lemos acusou: “O Estado, e não o Governo, sempre se incomodou com o reforço de competências por parte das Uniões, porque não queria nem quer ser confrontado com a realidade”.

Observando que “ainda há muito trabalho a fazer entre as três Uniões, Manuel Lemos lançou, também ele, alguns desafios às instituições: “Está na hora de pôr fim a um certo miserabilismo, que vive paredes meias com uma certa demagogia e até com uma ideia serôdia da caridade. E o desafio mais difícil é… Experimentem trabalhar em conjunto. Num País de parcos recursos como o nosso, por vezes vemos instituições lado a lado a fazerem concorrência umas às outras, o que não faz sentido nenhum, conduzindo a uma frustração enorme e a um desperdício de recursos”.

Sugerindo às instituições a imporem limites aos mandatos das Direcções, numa lógica de renovação de quadros, o líder das Misericórdias desafiou os presentes a não temerem o Estado.
“Há a necessidade de reflectimos sobre o que podemos e nos compete fazer num Estado moderno, quais os limites das nossas competências num quadro de grave crise social. Se não fizermos nada em conjunto, veremos brevemente as nossas instituições a pagar IRC e a debitar IVA aos utentes pela taxa máxima. É realmente tempo de mostrarmos todos que o Sector Social em geral e o Solidário em particular tem que ser reconhecido em Portugal em termos de economia e em termos jurídicos. Não somos, nem queremos ser um subproduto do sector privado, nem do público”.

SOLIDARIEDADE É A RESPOSTA

Pedro Bleck da Silva, vice-presidente da União das Mutualidades Portuguesas, começou a sua intervenção por afirmar que “a solidariedade, qualquer que seja a sua forma, tem um fortíssimo papel a desempenhar e é capaz de ser a única ferramenta capaz de dar resposta às necessidades da sociedade e de defender a dignidade humana”.

Distinguindo dois tipos de solidariedade – “uma marcada pela ajuda mútua, que é interessada e cuja prática é circunscrita aos que integram o grupo, que são os casos das mutualidades e das cooperativas; e uma outra marcada pela gratuitidade, que é desinteressada, de puro altruísmo, e que procura estar ao serviço dos mais carenciados e das grandes causas da Humanidade, porventura as outras IPSS” –, Pedro Bleck da Silva recordou os 250 anos de história do Mutualismo em Portugal, que actualmente integra 10% dos portugueses.

Caracterizando o Mutualismo, o representante das Mutualidades afirmou que estas “representam um sistema complementar preventivo, quer de previdência (envelhecimento, invalidez ou morte), quer de saúde”, acrescentando: “Marginalmente podem exercer as funções complementares no campo da resposta social”.

A este propósito, Bleck da Silva sustentou: “Para podermos contribuir para um Portugal solidário temos que ser fiéis a nós próprios, consolidando e desenvolvendo o nosso modelo próprio de solidariedade, que apesar de ser um modelo em circuito fechado é aberto a toda a gente. Temos que desenvolver a capacidade de resposta social, aproveitando as capacidades que se encontram instaladas para as pôr ao serviço das comunidades”.

A terminar, Bleck da Silva também deixou um desafio às instituições mutualistas: “Devemos desenvolver a solidariedade institucional, ajudando e potenciando o trabalho desenvolvido pelas outras instituições”.
O segundo painel do Congresso, «O Sector Solidário em Portugal» foi presidido por Josefina Bazenga, presidente da Humanitas, e moderado pelo jornalista da Agência Ecclesia Paulo Rocha.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-06-01



















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