1 - Tudo muda, como se sabe: as pessoas, as coisas, as ideias, o mundo.
A mudança opera ainda que de forma insensível: basta a terra mover-se, em torno de si própria ou à volta do Sol, para nos movermos nós com ela, mesmo sem dar conta disso.
E para, movendo-nos, mudarmos: nem que seja só de sítio, ou de perspectiva.
É, aliás, da sabedoria antiga a noção de que “… todo o mundo é composto de mudanças/tomando sempre novas qualidades”, como escreveu Camões.
A insídia, o gene da mudança está inscrito no próprio coração das coisas, faz parte da sua própria natureza, é condição da sua sobrevivência.
Se alguém toma por certo, ou por adquirido, seja o que for, depressa a metamorfose por que tudo passa o desiludirá das certezas em que estava.
“Oh cousas todas vaãs, todas mudaves/qual é tal coração que em vós confia/e passa um dia assi, passa outro dia/incertos muito mais que ao vento as naves” – já assim escrevia, no século XVI, Sá de Miranda.
É certo que, em algumas épocas, se limitava ao género feminino a imputação daquela volubilidade que é um outro nome da mudança.
A ária “La donna è mobile”, de uma ópera de Verdi, é tributária dessa tradição - a tradição de que não havia como confiar nas mulheres, de cabeças ao vento, por contraponto à gravitas que caracterizava os homens, de quem bastava uma palavra ou um aperto de mão para tornar blindado um negócio ou um compromisso.
Mas isso era no tempo em que ainda havia distinção em função do género – distinção hoje em vias de extinção, por discriminatória e sexista, como sabemos.
Sócrates, que só agora vai estudar filosofia e ler os clássicos, já o sabia – pela intuição em que era mestre -, quando advertia as Oposições e o País: “o mundo mudou, senhores deputados, o mundo mudou numa semana …”
2 – Ninguém estranhou, assim, que o novo primeiro-ministro tenha deixado de cumprir, logo nas primícias, a promessa pré-eleitoral de que não aumentaria os impostos – ou que, se tivesse de fazê-lo, não seria nos impostos sobre o rendimento, mas sim nos que incidem sobre o consumo.
O Portugal que Passos Coelho recebeu em herança já não era o mesmo que José Sócrates lhe deixara, a benefício de inventário.
Mudara, entretanto.
Maquiavel, mestre florentino dos príncipes do Renascimento, também lhes ensinava, sobre o melhor modo de governo e para manter o amor dos súbditos, que era mister fazer todo o mal logo no princípio do mandato, fazendo-se depois o bem aos poucos.
Todas estas artes são muito antigas.
Para lembrar António Gedeão, “vem tudo nos compêndios.”
Já Durão Barroso fizera o mesmo, quando sucedeu a Guterres: jurou, antes de eleito, que não aumentaria os impostos – e essa foi a primeira promessa que não cumpriu.
O mesmo se passou com Sócrates: quando foi para sacar os votos, na sequência da defenestração de Santana Lopes, garantiu que, com ele, não haveria aumento de impostos; do que se esqueceu logo de seguida, com a cumplicidade de Vítor Constâncio.
Passos Coelho veio enfileirar nessa tradição de Barroso e Sócrates, de inaugurar o respectivo mandato com o incumprimento de uma promessa eleitoral – a de não aumentar os impostos.
O mal não está, todavia, nesse incumprimento.
Como comecei por escrever, ninguém esperava que ele cumprisse a promessa.
Até porque há sempre um pretexto, verdadeiro ou falso, como aquele que, há 6 anos, Vítor Constâncio ofereceu a Sócrates.
O pretexto de hoje é o de o défice, que teria de se conter nos 5,9% ao fim do ano em curso, já ter derrapado para 7,7%, vai o ano a meio - o que o novo Governo ignorava.
Como se não fosse sempre assim e cada Governo entrante pudesse confiar nas informações do cessante.
A ignorância da situação é uma condição da sucessão.
3 – O mal, como dizia atrás, não está no incumprimento.
O mal está na fila em que enfileirou Passos Coelho – e nos que o precedem nela.
Com o nível de rejeição a José Sócrates em 70 % dos eleitores, na altura das eleições - e foi essa, e não outra, a causa da débacle do PS – o que menos convinha a Passos Coelho era ser visto em tão más companhias e comparado – equiparado – a tais antepassados.
Era que dele se dissesse, como já há quem vá dizendo: afinal, é igual a José Sócrates.
Ainda se não sabe bem como vai ser aplicado o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal.
(Parece que, afinal, não vai ser apenas sobre o subsídio de Natal, mas já ninguém lhe tira o nome …)
Já se lhe vislumbram, no entanto, várias distorções à equidade.
A CGTP, pela voz de Carvalho da Silva, veio lembrar as centenas de milhar de jovens que trabalham a falsos recibos verdes: não têm férias, nem subsídio de férias, nem subsídio de Natal, apesar de trabalharem durante todo o ano.
Não têm direito aos descontos para a Segurança Social, que os patrões deveriam efectuar.
Mas vão pagar o novo imposto.
Alguns milhares de jovens acabaram, no fim de Junho, o PEPAC – Programa de Estágios Profissionais na Administração Central.
Trabalharam, durante um ano, para o Estado.
Como os falsos recibos verdes, também eles não gozaram férias em 2010, nem em 2011.
Também não receberam subsídio das férias que não tiveram, nem subsídio de Natal.
Nem os famosos “proporcionais”, no ano de cessação do estágio.
Vão agora para o desemprego.
Mas também não ficarão dispensados da espórtula do novo imposto.
4 – Sei pouco de finanças públicas - o meu Professor em Coimbra, Teixeira Ribeiro, era o único que, depois da chamada pelo bedel, deixava os alunos saír da sala de aulas – e já não vou aprender.
Mas, do que aprendi na 4ª classe – ciência que, ao que parece, o Dr. Nuno Crato vai restaurar -, creio que haveria uma forma, no entanto, de garantir o mesmo ou mais dinheiro que o novo imposto.
Sem novo imposto.
Não seria preciso ter inventado mais este imposto, que todos vamos pagar, deixando de lado uma promessa.
E teria a vantagem de cumprir uma outra promessa do PSD, que vai ficar para trás.
Pelo que leio nos jornais, com o imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal e outros rendimentos do trabalho, espera o Governo arrecadar, em 2011, cerca de 800 milhões de euros.
(É só em 2011, pois se trata de um imposto extraordinário, que, como as rosas do jardim de Adónis, “no dia em que nasce, em esse dia morre”.)
Ora, cerca de 350 milhões de euros de indemnização compensatória é quanto pagamos em cada ano à RTP pelo duvidoso privilégio de vermos o “Preço Certo”, ou a propaganda oficiosa dos “Prós e Prós”, por uns jogos de futebol comprados aos clubes a peso de ouro e iguais aos que oferece a concorrência, ou ainda pelo desfile de dúzias de jornalistas e repórteres, em lugares exóticos, com apelidos familiares que nos explicam como entraram para a Televisão pública.
Se o PSD porfiasse em desfazer-se deste encargo, como prometeu, só no que deixaria de pagar, bastariam dois anos e meio para obter mais do que as receitas do novo imposto.
Fora o que receberia com a venda do sinal e da frequência.
E sempre seriam duas promessas eleitorais cumpridas.
Em vez de duas levadas pelo vento.
Henrique Rodrigues – Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2011-07-07