1 - Finalmente, parece que o Governo se prepara para começar a encerrar o assunto do Banco Português de Negócios.
O primeiro passo é a venda do BPN a um banco angolano, o Banco BIC, chefiado pelo engº Mira Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva, conhecido pela reforma de luxo que lhe foi atribuída pelo Banco de Portugal ao cabo de escasso tempo de serviço e de contribuições – tema que então mereceu a atenção destas crónicas – e conhecido ainda por ser um dos comentadores encartados dos vários canais de televisão.
O preço da venda é de quarenta milhões de euros e o negócio foi decidido pelo Governo no último dia do prazo concedido pela Troika, 31 de Julho.
Provavelmente, não poderia ser outro o desfecho.
Quando o actual Governo tomou posse, já todos os dados relativos à forma como o Estado se haveria de desembaraçar do BPN tinham sido lançados.
Foi o 1º Governo de José Sócrates a decretar a nacionalização do banco, evitando a sua falência, que estava iminente – e, nas palavras do então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, evitando por essa via o risco de “contaminação sistémica” dessa falência a todo o sistema bancário.
(Creio que é assim que se diz em economês – embora para mim o vocábulo “sistémico” seja mais bem utilizado para classificar os pesticidas que não devo usar nas minhas lides agrícolas, por entrarem no próprio sistema circulatório das plantas e modificarem as suas características genéticas.)
Foram igualmente os dois Governos de José Sócrates a injectar no BPN, através da Caixa Geral de Depósitos – que é do Estado – as centenas de milhões de euros necessários para manter o banco artificialmente vivo.
E foi também o Governo de José Sócrates a negociar e assinar com a Troika o acordo que impunha a data de 31 de Julho de 2011 para o Estado vender o banco – ou deixá-lo falir.
Com este distanciamento, em que nos encontramos hoje, relativamente a todas as decisões cruciais que foram tomadas pelo Estado Português ao longo do processo, e fora do campo das paixões da luta partidária eleitoral, que às vezes obscurecem o entendimento, estamos agora mais à vontade para comentar alguns dos passos, ou dos episódios, desta novela.
2 – Como as pessoas estarão lembradas, apenas há alguns meses o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, declarava, durante um debate no Parlamento, que não se podia ainda afirmar que o Estado viesse a perder um cêntimo sequer, como efeito da decisão de nacionalização do BPN.
Que apenas depois da venda, ou da liquidação, é que se poderiam fazer as contas e ver se havia saldo, positivo ou negativo – proclamava o ministro, do palanque do Governo.
Ora, o que leio nos jornais, confirmado pelo Governo, é que, com a decidida venda, por 40 milhões de euros, o Estado fica a arcar com um prejuízo que, até esta data, se pode computar em 2,4 mil milhões de euros.
Há meses, o ministro não suspeitava de que a conta haveria de ser esta, ou parecida?
E, sabendo-o, ou intuindo-o, poderia com legitimidade insinuar a insídia da dúvida?
Dito de outro modo: é aceitável, num governo democrático, que um ministro das Finanças, que comandou todo o desenvolvimento de um assunto, venha dele dizer, em plena casa da democracia, que não sabe se do mesmo resultará prejuízo para o Estado – poucos meses antes de esse prejuízo se manifestar em toda a pujança de nada menos do que 2,4 mil milhões de euros?
Sem nenhuma alteração de circunstâncias nesse intervalo de meses?
2,4 mil milhões de euros é exactamente o triplo do que o Governo espera receber com o imposto extraordinário que vai confiscar metade do subsídio de Natal dos trabalhadores portugueses – que são sempre quem paga os impostos directos sobre os rendimentos.
Quer isto dizer que, sem a protecção que o Estado deu à pouca vergonha que se passou no BPN, não seria agora necessário pagarmos o novo imposto.
E ainda ficaria folga, ou margem de conforto – novo conceito de legitimação fiscal, agora em uso –, de 1,6 mil milhões, para chegar à convergência do défice em 2013, como impõe o Memorando.
Sem imposto novo.
Tinham plena razão as Oposições, portanto, quando criticavam os sucessivos financiamentos do BPN, pela Caixa, a fundo perdido, e defendiam a entrega do banco à sua sorte.
E quando alertavam que o aumento do défice público, por causa das mordomias, das taxas privilegiadas para os amigos e da roubalheira em geral no BPN haveria de ser paga pelos impostos – isto é, pelos trabalhadores.
No meio do desastre, ao menos que se tivesse introduzido uma que outra nota de justiça e de equidade: por exemplo, há-de ser possível, pelos registos das operações do bando, desde o início do seu funcionamento, saber que depositantes receberam – e quanto receberam - rendimentos de capitais por beneficarem de taxas superiores às da concorrência; ou que accionistas tiveram resultados financeiros da compra e venda das acções do banco superiores às variações do índice da bolsa.
Deveriam ser esses, os que receberam mais do que o justamente devido, os primeiros a pagar o calote do banco, restituindo agora o que receberam a mais, aplicando-se-lhes um imposto, esse sim, verdadeiramente extraordinário – por ser a primeira vez que se tributaria a especulação financeira.
E só depois seria a nossa vez de pagar…
Marx, quando teorizou sobre as mais-valias produzidas pelos trabalhadores como origem do lucro das empresas, desconhecia ainda as formas “tão subtis e tão peritas” que o capitalismo financeiro, para além de enriquecer com a exploração do trabalho, como é dos cânones, inventava para fazer os mesmos trabalhadores pagar, pelos seus escassos salários, com a intermediação e a bênção do Estado, a especulação e a usura dos poderosos.
Os trabalhadores asseguram, assim, duas vezes, os lucros dos altos senhores da finança: a primeira, como trabalhadores, ao produzirem as mais-valias específicas do sector; a segunda, como contribuintes, espoliados por um Estado ao serviço da classe dominante e que para esta encaminha o dinheiro retirado a quem trabalha.
O espanto de Marx seria maior se vislumbrasse que tudo isto veio pela mão de um Governo socialista, mais empenhado na eficiente gestão do capitalismo do que na efectiva correcção das desigualdades, para acompanhar o diagnóstico sobre o socialismo contemporâneo que Mário Soares fez no último “Expresso”.
3 – Mas os jornais avisam-nos de que as contas ainda não estão fechadas – e por más razões.
Para realizar o negócio, o Estado terá ainda de “recapitalizar” o BPN, injectando mais 550 milhões de euros – que vão também saír do nosso bolso.
Por outro lado, parece que do acordo de venda do BPN a Angola faz parte a redução do número de trabalhadores, de 1580 para 750.
É uma das imposições do comprador.
Será o Estado Português – o que é uma forma enfática de dizer que seremos todos nós, os que pagamos os impostos -, todavia, a pagar os custos dos despedimentos.
Para dizer com mais clareza ainda: serão os trabalhadores, que são quem, no nosso país, verdadeiramente sustenta a máquina fiscal, serão os trabalhadores, repito, a pagar as indemnizações pelos despedimentos do BPN.
É uma espécie de ensaio, ou de metáfora, para uma das reformas que se prepara quanto à legislação laboral: a da criação de um Fundo para o pagamento das indemnizações por caducidade dos contratos de trabalho ou por despedimentos sem justa causa, alimentada, como sempre acontece, pelas contribuições do factor trabalho.
Este Fundo acompanha uma das imposições da Troika: a diminuição, de 30 para 20 dias por ano de antiguidade, em 2011; e de 20 para 10 dias, em 2012, da compensação por caducidade do contrato de trabalho e da indemnização por despedimento sem culpa do trabalhador.
De tal sorte que, para entrar nos carris da Europa, o actual sistema, de pagamento pela entidade patronal, quando manda embora um trabalhador por extinção do posto de trabalho, de uma indemnização correspondente a 30 dias de salário por ano de antiguidade, vai passar para 10 dias por ano de antiguidade.
Com o limite máximo de 12 anos de antiguidade, mesmo para os que têm mais de 30 anos de trabalho.
E deixa de ser o patrão a pagá-las, para serem os próprios descontos dos trabalhadores a assegurar tais indemnizações.
4 – É a GALP; é o BCP; é o BPI; é, agora, o BPN.
Com o programa de privatizações imposto pela Troika, breve serão outras grandes empresas a engrossarem, em bens portugueses, a sala de troféus da nossa antiga colónia de Angola.
Também, há poucos meses, o anterior Governo cirandava por tudo quanto eram antigos territórios portugueses, a tentar vender dívida soberana, para escapar à Troika.
Foi o Brasil, foi Angola, foi mesmo Timor…
Hoje, os ventos são ao contrário do que foram há cinco séculos.
Quem há-de escrever os novos “Lusíadas”, mas agora do avesso?
Segundo o acordo ortográfico, claro!
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2011-08-05