OPINIÃO

Bom senso e bom gosto

1 - Comecei a trabalhar em 1972, como professor de Português e História, numa escola pública, no então chamado Ciclo Preparatório – correspondente ao 2º Ciclo do Ensino Básico do actual modelo de organização curricular.
Era ainda estudante de Direito, em Coimbra, no 4º ano e o curso que acabei por concluir no ano lectivo seguinte não era, segundo as habilitações típicas, o mais indicado para dar aulas dessas duas disciplinas.
Não se trata aqui de saber se eu então detinha competências pessoais para tanto.
Tendo a crer que sim, que já então sabia o bastante de Português e de História de Portugal para poder dar essas aulas sem me envergonhar, do ponto de vista científico – mas o certo é que não tinha ainda curso superior completo e o que frequentava não era de Letras, que constituia habilitação própria, mas de Direito.
(Elogio em boca própria é vitupério, mas ainda hoje creio que não me falta a mão para manusear a língua ou lembrar a história pátria.)

Sucede, no entanto, que, poucos anos antes, o então ministro da Educação do Governo de Marcello Caetano, o Engº Veiga Simão, tinha feito aprovar uma profunda reforma do ensino secundário – ainda hoje conhecida como a Reforma Veiga Simão -, que pretendia alargar esse grau de ensino a toda a população em idade escolar.
Anteriormente, não era assim: só uma escassa minoria de jovens, acabada a escolaridade obrigatória – então, a 4ª classe -, prosseguia os seus estudos no secundário.
Os restantes, a grande maioria, ia trabalhar – ou continuar o trabalho que já fazia -, nos campos, nas oficinas, nas casas dos patrões.
Essa reforma teve um grande impacto no País.

Ainda o tem: na verdade, grande parte dos Ministros da Educação dos sucessivos Governos, após o 25 de Abril, são discípulos de Veiga Simão e das suas ideias quanto à educação.
Retirando da lista alguns ministros que, por mais fugazes ou mais discretos, não entram nestas considerações, o certo é que ministros da Educação como Marçal Grilo, Guilherme d’Oliveira Martins, Fraústo da Silva, Augusto Santos Silva, Victor Crespo, João de Deus Pinheiro, prosseguiram políticas de continuidade relativamente ao impulso inicial da Reforma Veiga Simão.
Fossem do PS, fossem do PSD.
Alheios a essa inspiração – e verdadeiros ministros – só houve, que me lembre, Mário Sottomayor Cardia e Vitorino Magalhães Godinho.
E parece que também o actual, Nuno Crato.
Reconheço-me mais nas ideias destes três últimos – mas isso não vem agora ao caso.

2 – Tem-se desvalorizado a qualidade do ensino básico e secundário público, no seu figurino actual, imputando à herança da Reforma Veiga Simão o facilitismo e a falta de exigência que hoje claramente marca a escola: onde o chamado “eduquês”, ou a preferência do modo – a pedagogia – prevalece sobre o fundo – a preparação literária e científica, os conteúdos disciplinares.
Um dos eixos centrais da política educativa do actual Ministro, Nuno Crato, é justamente a compatibilização da generalização do ensino a todos os jovens, a universalidade do ensino obrigatório, com a exigência de preparação competente à saída do percurso escolar.
Como o Ministro tem dito, a exigência no ensino público é a única forma de lutar contra a desigualdade e de promover a igualdade de oportunidades dos mais desfavorecidos.
O ensino público é hoje pouco exigente, é certo.
Mas a generalização da escolaridade a todas as crianças e jovens é uma importantíssima conquista da civilização e o primeiro instrumento da luta contra o trabalho infantil.
E essa é a principal comenda da Reforma Veiga Simão.

3 - Fui admitido como professor, nesse longínquo ano de 1972, na Escola Preparatória de S. Lourenço, em Ermesinde, com habilitações marginais e incompletas, porque não havia professores com habilitação própria e completa para dar resposta à verdadeira explosão da população escolar que, por esses anos, se verificou, por efeito da Reforma Veiga Simão.
Não havia em Ermesinde – como não havia no resto do País.

Deixei de dar aulas em 1975 e parti para outros trabalhos.
Mas muitos outros professores, desses feitos à pressa, como eu, sem as habilitações abstractamente mais adequadas, continuaram no sistema educativo, a formar e ensinar, e bem, os seus alunos e a permitir que todos pudessem estudar.
Ainda permanecem muitos deles nas nossas escolas. E muitos outros se reformaram, após uma carreira de quase 40 anos na docência.
Foram sendo agregados ao sistema, incorporando-se nele como se sempre fosse aquela a carreira escolhida.
Os poderosos sindicatos dos professores foram determinantes na manutenção desses professores no sistema de ensino.
E foi justa essa luta sindical – já que o envolvimento desses professores foi essencial para que todas as crianças e jovens portugueses, hoje adultos, pudessem ter tido uma vida mais qualificada e mais feliz.

4 – O PES não anda longe do que se passou com a Reforma Veiga Simão.
Embora os 36% de cobertura em creche não nos envergonhem na comparação com os nossos parceiros europeus, o que é certo é que, como sabem todos os dirigente das instituições solidários, a procura desta resposta social por parte das famílias não pára de crescer.

Um dos méritos do anterior Governo, de José Sócrates, na área social, foi identificar a necessidade de ampliar os lugares em creche – e muitas creches têm vindo a ser inauguradas, nos meses mais recentes, construídas em execução dessa justa prioridade política, pelo PARES ou por outros caminhos.
Os cidadãos portugueses, já tão fustigados pelo assalto fiscal sobre os rendimentos do trabalho, sabem que a construção de novos equipamentos sociais só será possível se for paga por eles – na medida em que a Alemanha avisou que não paga mais.
Só será possível com novos impostos.

É por isso que a solução acordada entre o Ministério da Segurança Social e a CNIS, de aumentar a capacidade das creches existentes, permitindo atender mais crianças, sem realização de obras que, nem as Instituições, nem o Estado, estão em condições de realizar e pagar e sem diminuição das condições de segurança, é, nesta medida, sensata e a adequada aos tempos de penúria em que o País vive - e viverá nos próximos anos.
A opção é entre aumentar o número de crianças atendidas, oferecendo a mais utentes um projecto educativo que promova o seu melhor desenvolvimento futuro; ou manter a situação como está, ficando muitos de fora da oferta.
Não se sabe bem ainda como vai ser, mas a autonomia da definição dos recursos humanos pelas Instituições, em todas as respostas sociais, e a diversificação dos vínculos nas relações laborais, salvaguardado um ponderado equilíbrio e racionalidade, bem como o aumento da capacidade de resposta, em moldes idênticos às creches, é igualmente de acolher e saudar.
É por isso que se entende mal a oposição dos sindicatos e dos partidos de esquerda - e até do PS – a tal medida.

Do que se trata, em termos reais, é de reforçar as condições de igualdade entre os portugueses.
De apoiar mais os que mais necessitam desse apoio.
O País não pode, como tantas vezes sucedeu, descolar da realidade.
Porque entra em órbita, perde a gravidade e anda aos tombos.
E nós com ele.

(PS – No próximo mês, vai ser inaugurado o primeiro lanço da inútil terceira auto-estrada entre o Porto e Lisboa, daquela cidade até Oliveira de Azeméis, que me vai encurtar em 5 minutos a viagem até à aldeia.
Quantas creches, ou lares de idosos, ou equipamentos para deficientes, não poderiam ser construidos, em vez do tributo pago pelo Estado às grandes empresas de construção, que mantêm o País cativo?)

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2011-09-08



















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