SOLIDARIEDADE - Sei que já tomou a decisão de se recandidatar a mais um mandato da CNIS...
PADRE LINO MAIA - Eu não diria que tomei a decisão de me recandidatar. Tomei a decisão de me disponibilizar para isso. Até porque ainda há uma decisão que tem de ser tomada em Assembleia-geral. Este é o segundo mandato. Segundo os estatutos das IPSS, para haver um terceiro mandato é preciso que, em Assembleia-geral, se considere como oportuna uma recandidatura. A Assembleia não decide se serei eu o presidente, apenas decidirá se me posso propor ou não como candidato.
Essa disponibilidade tem a ver com o facto do trabalho não estar completo ainda?
O trabalho não está completo, mas essa não é a razão mais importante. Seja que dirigente for, pensa sempre que há qualquer coisa que falta fazer. Não é fundamental. Há uma razão de conjuntura que me obriga, de facto, a ponderar. Neste momento difícil que o país atravessa, a CNIS está a ser um parceiro, em termos de pensamento e de estratégia, extremamente importante e as IPSS estão a ser uma almofada social fundamental. É conveniente não interromper essa missão. Em relação às IPSS nunca seria interrompida, mas também elas necessitam de alguma paz, alguma estabilidade e, portanto, é conveniente não quebrar este diálogo que existe, esta ação sistemática que tem sido desenvolvida, este pensamento que tem sido avançado, esta estratégia que tem sido estabelecida. Essa, para mim, é uma razão muito forte. Por isso é que me disponibilizo. Acho que é bom para todos, para a sociedade em geral, para as instituições de solidariedade e, nesta conjuntura, também para o governo. A CNIS não é um orgão do governo, não é uma extensão do executivo, mas é com o governo que tem que funcionar, dialogar e propor estratégias e campos de acção. Não seria conveniente que houvesse rupturas. Depois há uma outra razão. A CNIS tem alguns passos dados no sentido de resolver, e bem, nos próximos tempos, o problema das instalações para o seu funcionamento. Ainda um outro motivo: desde há seis anos, algumas acções, que eu considero perversas, têm de algum modo, desgostado e incomodado, lançando muitas interrogações sobre este sector. É importante que esta direcção, ou parte dela pelo menos, se mantenha. Daí a disponibilidade para me recandidatar. Para que a CNIS contribua para o esforço de estabilização, de moderação e de paz das instituições de solidariedade.
Nestes dois mandatos foi evidente a afirmação pública da CNIS. A Confederação tem hoje uma projecção, uma notoriedade e uma credibilidade reconhecidas. O reforço da importância da CNIS é um dos frutos do seu trabalho?
Foi um papel que, desde a primeira hora, esteve presente em todos os elementos da direcção. Não quisemos fazer grandes afirmações no início. Foi um trabalho persistente, metódico, de pensamento, de credibilização, sustentado que levou a que, em muitos momentos, outros recorressem a nós para saberem o que nós pensávamos sobre o que era melhor para o país. Devo dizer, por exemplo, que antes das eleições nós mandámos, para todos os partidos, ideias para um programa, nesta área social. Todos os partidos tiveram em atenção as nossas propostas. Este ano ainda foi mais evidente. Houve inclusive um partido que assumiu, na íntegra a nossa proposta. Mas todos os partidos lhe deram atenção. Nós vemos que agora há políticas que estão a ser implementadas, que resultam deste trabalho sistemático de pensamento, de estratégia, de credibilização, de sustentação. E não é só enquanto parceiro social. É em toda a sociedade portuguesa. A CNIS goza, de facto, de uma boa imagem que não é resultante de grandes afirmações. É fruto da persistência, da coerência e do empenhamento na causa nacional.
O facto dos partidos, que estão agora no poder, terem adoptado uma boa parte das posições que a CNIS tem vindo a defender, provoca o risco da confederação ser conotada com o governo…
Claramente, o risco existe. Mas seria um risco demasiadamente grande, e inultrapassável se, de facto, a CNIS não tivesse disponibilizado a todos os partidos o mesmo texto, as mesmas propostas, exactamente as mesmas ideias. E também seria ainda grande se, tendo disponibilizado a todos, só alguns aceitassem as propostas da CNIS. Mas, os partidos que por acaso agora compõem ou sustentam este governo e os que estão na oposição assumiram várias propostas da CNIS. Não há uma fidelização a um ou dois partidos, há uma fidelização à causa nacional. Podem contestar opções, práticas deste governo, mas não contestam de modo nenhum a postura da CNIS. Num debate recente na Assembleia da República, reparei com alguma alegria e satisfação, que dois partidos da oposição citaram textos da CNIS, até para contestarem opções deste executivo. Devo sublinhar que o diálogo com este governo está a ser muito bom, muito forte, muito intenso. Mas diria, sublinho, que foram exactamente os partidos da oposição que, lendo textos da CNIS, puseram em causa algumas opções políticas em curso. Não há, portanto, uma fidelização a um partido ou a um governo, mas à causa nacional. Fosse que governo fosse..
Estas eram as ideias de que a CNIS defendia…
Sem dúvida. Aliás, elas estão, já ao longo dos anos, várias vezes, sistematicamente documentadas. Este governo pode estar a aproveitá-las…
Há quem diga que o Programa de Emergência Social é um documento que o governo decalcou das ideias já escritas em documentos da CNIS.
Não é o programa da CNIS, mas é um programa para o qual a CNIS deu enormes contributos, mediatamente e imediatamente. Houve várias fases. Antes de começar a campanha eleitoral, foi pedido à CNIS um modelo de programa de emergência social. A CNIS forneceu. O governo tomou posse e imediatamente começaram os diálogos, no sentido de aprofundar esse modelo, dando novas ideias e essas novas ideias foram recuperadas de muitas intervenções e afirmações da CNIS, ao longo dos anos. Agora, há uma coisa que penso que é importante: a CNIS também já foi acusada de colagem ao governo que era suportado pelo partido socialista. Quando, depois de muito o ter criticado, por causa do problema do ATL, das AECS, se levou a cabo uma campanha, a nível nacional para fazer o debate, em que colhemos cerca de 160.000 assinaturas, para a afirmação do ATL. Depois, o governo começou a virar-se para a CNIS e para as IPSS e várias vezes fomos acusados de colagem. Quando eu, por exemplo, defendia o governo, com o programa PARES, também fui acusado de colagem, e o programa, toda a gente vê, é um programa importante. Aliás, devo dizer que o governo anterior deu dois contributos muitíssimo importantes, para o avanço deste sector. Foi a aposta na qualidade, com alguns exageros e a aposta no reapetrechamento de equipamentos sociais, com os programas PARES e POPH. Agora é com este governo que temos que cooperar. Umas vezes discordando, outras vezes apontando novas metas, mas sempre cooperando, porque nós não somos um partido, não temos objectivos de poder e de orientação da política nacional, mas temos a obrigação de colaborar.
Nesse sentido, acha que as medidas já tomadas, designadamente o aumento de vagas nas creches e nos lares de idosos e a flexibilização das normas, dão sinais de que este governo percebeu o que é ter bom senso no trabalho que as IPSS fazem?
É, tem dado mostras de ter bom senso. Podemos aqui ou acolá admitir que haja algum voluntarismo, mas tem dado provas de que há, de facto, bom senso. Quanto, por exemplo, ao aumento de vagas em creches, tenho que fazer justiça: não é, propriamente, uma medida deste governo. Ela foi já contemplada no Protocolo de 2009. Só estivemos eternamente à espera de uma Portaria para a pôr em prática. Este governo pegou no trabalho que já estava feito e, dadas as situações, levou-o a efeito. Há uma aqui opção política: a aposta numa ideia insistentemente apresentada pela CNIS, de que a educação é um esforço permanente, mas deve ser logo a partir do berço. Quanto mais tarde se chega a uma criança, através de uma área ou um projeto educativo, provavelmente mais estará, exposta a uma exclusão. Se nós queremos combater a exclusão, se queremos uma sociedade justa devemos começar o mais cedo possível. Quanto a outras medidas. Há ideias que temos partilhado, que resultam do bom senso: o sector solidário tem um público preferencial, não exclui ninguém, mas deve procurar os mais carenciados. Costumo dizer que neste sector se evitam dois extremos: o luxo e o lixo. Quando as exigências são exorbitantes, e estão em vigor algumas que são claramente exorbitantes, no fundo, estamos a tornar exorbitantes os serviços deste sector. Tornam-se muito onerosos e estas exigências afastam os mais carenciados, que é o nosso público preferencial. E, portanto, a moderação vai nesse sentido.Ver o que é bom, belo e bem, ajustável, nestas circunstâncias, a este país. Para isso, foi criado um grupo, da iniciativa do governo, mas em que está a CNIS, para reanalisar todas estas exigências, de maneira a que se dê respostas ao maior número possível de pessoas.
Concorda que nos próximos tempos haverá uma grande preocupação, nas instituições, com a sobrevivência para poderem continuar a prestar serviços aos outros? A sustentabilidade deste sector é um grande problema?
É um problema muito grande. Às vezes iamos ouvindo, aqui e acolá, que com este ambiente de exigências sucessivas, com o curso dos acontecimentos, estas instituições não poderiam sobreviver. Porque não teriam meios ou porque não eram necessárias. Neste momento penso que já se evitou um bocado essa linguagem. As instituições que existem, pode haver uma ou outra que esteja desenquadrada mas, na sua quase totalidade, foram criadas para responder a necessidades, justificam-se e têm futuro. O problema da sustentabilidade é um problema muito, muito sério. Nós sabemos quais são as fontes de financiamento das instituições. As tradicionais são as comparticipações dos utentes, são os acordos de cooperação, e depois, percentualmente muito pouco, as dádivas da comunidade, dos dirigentes, etc... Ora, se a tendência é para que o Estado, até pelas dificuldades que tem, não transfira mais meios para este sector, e se estão a diminuir as comparticipações dos utentes, por causa da crise, com o desemprego, com as dificuldades das famílias, põe-se claramente o problema da sustentabilidade das instituições. Estão em curso algumas iniciativas que permitem, não digo resolver, mas pelo menos olhar com alguma esperança para o futuro. Falo particularmente de duas: é o alargamento das respostas, isto é da moderação das exigências e é permitir às instituições alguma auto-sustentação, na prestação de serviços à comunidade. Há depois uma terceira medida, não tão significativa como isso, mas que resulta também dessa questão das exigências, que é a do envolvimento crescente do voluntariado nas instituições. Não como uma forma de dispensar funcionários nas IPSS, mas como maneira de envolver mais pessoas.
Hoje o grande desafio para as IPSS é serem capazes de prestar respostas sociais com a mesma qualidade a muito mais pessoas...
É isso mesmo. A mesma resposta, a mesma qualidade a mais pessoas. Este sector solidário tem inequívocas virtualidades. Até pela capilaridade existente. Tudo quanto é aldeia tem uma IPSS, às vezes mais do que uma. Nós temos, em actividade mais de 4.000 IPSS no país. São instituições próximas, sabem o que é necessário ali, no meio, e têm grande agilidade. É desjável o alargamento das respostas, nos dois sentidos, a mais pessoas e também a mais serviços. É um caminho que está a ser percorrido, que não tem limites, e que vai fazer vir ao de cima, uma nova via de soluções para a economia portuguesa.
Hoje fala-se muito na redução de todas as despesas, sobretudo as despesas do Estado. Vai avançar a reforma administrativa para reduzir o número de municípios. Pode pensar-se numa solução semelhante para as instituições espalhadas pelo país?
Não. Há um trabalho muito grande, que já está em curso, mas que tem sido muito aprofundado. A vocação das IPSS não é serem grandes. É serem IPSS de proximidade.
Há, no entanto, dois caminhos a percorrer. Um é o trabalho em parceria entre as várias instituições. É importante que as IPSS, e todas elas têm essa percepção, percebam que não podem ser instituições com paredes muito altas, têm que estar em comunhão com as outras. O outro é a partilha de recursos. Não é necessário que todas as IPSS tenham tudo: transporte, cantina, refeitório, lavandaria, etc.. A disponibilização de recursos pode ser também uma solução para a sustentabilidade e um sinal para a economia nacional. Para a ordem da casa e na casa temos que fazer este percurso. O percurso da comunhão e da utilização das capacidades de cada um.
Que balanço é que faz deste tempo à frente da CNIS, do ponto de vista pessoal ?
Fui descobrindo coisas novas e velhas, foi um caminho muito gratificante. Eu acredito neste sector, nos nossos dirigentes, nas IPSS e que em todas essas aldeias se fazem coisas fabulosas. Tenho visitado muitas instituições, tenho tido experiências fantásticas, há iniciativas muito belas que estão em curso. É uma experiência interessante. Considero-me um privilegiado por estar com este sector, considerado um modelo e uma esperança.
Olha para o país com preocupação? O facto de ser padre também ajuda a vislumbrar a esperança?
Na morte, mesmo no caixão, continuarei a ter esperança, porque sou crente e a vida não se esgota na morte. Este momento é muito difícil, não tenhamos dúvidas, mas está a emergir uma consciência que vai permitir tempos novos para a comunidade nacional. Todos nós temos que usar tudo: os meios, as nossas capacidades para a causa comum, para aquilo que é colectivo. Andámos muito tempo a pensar que tínhamos muitos direitos e que só de quatro em quatro anos é que tínhamos o dever de votar. Muitos nem sequer o cumpriam. Agora começamos a perceber que somos todos detentores de direitos e todos temos deveres também. O que é comum é a construção. O que é comum deve absorver todos os meios, sem desperdícios, nem de capacidades nem de recursos. Por isso estou confiante. Particularmente na juventude, que se não tivesse esta esperança e este olhar já tinha desistido. É a juventude que hoje tem condições, tem aptidões, tem classificações muito superiores às daquela geração que, de algum modo, é responsável pela situação existente. E não há um conflito de gerações. Há uma consciência de que de a geração anterior, nas condições que teve, procurou fazer o melhor possível. Na emergência desta nova geração vê-se que existe esta consciência. Talvez tenham sido educados, nos primeiros anos, com a ideia de que recebiam tudo. Agora já perceberam que não, têm que ser construtores de tudo. E por isso é que não notamos grandes manifestações, grandes conflitos. Eu olho para esta juventude com grande apreço.
V.M.Pinto – texto e fotos
Data de introdução: 2011-10-07