Emprestar qualidade à vida de uma população cada vez mais envelhecida da freguesia da Junceira, concelho de Tomar, é a grande missão do Lar de S. Mateus, obra sonhada por Armando Santos Aguda, grande impulsionador e seu primeiro presidente, e que nasceu há 25 anos com a ajuda da população.
“Estava sozinha, pois tinha a família em Lisboa. Também lá morei muitos anos, mas quando enviuvei vim para cá”, conta Henriqueta de Jesus, natural da Junceira, hoje com 90 anos e residente do lar desde 2006, ao que acrescenta: “Dei-me sempre bem, não tenho razão de queixa de nenhuma empregada ou utente. Estou contente, porque lá em casa estava sozinha e aqui não me falta nada, só as dores não me deixam”.
O testemunho desta utente, plasmado nas páginas do n.º 1 do «Reviver», boletim informativo da instituição publicado desde 2010, é elucidativo da realidade da área que o Lar de S. Mateus abrange, pois é uma freguesia de forte migração para a capital, em que na terra apenas ficam ou regressam os mais velhos.
“Esta é uma zona completamente envelhecida”, afirma Dora Marques, há uma década directora técnica da instituição, ao que o presidente da Direcção, Filipe Antunes, acrescenta: “Esta terra não é igual ao resto do concelho, porque foi uma zona de muita migração para Lisboa, com alguns a deixarem aqui os familiares. Muitos fizeram vida em Lisboa, mas acabaram por regressar e os filhos estão lá, pelo que esta é uma zona um pouco desenraizada… Vê-se por aqui muita casa, não se vêem é pessoas, mas ao fim-de-semana a população duplica seguramente”.
OBRA DA COMUNIDADE
Apesar da desertificação da freguesia, quando há 25 anos Armando Santos Aguda lançou a primeira pedra para a construção do lar, contou com a prestimosa colaboração da comunidade.
“O empenho que há aqui acontece porque as pessoas já ajudaram, no passado, a erguer este lar. As pessoas sentem isto como delas. Quando celebrámos o 25.º aniversário, foram entregues mais de 100 placas comemorativas de 25 anos de sócio. Temos muitos sócios com as quotas em dia desde o início do Lar. É um euro por mês, é pouco mas sempre é uma ajuda, e desta forma as pessoas sentem que isto também é delas. Todos dizem que ajudaram… Há alguns que agora estão aqui a residir que ajudaram na construção do lar. As pessoas sentem que isto é delas”, sublinha Filipe Antunes, destacando que “a natureza do nascimento da obra é o facto de as pessoas sentirem que isto é delas”.
Ao cabo de um quarto de século de actividade, o Lar de S. Mateus tem sido um pilar de apoio da comunidade da Junceira, com um percurso linear sem grandes sobressaltos.
“Não me parece que tenha havido muitos altos e baixos ao longo destes 25 anos. O Lar S. Mateus iniciou-se com a mesma lotação que tem hoje, entre os 50 e os 60 utentes. Temos 50 utentes abrangidos pelo Acordo de Cooperação e depois temos ainda mais, neste momento, são oito utentes, mas esta também é a capacidade das instalações”, sustenta o presidente da instituição, que vai a Maio do segundo mandato: “Conheço este Lar desde o seu início, que foi construído praticamente só com o empenho das pessoas da terra, contando com alguns apoios pontuais, mas conseguiu fazer-se numa altura em que as exigências eram menores e a possibilidade não era grande, pelo contrário, era pequena… Foi feito com os materiais possíveis, face ao dinheiro disponível, e a capacidade, em termos de volume, ou seja, os metros cúbicos são praticamente os mesmos. O que se vê agora aqui é fruto da requalificação iniciada há três anos e concluída no ano passado. Tentou-se dar uma volta ao edifício, melhorando a infra-estrutura sem que, no entanto, se tenha aumentado a capacidade”.
MAIS CONFORTO E QUALIDADE
Filipe Antunes refere-se às obras de requalificação que o edifício foi alvo e que terminaram na primeira metade de 2010 e que, acima de tudo, foram dar “maior qualidade e conforto, dando resposta às exigências que vinham sendo recomendadas”.
Relativamente às exigências efectuadas pelos serviços da Segurança Social, o líder da instituição ressalva: “Não houve aqui uma situação de ultimato, do tipo «ou arranjam ou fecham»… É que nem agora, nem quando o Lar foi construído inicialmente foram utilizados dinheiros públicos, foi sempre com dinheiro de amigos aqui da terra e dos sócios… Sendo certo que não tínhamos dívidas quando começámos as obras e também não as temos agora”.
A sustentabilidade da instituição é uma das principais preocupações dos seus dirigentes, até porque a zona em que se insere não é das mais endinheiradas.
“O que nos aparece aqui é sempre para pagar o mínimo. Se tivéssemos esta instituição no Restelo, por certo, as coisas seriam bem diferentes. Por lá apanham-se reformas de vários milhares de euros, aqui são reformas de 200, 300 euros... Afecta-se 80% e ficamos com um bocado muito pequeno”, afirma Filipe Antunes, que confessa: “A sustentabilidade financeira da nossa instituição é difícil de explicar, mas nunca pusemos ninguém na rua por não poder pagar. Temos algumas dificuldades, mas não somos dos piores. É que a zona em termos de média de reformas é das mais baixas”.
As profundas obras de requalificação efectuadas no Lar de S. Mateus visaram a melhoria das condições de utilização e qualidade de vida dos 59 utentes, bem como a criação de melhores condições de trabalho dos 36 funcionários, o que levou à melhoria de toda a infra-estrutura.
Os quartos foram remodelados, tendo ainda sido criados quartos individuais, intervenção que se estendeu às instalações sanitárias, devidamente adaptadas e aumentadas. Alvo de remodelação foram igualmente as salas de convívio e de refeição, a cozinha, que passou a contemplar as mais recentes recomendações legais em termos de higiene e funcionalidade, gabinetes da Direcção, sala de vigia, sala de refeições dos funcionários, gabinete médico, rouparia, secretaria, bar, capela, cabeleireiro e casa mortuária.
As obras foram realizadas com verbas exclusivas da instituição, excepção feita a uma ajuda da Câmara Municipal de Tomar.
“Tivemos um pequeno apoio da autarquia, de cerca de 10 mil euros, o que numa obra que orçou em quase 700 mil euros é uma gota no oceano”, refere o presidente do Lar, que recorda novamente o grande apoio de toda a população e dos amigos da instituição: “Com um bocadinho daqui e outro de acolá, com ajuda dos empreiteiros, dos fornecedores e dos amigos fez-se a obra”.
Para Filipe Antunes, foi muito importante fazer a intervenção na infra-estrutura criando o mínimo de sobressalto no quotidiano dos utentes.
“Para fazer as obras com os utentes no Lar foi necessária uma grande coordenação e organização, sendo que acabámos penalizados, porque em vez de 55 utentes, houve uma fase em que tivemos apenas 45, mas conseguimos fazer as obras criando o mínimo de interferência com a estadia das pessoas no lar”, recorda, deixando um elogio: “E isto só é possível quando há disponibilidade e se trabalha com pessoas que em vez de só arranjarem problemas, encontram soluções. Por isso valeu a pena trabalhar e com esta dinâmica também não foi difícil arranjar dinheiro”.
LIMITE DA LOTAÇÃO
Ao apoio dado aos 59 utentes residentes, o Lar de S. Mateus tem ainda as valências de Serviço de Apoio Domiciliário, em que apoia 12 pessoas, e Centro de Dia, com cinco utentes.
“Em termos de Apoio Domiciliário, o raio de acção da instituição resume-se à freguesia da Junceira, pois não temos capacidade para prestar apoio mais além, sendo que as freguesias vizinhas também têm instituições que o fazem. Relativamente ao Lar, a prioridade é para os residentes e naturais da freguesia, pois foram eles que ajudaram a construi-lo, mas ainda temos a lista de espera e os pedidos da Segurança Social”, revela Dora Marques.
Sobre esta matéria, o presidente da instituição acrescenta: “É verdade que damos prioridade às pessoas da freguesia, mas cerca de 50% dos utentes não são da Junceira. É uma prioridade que não se nota…”.
Já sobre a lista de espera que tem cerca de 150 pessoas, a directora técnica explica: “Muitas destas situações são pessoas que estão inscritas nas listas de espera das várias instituições do concelho, porque estão em situação de aflição. Agora, muitas das situações já estão resolvidas por outras instituições e não nos foi comunicado, ou, por outro lado, as pessoas já faleceram. Fazemos uma triagem com alguma regularidade, mas é sempre uma situação muito complicada estar a contactar as pessoas quando não há vagas em perspectiva. Normalmente, surge uma vaga de cada vez e, infelizmente, é porque alguém falece”.
Uma vez que está no limite da lotação, o Lar de S. Mateus não pode acolher mais utentes, mas isso não impede Filipe Antunes de deixar uma crítica a quem dirige os destinos do apoio social no País: “Os «disparates» que foram feitos nos tempos passados em que as prioridades eram as valências de Serviço de Apoio Domiciliário e de Centro de Dia, e não os lares residentes, fez com que, por exemplo, aqui numa freguesia vizinha, uma instituição tenha um edifício enorme e pronto, feito com todas as exigências do momento, mas que tem um ou dois utentes… Agora têm um projecto para partir o telhado para ver se fazem mais um andar…”.
A este propósito, Dora Marques faz uma achega: “Na minha opinião técnica, qualquer instituição que tem Serviço de Apoio Domiciliário e Centro de Dia devia ter como retaguarda um lar. Deve fazer-se com que as pessoas mantenham a sua vida quotidiana até o mais tarde possível nas suas casas, mas quando já não têm condições para o fazer, então, deviam entrar na resposta social de lar”.
Questionado sobre como seria a freguesia da Junceira sem o Lar de S. Mateus, Filipe Antunes é peremptório em afirmar que “ninguém morria à fome, mas viveriam pior…”, deixando, novamente, uma crítica a quem manda: “Temos sentido, mas estou convencido de que isso vai mudar, que as exigências fazem com que o preço por utente seja alto, porque, por exemplo, não se podem cruzar os pratos sujos com os lavados, a roupa suja com a lavada… Há algumas exigências que se não tivéssemos o pezinho de meia que tínhamos e sem as ajudas de certas de pessoas que ainda gostam da sua terra, teríamos tido dificuldade em pôr isto como está, dando resposta àquelas exigências, que são exageradas”.
Em jeito de balanço, o presidente da instituição sustenta que a existência do Lar de S. Mateus é de extrema importância para a freguesia da Junceira por três razões essenciais: “As pessoas encontraram um sítio para estar e estar bem; depois é a empresa mãe da terra, pois não há aqui nenhuma outra empresa que empregue tanta gente, e não é só em termos de empregos directos, mas igualmente para os fornecedores é muito importante; e ainda para as pessoas desta terra, que fazendo a sua vida em Lisboa, encontraram aqui um local para deixar os seus familiares em boas condições”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Data de introdução: 2011-10-09