PEDRO MOTA SOARES, MINISTRO DA SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL

É preciso que o Estado tenha a humildade de pedir ajuda às instituições sociais

Pedro Mota Soares deu nas vistas quando apareceu de lambreta para a cerimónia de tomada de posse do XIX Governo Constitucional de Portugal, liderado por Pedro Passos Coelho. Nada de extraordinário se Pedro Mota Soares não estivesse a caminho de ser o ministro da Solidariedade e Segurança Social.
O governante limitou-se a seguir a rotina diária que, garante, continua, nesse aspecto, a ser a mesma. Vai de lambreta para o ministério que agora tem a responsabilidade de coordenar.
Luís Pedro Russo da Mota Soares, nascido em 1974, licenciado em Direito, Pós-graduado em Direito do Trabalho, advogado e assistente universitário, assume e aproveita a seu favor a juventude. O ex-deputado do CDS-PP informaliza os contactos e imprime um ritmo acelerado nas tarefas diárias, bem evidente no débito verbal das suas intervenções e conversas.
Dá mostras de conhecer bem os meandros da solidariedade e segurança social e optou por dar crédito às instituições representantes do sector solidário, como é o caso da CNIS.

Não é fácil ser ministro da Solidariedade nos tempos que correm. Gostava de ter sido ministro noutras circunstâncias?
Eu gosto pouco de falar do passado, prefiro olhar para o futuro. Não é possível, e isto tem a ver com a situação em que estamos, continuarmos numa lógica em que o que nós gastamos hoje não cabe sequer no que o país produz amanhã. Não é possível continuarmos numa lógica em que o que gastamos hoje é sempre pago pelas próximas gerações. Portugal teve de pedir ajuda internacional para assegurar a sua solvência. Pediu ajuda à troika para poder honrar os seus compromissos. Esta é a nossa situação actual, uma situação de crise económica, de crise financeira, mas também de crise social. E é neste quadro que o governo tem de agir. Temos que ser absolutamente pragmáticos nas soluções. As instituições sociais são fundamentais, absolutamente essenciais para podermos dar uma resposta em tempo de crise. É preciso que o Estado tenha a humildade de pedir ajuda às instituições sociais. Neste momento, nós sabemos que o Estado não pode estar sozinho. Há que dar resposta às situações de exclusão, de fragilidade, de pobreza, que existem. Muitas famílias estão confrontadas com o desemprego, com a pobreza social, com o seu endividamento. Conhecemos a situação de cerca de um milhão de pensionistas que recebem uma pensão mínima de 247€, de 227€, 189€…

Esteve de acordo com o seu colega das finanças, quando ele decidiu também aí ir buscar alguns impostos?
Sempre acreditei que temos que ter uma ética social. Em altura de austeridade, essa ética é mais importante. O governo teve de lançar mão de um conjunto de novas medidas para poder cumprir os compromissos internacionais que acordou com a troika para assegurar a sua solvência. Se não fosse feito haveria a consequência de não termos dinheiro para pagar as pensões, não termos dinheiro para pagar os salários de toda a função pública, dos pensionistas. Houve um esforço de salvaguardar as situações de maior fragilidade. 80% dos pensionistas ficam fora deste esforço contributivo. Mesmo numa altura de grandes dificuldades, as pensões mínimas, as pensões sociais, as pensões rurais vão ser aumentadas, vão ser descongeladas. Estamos a falar de cerca de um milhão de portugueses que, com o governo anterior, viram as suas pensões serem congeladas. Repare que, estas pensões que foram congeladas perderam, na prática, 3,5% do seu rendimento. As pessoas perderam ainda mais poder de compra. Não vai voltar a acontecer no futuro. Isto é ética social na austeridade: salvaguardar sempre e em todas as circunstâncias os mais fragilizados. Ao contrário do que estava previsto com a troika, as pessoas com o subsídio de desemprego, subsídio de doença, subsídio de maternidade, abono de família, não vão ser chamados a pagar IRS sobre estas prestações. Temos que ser práticos na resolução dos problemas mas, também ao contrário do que estava previsto no memorando de entendimento, onde se previa que se acabasse com todas as isenções de IRC, foi possível salvaguardar que as instituições sociais mantenham uma fiscalidade própria, isto é, não estarão sujeitas ao pagamento do IRC.

No IVA gostaria de ter ido mais longe e regressar ao regime anterior em que as IPSS tinham direito ao reembolso total?
Na questão do IVA, também ao contrário do que estava previsto no memorando de entendimento, foi possível dar um passo que acho que é muito significativo. Nós sabemos que obrigar as instituições sociais a pagar 23% de IVA sobre as novas obras significa o fim das obras. Conseguimos encontrar uma excepção. A excepção é que ao longo do ano 2012 haverá uma devolução de 50% do IVA. Temos a noção de que, com isso, será possível desbloquear muitas obras, será possível fazer muitos investimentos e, mais importante, é um sinal muito claro que o governo dá às instituições sociais para que não abdiquem das obras. É muito importante, quando nós falamos de economia social, perceber que é crucial atravessarmos esta crise. Portugal tem de encontrar um conjunto de novas formas de estimular a sua economia e até equilibrar a balança comercial. Temos de exportar muito mais. Mas para a balança comercial é tão importante que nós exportemos mais como é importante que nós substituamos importações. Para tal, a economia social é determinante. Porquê? Grande parte das instituições sociais têm uma relação com pequenas e médias empresas que gravitam à sua volta. Sabemos que o país é muito desequilibrado entre o litoral e interior, entre os grandes centros urbanos e as pequenas localidades. No interior do país, o segundo maior empregador, quando às vezes não é o primeiro, é o sector social, logo a seguir ao Estado. Então percebemos a importância de apostar nestas instituições, até porque, ao contrário de outros sectores da economia, não se deslocalizam, não fecham postos de trabalho para abrir noutros espaços geográficos. São instituições que estimulam as economias locais. Todas as medidas que possamos tomar e que ajudem, como no caso do IRC e o da devolução do IVA, são um sinal de empenho do governo.

As IPSS, por si só, não serão suficientes para criar emprego. De resto, a sua principal preocupação não será evitar que encerrem mais instituições?
É uma preocupação conjunta. Estas instituições são essenciais para manter o nível de emprego em Portugal, mas em muitos casos nós também conseguimos criar novos postos de trabalho...

Como é possível se, em princípio, não haverá mais acordos de cooperação?...
Nós estamos claramente a apostar numa linha de apoiar a sustentabilidade das próprias instituições sociais. Tomando medidas como, por exemplo, a simplificação legislativa nas creches quisemos, à cabeça, aumentar a capacidade de respostas. Vai ser possível colocar em cada uma das salas mais duas a quatro crianças. Estamos a potenciar a resposta para as famílias, estamos a criar condições efectivas para combater a oferta ilegal que ainda existe no país, mas estamos, ao mesmo tempo, a apostar na sustentabilidade das próprias instituições. Vamos poder libertar recursos para poder fazer outras coisas. Temos que ter exactamente a mesma postura relativamente a outros equipamentos, valências, lares, centros de dia, apoio domiciliário, às pessoas com deficiência. Temos que simplificar um conjunto de regras que são tão burocráticas, tão complicadas. Estão num patamar de luxo que não são compatíveis com as verbas que o país tem para oferecer às próprias instituições nos acordos de cooperação. Conseguimos criar no âmbito do POPH, uma linha para fazer a formação de dirigentes das IPSS. As instituições sociais não visam ter lucro. Ter resultados operacionais positivos é uma coisa diferente, mas isso não quer dizer que as instituições não têm que ser bem geridas, com regras de muito rigor, e muita eficácia.

Como sabe, a tradição das IPSS é o voluntariado ao nível dos orgãos sociais. São pessoas que dão o seu tempo, a sua dedicação e as suas competências...
Uma das mais grandes valias das instituições sociais é o voluntariado. Convém que nós lembremos que as instituições sociais, na forma como são geridas, no emprego que criam, são diferentes de outras entidades. Não são empresas nesse sentido. Têm sempre uma dimensão ética fundamental. Quando nós falamos da responsabilidade social das empresas, nós sabemos que estas instituições têm inscrito no seu ADN, no seu código genético, a responsabilidade social. Os voluntários podem ser estimulados para estas novas regras de gestão, para termos um bom controlo sobre a execução dos orçamentos, para conseguirmos encontrar muita da qualidade nas respostas. É preciso simplificar um conjunto de regras, é preciso maximizar a capacidade instalada, aproveitar ao máximo a possibilidade que nós hoje temos para podermos chegar a muito mais pessoas. Grande vantagem disto: aumentar a oferta, isto é absolutamente essencial, mas ao mesmo tempo garantimos muito melhor a sustentabilidade das próprias instituições.

O seu antecessor, em entrevista ao SOLIDARIEDADE, garantia que não haveria encerramento de IPSS, ainda que fosse necessário, como aconteceu muitas vezes, recorrer ao Fundo de Socorro Social. É possível fazer isso no actual contexto? Tem algum instrumento financeiro que permita, nestes casos, salvar instituições?
Nós assumimos que temos que fazer uma alteração ao Fundo de Socorro Social para ser um verdadeiro fundo de socorro, um verdadeiro fundo de emergência social. Sabemos a situação muito difícil de muitas instituições. Foram incentivadas a fazer um conjunto de obras para as quais não havia sustentabilidade, nem se garantiam acordos de cooperação. Estamos a trabalhar muito em conseguir garantir que os rácios de sustentabilidade passem a ser diferentes. Há que perceber que entre o luxo e o lixo, usando uma expressão de um conhecido dirigente de instituições sociais, há um meio campo que para nós é absolutamente essencial. O Fundo de Socorro Social tem de mudar as suas regras. Temos que se encontrar um conjunto de novas verbas, descomprometer algumas que já estavam comprometidas, no âmbito desse fundo, para garantir que há uma situação de verdadeira emergência social. Mais uma vez eu digo: estamos muito preocupados com a sustentabilidade de muitas instituições, queremos trabalhar muito para garantir que as instituições tem condições para serem sustentáveis, mas também, muitas instituições têm que conseguir dar um salto na sua capacidade de gestão. Queremos ajudar com a formação, mas sejamos completamente honestos e transparentes. Grande parte das instituições sociais também já tem vindo a fazer esse esforço, bem como grande parte das confederações, com é o caso da CNIS.

Mas, não chegou a responder, é ou não possível salvar IPSS?
Gande parte do Fundo de Socorro Social estava comprometido. Nós estamos aqui a tentar encontrar um conjunto de novas verbas que possamos alocar ao Fundo de Emergência Social que nos permita ajudar muitas instituições. Mas, como lhe digo, as instituições, nesse sentido, também vão ter que mudar para garantirem a sua sustentabilidade.

Está prevista no Plano de Emergência Social a possibilidade de haver outras formas de sustentabilidade para as IPSS. É uma matéria sensível... Até que ponto as IPSS podem desenvolver outro tipo de actividades que tenham um pendor lucrativo para financiarem as suas actividades sociais?
Não gosto de falar em actividades lucrativas em instituições sociais, não têm essa vocação. No entanto, elas podem ter resultados operacionais positivos que podem potenciar as respostas que as próprias instituições têm. Como sabe, em conjugação aliás com os partidos da maioria, está neste momento a ser discutida no parlamento, uma lei de bases da economia social. É o momento para reflectir sobre esta nova dimensão. A lei de bases da economia social vai ser um pontapé de saída muito importante para repensarmos sobre a utilização dos resultados operacionais positivos. Temos que apostar na chamada inovação social. Hoje há óptimos exemplos de instituições sociais que conseguiram, por exemplo, através de programas de microcrédito, criar, autonomizar, sectores onde foram criados postos de trabalho. Sei de pessoas que estavam em situação de desemprego, que constituiram uma pequena empresa, aproveitando um conjunto de apoios públicos, passaram a gerir, por exemplo uma lavandaria, para dar um exemplo muito concreto duma instituição social. É um belíssimo exemplo de inovação social. O governo, aliás, inscreveu também no programa de inovação social a criação de um banco de ideias. Funciona como um verdadeiro banco, isto é, as pessoas vão lá e depositam as suas ideias e há outras pessoas e instituições que podem levantar essas ideias. Gostávamos de ter um fundo para inovação social, para conseguirmos criar um conjunto de estímulos para que as pessoas pratiquem a partilha.

Como é que reage quando chamam ao Programa de Emergência Social um programa assistencialista, quase caritativo, no pior dos sentidos?
As medidas que defendemos apostam na capacitação no chamado empowerment das pessoas. São fundamentais. É a única forma de nós quebrarmos, de uma forma direta, os ciclos de pobreza. Mas nós também temos que ser completamente realistas, Portugal vive hoje um momento muito difícil. Se nós não tivermos um conjunto de medidas que cheguem directamente às pessoas estamos a fazer mal o nosso papel, não cumprimos o desígnio social que o Estado tem que ter. É para nós fundamental garantir uma almofada social nestes anos mais difíceis de crise. Um governo com consciência social não pode deixar de agir em matérias como estas. Muito directamente, acho que assistencialismo é mantermos as pessoas durante muito tempo em situações de pobreza e não as capacitarmos para saírem dessas situações. Assistencialismo é manter durante muito tempo prestações sociais que deviam servir para inserir pessoas, mas que em vez disso, se prolongam no tempo. É o caso do Rendimento Social de Inserção. São prestações que se destinavam a ser transitórias que passaram a ser quase permanentes. Deviam ser incentivadas a trabalhar, ainda que seja em instituições de solidariedade, e não o foram. Nós queremos combater isso.

Como é que tem sido a relação com a CNIS?
O Estado tem que perceber que tem que desenvolver uma relação de parceria com as instituições e não de tutela. Tem que ter uma relação de confiança e de proximidade. Temos que acabar com a desconfiança que foi características em outros tempos. Antes de apresentarmos o PES reunimos com todas as confederações, discutimos com elas um conjunto de ideias, recolhemos um conjunto de contributos, o próprio nome foi uma sugestão da CNIS. Tem que ser uma relação franca, adulta, aberta, mas de parceria, sem desconfianças de parte a parte. É por isso que eu digo que é preciso mudar o paradigma do relacionamento entre o Estado e as instituições de solidariedade social. Estou convencido que é este o caminho que estamos a trilhar. Nós queremos ser capazes de falar a linguagem das instituições.

Haverá também mudanças de mentalidades nos centros distritais?
É por isso que é fundamental, quando nós mudamos as regras, sentar os técnicos da Segurança Social com os técnicos das IPSS para que se entendam as dificuldades das instituições e a Segurança Social encontre respostas para elas. É um trabalho feito de mãos dadas. O Estado continua a exigir às IPSS regras mais apertadas do que exige às instituições comerciais. É fundamental mudarmos as regras de controlo alimentar mantendo a exigência de qualidade e segurança alimentar, mas podemos aligeirar regras. É algo que deve ser feito com o Ministério da Economia e enquanto se flexibilizam as regras tentar fazer um protocolo de formação das IPSS para as explicar.

A parceria é, portanto, a palavra de ordem. Conta com as instituições e os seus representantes...
Sem dúvida. O espírito de parceria está muito patente nas representantes sociais e concretamente na CNIS. Deixe dizer-lhe que, ainda antes das eleições, o padre Lino Maia falou pela primeira vez no Programa de Emergência Social que apresentou a todos os partidos. Considero que o país tem um dívida de gratidão para com o padre Lino Maia, que conhece de forma directa as instituições, o verdadeiro estado social. De uma forma muito serena e ponderada sempre conseguiu identificar os problemas e quer sempre ser parte da solução. O Estado tem que aproveitar esta disponibilidade.

Por V. M. Pinto (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2011-11-04



















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