As relações entre a França e a Turquia deterioram-se visivelmente nas últimas semanas, ao ponto de o embaixador turco em Paris ter sido chamado a Ankara. Foi o sinal mais expressivo do estado actual dessas relações.
Na origem desta situação está a posição assumida pela França relativamente ao alegado genocídio cometido pelo exército turco em território da Arménia, durante a primeira guerra mundial Que houve excessos da parte dos seus militares, mas que não se pode falar em genocídio, defende a maioria dos historiadores e dos políticos da Turquia. Que se tratou de um verdadeiro massacre, já que o número de vítimas civis terá atingido o milhão, respondem os franceses, alicerçados, por sua vez, em números fornecidos por outros historiadores, nomeadamente os seus.
Este diferendo histórico-político já tem anos e vem impedindo uma relação normal entre dois países que, apesar das suas diferenças civilizacionais, partilham a mesma aliança política e militar que é a NATO. Esta divergência constitui ainda o motivo mais importante, ou um dos mais importantes, para que a França continue a opor-se à admissão da Turquia na União Europeia. Por outras palavras a História tem, neste caso, um peso político absolutamente invulgar.
Absolutamente inédito e difícil de entender é ainda o facto de a negação do alegado genocídio cometido por militares turcos na Arménia, já lá vai quase um século, ser na França, considerado um crime. Quer isto dizer no país da Liberdade ninguém pode afirmar publicamente que os soldados turcos não cometeram um genocídio na Arménia, sob pena de ser processado judicialmente.
Durante os últimos anos, a reacção do governo turco foi relativamente contida. O empenho de Ankara na adesão à União Europeia justificava essa contenção. Agora que a Turquia atingiu, por si mesma, um grau de desenvolvimento absolutamente invejável, o seu governo pode reagir mais fortemente, sabendo que a Europa precisa mais da Turquia do que a Turquia precisa da Europa.
Compreende-se pois que o governo de Ankara tenha agora respondido à letra, um pouco ao estilo do que se geralmente se chama um argumento “ad hominem”: que a França não se esqueça do que os seus militares fizeram na Argélia. Até porque foi há bastante menos tempo…
António José da Silva
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