LEQUE - ALFÂNDEGA DA FÉ

Educar para a diferença

Se há uma realidade que é transversal a todas as IPSS do País é o facto de o seu nascimento acontecer pela vontade dos cidadãos se organizarem livremente e tentarem dar resposta às necessidades que identificam na comunidade em que se inserem. E, apesar de educar para a diferença, a Leque – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Necessidades Especiais não é diferente!
Esta Associação sediada em Alfândega da Fé foi criada em 2009 por iniciativa de Celmira Macedo, uma educadora de infância de formação, que investiu na Educação Especial e que decidiu fazer um doutoramento nesta área.
Tudo começou com um estudo, realizado em 2005 e 2006, no sentido de identificar as necessidades das famílias com elementos com necessidades educativas especiais do distrito de Bragança.
“Na altura só queria conhecer as necessidades das famílias do distrito, que eram 500 com crianças em idade escolar e estima-se que sejam outras tantas com elementos com mais de 18 anos, pois nem se conhece o número exacto”, relata a presidente da Leque, acrescentando: “Percebi que havia várias necessidades. A título de exemplo, havia duas terapeutas da fala para um universo de 200 crianças necessitadas desta terapia”.
Outra conclusão a que Celmira Macedo chegou foi que “a rede de apoio social era muito frágil, muito ténue, pois não havia serviços de reabilitação, associações de pais e outros serviços na maioria dos concelhos do distrito”.
Perante a dura realidade dos números, Celmira Macedo colocou o doutoramento em segundo plano e tentou, desde logo, alterar a situação, começando por apresentar os resultados na Sub-Região de Saúde de Bragança, reclamando uma intervenção. Um dos primeiros resultados práticos foi o destacamento, em 2008, de equipas de psicólogos, terapeutas da fala e ocupacionais em todos os Centros de Saúde.
“Essa primeira parte ficou feita, mas havia uma outra que, enquanto técnica, eu podia ajudar directamente, já que os pais diziam não ter formação, nem informação relativamente à deficiência, para além de sentirem pouca sensibilidade por parte dos médicos em realizar o diagnóstico”, explica a mentora da Leque, que, numa primeira acção, deu formação a “médicos, enfermeiros e psicólogos sobre como passar um diagnóstico”.
Nesse mesmo ano, Celmira Macedo lança o projecto de formação parental que viria a ser a base sobre a qual a Leque foi erguida, a Escola de Pais.nee (Necessidades Educativas Especiais).
“O carácter inovador da nossa escola de pais é que só depois de terem a informação é que os pais recebem a formação”, sustenta, explicando: “Enquanto as escolas de pais já existentes trabalham, essencialmente, o reforço das competências parentais, este projecto incide primeiro na educação para a diferença, depois na educação emocional e só depois na educação parental”.
Está-se em 2009 e Bragança recebe a primeira Escola de Pais.nee, com um grupo de 20 pais, “e é nesse contexto que surge a ideia de fundar uma associação que, para além destas coisas todas, pudesse ir dando alguma resposta às falhas existentes”, recorda Celmira Macedo, lembrando que não existiam serviços de reabilitação, nem de apoio à população com mais de 18 anos, em especial, na zona sul do distrito, “onde não existia nada”.
Em meados de 2009 nasce, então, a Leque – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Necessidades Especiais, que com a cedência por parte da autarquia de Alfândega da Fé do edifício da antiga Casa do Povo se sediou na vila, a primeira do género na zona sul do distrito.

OS «LEQUES»

Dois funcionários e 12 voluntários, número que, por vezes, chega à meia centena, asseguram o funcionamento da instituição, que em Outubro de 2011 se instalou na antiga Casa do Povo, passando a receber 17 utentes, que a presidente prefere que sejam chamados de “leques”.
Os 17 «leques» têm entre 12 e 60 anos, cinco dos quais em idade escolar. Por terem currículo específico individual, estes jovens no tempo das aulas fora desse currículo, em vez de o passarem na escola sem fazer nada, aproveitam-no na instituição.
“Os outros todos, maiores de 18 anos, estavam em casa. Não tinham nada que os ocupasse, nem tinham nenhum tipo de acompanhamento, a não ser o do médico de família”, sublinha, acrescentando: “A Leque é a única coisa que os pais desta zona têm e só recebe 17 utentes… e os outros? Temos uma lista de espera, especialmente de pessoas dos concelhos limítrofes”.
Através da instituição, os «leques», agora, fazem balneoterapia, terapia psico-pedagógica, BTT ou asinoterapia o que “não há em nenhum outro ponto do distrito”.
Apesar disto, a Leque não tem Acordo de Cooperação com a Segurança Social. “Não sabemos porque ainda não conseguimos, já entregámos toda a documentação necessária em Janeiro de 2011, mas parece que foi má altura com a crise… Estamos a aguardar!”, lamenta Celmira Macedo.

PROJECTOS EM MARCHA

Os dois grandes projectos que a Leque já tem em marcha são a fábrica dos materiais inclusivos e o Centro de Noite, mas há sonhos maiores e mais inclusivos ainda.
Conseguindo fazer vingar a sua ideia no Bootcamp de Empreendedorismo Social, em Vila Real, em Setembro de 2011, Celmira Macedo e a Leque vão poder concretizar o projecto de produção de materiais inclusivos.
“Esse é um sonho antigo... Andei de escola em escola, contactei centenas de famílias e notei que não existem materiais específicos, principalmente para a aprendizagem da leitura e da escrita para estas populações”, refere, explicitando: “A ideia chama-se Brinca.nee e consiste nuns cartões de aprendizagem do alfabeto que têm a grafia normal, a língua gestual e o Braille, que permitem ensinar em simultâneo uma criança cega, uma surda e uma sem limitações”.
Agora o projecto vai dar os primeiros passos, através de uma empresa social, mas o objectivo é uma fábrica própria da Leque.
“O projecto do Centro de Noite já está em marcha”, diz entusiasmada, explicando que os 50 mil euros do Prémio da Fundação Manuel António da Mota [ver caixa] são determinantes, mas não chegam…
“O dinheiro do prémio é muito pouco para fazer um Centro, mas a ideia é reutilizar o antigo Centro de Saúde, que já tem algumas adaptações. Penso que até Junho de 2012 já poderemos estar a funcionar”, revela com satisfação.
Com pouco mais de dois anos de existência, a Leque mostra dinamismo e já tem obra para mostrar, mas Celmira Macedo quer mais.
“Há vários sonhos que a Leque tem… Um deles é abrir filiais em vários pontos do distrito, outro é criar aquilo que ainda não existe no País, que é um condomínio de reabilitação, ou seja, um condomínio fechado com um centro de apoio e reabilitação e pequenos apartamentos, em que estarão os pais idosos e os filhos com limitações”, revela Celmira Macedo, que, de tão atarefada, apenas neste mês de Janeiro vai entregar a tese de doutoramento.

PRÉMIO MANUEL ANTÓNIO DA MOTA

A Leque foi a grande vencedora do Prémio Manuel António da Mota de 2011, galardão que distinguiu quem, na opinião do júri, mais se destacou na acção social voluntária e que tem o valor pecuniário de 50 mil euros.
“É o reconhecimento do nosso trabalho. Começámos sem dinheiro, mas não foi por isso que não decidimos avançar e o prémio veio reconhecer essa nossa filosofia de vida”, refere a alma da Leque e sua presidente, Celmira Macedo, que destaca: “Estamos a apresentar respostas sociais que outras instituições, algumas que têm o dinheiro, não apresentam. Não é por não termos dinheiro e técnicos pagos que não fazemos as coisas. E este prémio veio publicamente reconhecer o nosso valor como instituição de solidariedade social, porque a solidariedade e a cidadania é isto que fazemos todos os dias”.
A satisfação de Celmira Macedo é transbordante e bem visível nas palavras e no brilho que os seus olhos irradiam, tendo o mesmo acontecido com os 17 utentes da instituição que, “apesar de não saberem muito bem o que era o prémio, ficaram felicíssimos”.
“Em termos institucionais dá-nos visibilidade, divulga o nosso trabalho a nível nacional e vem dar-nos o valor que, muitas vezes, não nos é dado a nível regional e local, porque santos da casa não fazem milagres… E vem dar-nos muita força e alavancar uma energia que estava a esmorecer um pouco também pela morosidade da celebração do acordo com a Segurança Social”, sustenta Celmira Macedo, que remata: “Foi fantástico”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-01-30



















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