O sucesso da filosofia de integração da CERCIFAF, de que Luís Gil Roque é o grande impulsionador, valeu-lhe a distinção, no final de 2011, por parte da Assembleia da República. Na cerimónia de entrega da medalha de ouro comemorativa do 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o psicólogo dedicou-o à família, esposa e filhos, que nas suas palavras, são os que mais têm sofrido com a sua completa dedicação ao projecto que abraçou há quase um quarto de século.
Para os deputados, Gil Roque é merecedor do prémio «pelo sucesso do trabalho desenvolvido na CERCIFAF, ao longo de 23 anos, em prol da integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho».
Em conversa com o SOLIDARIEDADE, o psicólogo que lidera do ponto de vista técnico a instituição de Fafe considera que a grande obra da instituição foi fazer ver à população local, em geral, e aos empresários, em particular, das virtudes das pessoas portadoras de deficiência e, em especial, na afirmação dos seus direitos.
“O principal trabalho que fizemos e a grande conquista é os empresários já terem percebido que é possível e real a integração de pessoas com deficiência, que trabalham tão bem ou melhor quanto as outras pessoas”, começa por afirmar Gil Roque, que ressalva: “É certo que depende dos casos, mas os empresários já têm
essa consciência. Há deficientes que são muito trabalhadores, mas também há os que são calaceiros como as outras pessoas… Agora, com os contextos claramente definidos e apoiados, eles são bons, isso é ponto assente. A própria cidade já percebeu que isto aqui não é a caridadezinha e eles não são uns coitadinhos. Essa foi a nossa grande luta, a afirmação na cidade do direito da pessoa com deficiência”.
Com a taxa mais elevada da Europa no tocante à integração de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, a CERCIFAF orgulha-se bastante dos cerca de 250 integrados em empresas do concelho.
“Na formação profissional, a instituição tem uma média de 60 formandos, mas o que é espectacular são os cerca de 250 integrados nas empresas dos concelhos. Daí a história da medalha que me foi atribuída no Parlamento, porque temos a maior taxa de integração da Europa”, sustenta, com grande satisfação, o psicólogo, que há 23 anos apostou em que a CERCIFAF trilhasse este caminho.
RECONHECIMENTO EMPRESARIAL
Luís Gil Roque explica como tudo começou e qual os princípios adoptados pela instituição para que hoje seja reconhecida por todos, seja Estado e congéneres, seja a população de Fafe e a sua comunidade empresarial.
“A génese da CERCIFAF assentou em três princípios fundamentais: um dimensionamento adequado e, mesmo assim, crescemos mais do que o que gostávamos; empatia e colaboração com a comunidade em que estamos inseridos, e este cumprimo-lo desde 1978, sendo que hoje a CERCIFAF é, de facto, uma força da cidade, com prestígio e como entidade que se respeita e se faz respeitar; e o respeito pela individualidade da pessoa, a defesa dos direitos da pessoa com deficiência e o fazer com que cada um vá o mais longe
possível”, explana o psicólogo, especificando: “Temos uma visão holística das pessoas, ou seja, tentamos responder em todos os quadrantes da pessoa e tentamos que cada um crie o seu próprio projecto de vida e vá o mais longe possível. Há como que uma individualização de percursos e de metodologias”.
Integrar a pessoa com deficiência, e no caso da CERCIFAF não se trata apenas de pessoas com deficiências intelectuais, no mercado de trabalho e na comunidade, dando-lhe a autonomia possível, mas assegurando-lhe apoio para tal, é a filosofia da instituição. E o responsável técnico pela instituição de Fafe enfatiza esta questão, porque há exemplos de instituições que optaram por outros caminhos, alguns dos quais, na sua opinião, “perigosos”.
“Há instituições que cresceram sem perspectiva de integração e um exemplo disso é a APPACDM de Viana do Castelo, que apostou em que a maior empresa do concelho fosse uma IPSS. Isso, do meu ponto de vista, é perigoso. E agora estão a pagar por isso, porque neste momento a APPACDM, em termos de volume e de pessoal, é a quinta empresa de Viana, tendo criado unidades de emprego protegido que depois é impossível sustentar”, argumenta Luís Gil Roque.
Na CERCIFAF a grande aposta e o princípio orientador da acção da instituição passa por “cada um ir o mais longe possível” e, nesse sentido, o psicólogo sublinha que foi feito “um grande combate à caridadezinha na cidade através de todos os meios, como a participação nas actividades da cidade e muitas outras que têm que ver com a afirmação da CERCIFAF na cidade”.
“Só é possível fazer integração se tivermos o reconhecimento de que o que fazemos, fazemos bem. Nessa perspectiva, e do ponto de vista da filosofia, não queríamos fazer uma grande instituição, e já é grande de mais, por força da pressão das tutelas, de quem sempre tivemos muito respeito”, sustenta, exemplificando: “Para além disto tudo, e apesar da parte da escola especial ir terminar, neste momento o Ministério da Educação paga-nos como Centro de Recursos para a Inclusão (CRI). Os nossos técnicos, actualmente, não estão a apoiar miúdos aqui na instituição, mas estão a dar apoio a mais de 100 crianças de 11 agrupamentos escolares dos concelhos, em terapia da fala, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, serviço social e mais. Actualmente, temos 73 funcionários dos quais 18 são licenciados, o que não é a norma das IPSS. A esse nível, a CERCIFAF tem encargos com salários muito elevados e a sustentabilidade é uma questão que nos está a preocupar, aliás como a todas as outras instituições”.
RESPOSTA EM TODAS AS VALÊNCIAS
Quando nasceu em 1978, a CERCIFAF tinha como principal missão a escolarização das crianças portadoras de deficiência. Gil Roque destaca ainda o facto de os utentes da CERCIFAF não serem apenas portadores de deficiência mental.
“A nossa população tem, fundamentalmente, deficiência intelectual, mas temos excepções. O facto de sermos uma instituição de Fafe não é a mesma coisa do que ser do Porto, onde há uma instituição para a
paralisia cerebral, outra para os cegos e outra, por exemplo, para os surdos. Aqui não, esta é uma instituição que é única para uma vasta região. É uma resposta a seis concelhos, que abrange as áreas de influência dos Centros de Emprego”, sublinha, explicando: “Fafe ficou com Vieira do Minho e Póvoa de Lanhoso, pelo que temos miúdos destes três concelhos e ainda dos concelhos de Cabeceiras, Celorico e Mondim, que entretanto passaram a integrar o Centro de Emprego de Basto”.
E, neste contexto, a CERCIFAF tem as valências todas, desde a intervenção precoce, que é dos zero aos seis anos, a escola, a formação profissional, o Centro de Actividades Ocupacionais e as unidades residenciais.
“Actualmente, em Fafe damos resposta dos zero anos à morte e temos população dos vários tipos de deficiência”, realça o psicólogo, para explicar a complexidade da acção da instituição.
Relativamente à Intervenção Precoce, a instituição está abrangida pelo novo diploma da intervenção precoce que preconiza uma resposta dada pelos três ministérios – Saúde, Educação e Segurança Social – e ainda uma instituição e, nesse âmbito, a CERCIFAF trabalha com 65 crianças, dos zero aos seis anos, de Fafe, Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto.
Já no Centro de Actividades Ocupacionais, a instituição fafense tem acordo com a Segurança Social para 60 utentes, mas são 80 os frequentadores. Em termos de unidades residenciais, a instituição tem uma residência para 20 utentes e ainda uma residência autónoma com mais oito.
E neste particular, a CERCIFAF está a avançar ainda com um terceiro projecto, um modelo inovador, que designa por vida autónoma na cidade e para o qual está a tentar um acordo com a Segurança Social.
“Neste terceiro projecto que defendemos, o de vida autónoma na cidade, estão mais 12 pessoas. Por estarem a trabalhar e terem o seu dinheiro, estes utentes resolveram viver fora das respostas instituídas, mas a quem damos um apoio de supervisão. Isto é um projecto que apresentámos à Segurança Social como uma resposta economicamente muito mais vantajosa”, sustenta o psicólogo, justificando: “Uma unidade residencial, no sector da deficiência, custa à Segurança Social 900 euros/mês por utente. Por qualquer um destes 12 utentes, se estivessem numa residência, o Estado pagaria 900 euros/mês e desta forma custa zero. No entanto, propomos que custe alguma coisa, ou seja, um técnico para fazer supervisão… Estas pessoas têm possibilidade de viver na cidade se forem acompanhadas, porque podem perder-se se não tiverem ninguém por trás. Actualmente, a CERCIFAF tem esse apoio porque eu resolvi assumir esse papel… Eu só tenho o domingo à tarde para mim… Agora já nem desligo o telemóvel, porque são os próprios jovens que dizem que ao domingo ninguém me pode ligar”.
O FIM DA ESCOLA ESPECIAL
A CERCIFAF nasceu da ideia e da necessidade de criar uma escola especial para crianças afectadas por várias incapacidades. Curiosamente, a valência que foi o embrião da instituição está prestes a extinguir-se, estando o seu fim agendado para 2013, fruto das opções políticas portuguesas, que, no fundo, seguem o princípio defendido na Europa, que defendem a, chamada, escola inclusiva.
“O modelo português, que é também o modelo europeu, os meninos vão todos à escola regular e, depois, há que minimizar os efeitos…”, começa por referir Luís Gil Roque, que apesar de ser a favor do modelo, levanta
algumas reservas: “Isto é discutível, mas é um problema de filosofia. Eu sou a favor da escola inclusiva, portanto acho que uma grande parte destes miúdos pode ser apoiada dentro da própria escola. Mas acho que é uma parte, enquanto o Ministério da Educação e a Europa dizem que são todos… Depois é só desgraças, mas isso é outra história!”.
O psicólogo, que está na instituição desde a sua criação, sublinha o facto de “na resposta com que a instituição começou e que sempre teve, a escola especial, é a que vai deixar de ter”.
Aliás, como centro educacional, a instituição de Fafe já só tem seis crianças, que terminam em 2013, pelo que “está formalmente decretado que em 2013 acaba a educação na CERCIFAF.
“A CERCI é uma Cooperativa de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas e agora… não tem crianças! Agora deixámos de ter crianças, ou melhor, temos crianças mas nunca na instituição. Há respostas da instituição que são pontuais, como as respostas terapêuticas pelos recursos que temos, como a sala de snooze até à sala de psicomotricidade, e que porque alguns pais trazem cá as crianças, porque normalmente estas respostas são dadas nos contextos das crianças”, explica Gil Roque, que sustenta a propósito desta profunda mudança: “Do ponto de vista dos princípios e da filosofia tenho que estar de acordo, porque há uma série de miúdos com deficiências mentais ligeiras e moderadas que podem perfeitamente estar na escola, mas com os
problemas graves e os deficientes profundos não é bem assim. Depois, estão na escola regular numa salinha ao lado, o que, na minha opinião, estão muito mais segregados do que nas instituições. Mas isso já é um problema de filosofia e até de terminologia, ou seja, o que é que é isso da integração? Se a integração fosse um problema de decreto, estava tudo resolvido, o problema é que não é, porque a integração é um problema de atitude. O que do ponto de vista dos movimentos para a integração e a inclusão se convencionou dizer que a escola especial é uma escola segregadora, é uma treta. Eles só não fogem daqui da instituição porque não querem, não temos muros e não temos nada, para além de que é uma instituição que vive permanentemente na cidade”.
Para o futuro, Luís Gil Roque deseja apenas a consolidação de todo o trabalho que tem sido feito na CERCIFAF ao longo de quase 34 anos de vida, tendo como grande objectivo, “porque é sempre possível, melhorar a qualidade de vida dos utentes”.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
Data de introdução: 2012-03-26