A VOZ DO OPERÁRIO

Idosos em centro de convívio é envelhecimento activo

Se há instituição que nasceu do seio e para os que não tinham voz, os carenciados e os mais desfavorecidos da sociedade essa é… A Voz do Operário. Primeiro como jornal, depois como Sociedade Cooperativa e, finalmente, como Sociedade de Instrução e Beneficência «A Voz do Operário». Está-se em 1883, portanto há 129 anos. E é precisamente há esse tempo que a instituição tem assumido um papel fundamental no tecido social da cidade de Lisboa, bem incrustada no seu coração, mais concretamente junto ao Largo da Graça.
“A Voz do Operário é uma instituição central e estruturante do trabalho comunitário e social que se faz nesta parte da cidade. É impossível passar ao lado d’A Voz do Operário quando se desenvolvem actividades de carácter social e comunitário nesta zona da cidade”, frisa Vítor Silva, chefe dos Serviços de Acção Social da Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário.
Com especial vocação para o ensino, onde, desde sempre, os educadores e professores baseiam a sua prática pedagógica no Movimento da Escola Moderna.
Na instituição procura-se um ensino activo e estimulante, capaz de envolver os alunos nas tarefas e nos processos de construção do conhecimento, despertando-lhes o gosto pelo aprender. Como é explicado pela instituição, acredita-se que «os alunos devem ser ouvidos e devem ser participantes no seu próprio processo de aprendizagem», ao mesmo tempo que se pratica o conceito de Escola Inclusiva. «Para todos queremos uma vivência escolar de sucesso a todos os níveis, para que os adultos que venham um dia a ser recordem, com satisfação, a criança que foram e a escola que tiveram”.
E bem se pode dizer que essa satisfação é um facto, pois muitos dos frequentadores das valências para a Terceira Idade da instituição, em muitos casos foram antigos alunos, alguns ex-funcionários, mas a praticamente todos é comum o facto de “A Voz do Operário ser, desde sempre, uma referência nas suas vidas”, explica Carlos Moura, vice-presidente da Direcção.
“Muitas destas pessoas estudaram cá, ou foram cá funcionárias, ou têm uma relação com A Voz do Operário antiquíssima… São pessoas que conhecem A Voz do Operário desde sempre, são sócias, tiveram cá os filhos, tiveram cá os netos e agora vêm elas… Há uma ligação de longo tempo com A Voz do Operário”, argumenta Vítor Silva, dando conta de uma mudança: “Hoje, e de há um ano para cá, temos vindo a alterar, e de um modo positivo, esse padrão e estamos a conseguir trazer pessoas, que conhecendo «A Voz» não tinham esta relação com a instituição, mas estão a passar a ter. Quando para aqui vim, as pessoas que aqui estavam sempre aqui tinham estado, isto fazia parte delas, mas hoje já há pessoas que nunca se tinham relacionado com «A Voz», mas ouviram falar, leram algures, tomaram conhecimento que havia aqui um Centro de Convívio, onde há actividades, e começaram a vir”.
O Centro de Convívio acaba ainda por angariar frequentadores através do Serviço de Apoio Domiciliário, a outra resposta social para a terceira idade da instituição, como explica Vítor Silva: “O Serviço de Apoio Domiciliário também tem trazido algumas pessoas, especialmente aquelas que têm mais mobilidade e autonomia, e também pessoas que procuram apenas algum apoio, mas que não têm perfil para o Serviço e que acabam por vir para o Centro de Convívio”.

ENVELHECIMENTO ACTIVO

É conhecido o elevado número de idosos que vivem sós e, muitos já com pouquíssima autonomia e/ou mobilidade, em especial nas grandes cidades. E A Voz do Operário cobre uma área que abrange uma das zonas mais antigas, mas também mais empobrecidas, da capital portuguesa, mas onde o sentimento de vizinhança ainda vai resistindo. O auxílio aos mais velhos, que são, por outro lado, muitas vezes renitentes em abandonar os seus lares, é fundamental e A Voz do Operário presta-o através do Serviço de Apoio Domiciliário e do Centro de Convívio. Em paralelo, para sócios, mas, na maioria, de porta aberta à comunidade, a instituição ainda tem uma farmácia, refeições ao domicílio, um posto médico e um balneário público, uma das primeiras respostas sociais que a «A Voz» deu após a sua fundação.
Em Ano Europeu do Envelhecimento Activo bem se pode dizer que a instituição lisboeta o promove activamente, uma vez que as duas principais valências para idosos exigem uma certa autonomia dos mesmos.
No Centro de Convívio de Reformados e Idosos, todas as tardes de segunda a sexta-feira, reformados, pensionistas e idosos preenchem os seus tempos livres com actividades várias. No passado mês de Março decorreu um curso de Arraiolos, ministrado voluntariamente por uma sócia da instituição, mas também a participação num ateliê de dança promovido pela Junta de Freguesia de S. Vicente de Fora.
“Temos algumas pessoas voluntárias, já com uma certa idade, mas com um dinamismo brutal e que vêm desenvolver as actividades”, refere Vítor Silva, acrescentando: “Nós promovemos o envelhecimento activo através do Centro de Convívio e do Serviço de Apoio Domiciliário, ou pelo menos tentamos, mas desenvolver actividades específicas torna-se um pouco difícil por falta de condições materiais. A assunção de que isto são actividades que pretendem que as pessoas utilizem gratuitamente, ou quase, implica que haja apoios e estruturas que apoiem… E as dificuldades que vivemos não nos permitem almejar coisas que são ideias e projectos”.
Actualmente frequentam o Centro de Convívio “uma média de 17 pessoas diariamente”, conta Vítor Silva, referindo ainda: “Num Centro de Convívio não se vai buscar as pessoas a casa, vem quem quer… O número de pessoas no Centro de Convívio é muito volátil. Se há actividades está muita gente, se não há está menos, se chove vem muito menos gente… Por vezes é difícil programar actividades, porque o número de utentes é muito variável”.
Sobre os frequentadores do Centro de Convívio, Vítor Silva é claro: “São pessoas, na sua generalidade, desta zona, mas também de freguesias mais distantes, pois são pessoas com um nível de autonomia ainda bastante alto e com o dinamismo próprio de pessoas que vêm para conviver. Em termos de estatuto sócio-económico são pessoas com dificuldades, tem reformas baixas, mas que ainda têm boa capacidade de se integrar em actividades, em criar dinâmicas, em fazer novas amizades, em partilhar socialmente. E o Centro de Convívio depende disso, porque as pessoas vêm por que querem, porque estão motivadas. Em termos económicos, a característica desta zona é de pessoas com rendimentos baixos”.
É portanto, na acção quotidiana que a instituição faz por promover o envelhecimento activo, o que na instituição ganha uma dimensão inter-geracional, devido à presença permanente de muitas crianças.
“É uma abordagem que não é preparada, faz parte da dinâmica da instituição. A instituição faz anos, é Natal, é dia da Mulher, é dia do Idoso, ou outra efeméride qualquer, e então faz-se um lanche especial na cantina onde vão todos e onde se dizem uns poemas e os pequenos cantam umas cantigas. Por vezes, os projectos de turma incluem temas que têm que ver com este contacto com os mais velhos”, sustenta Vítor Silva, ao que Carlos Moura acrescenta: “O facto de haver uma proximidade física, não serem estruturas estanques, facilita o contacto entre as várias gerações. Ao contrário do que acontece noutras instituições, em que há uma divisão física e depois há a procura intencional desse contacto, não é o que acontece aqui. Isto acaba por ter as vantagens de ser algo que acontece naturalmente. Em termos daquilo que se procura neste tipo de contactos acaba por ser muito mais produtivo do que com outro tipo de realidades”.
Questionado quanto à possibilidade de medir as vantagens desses contactos, Vítor Silva dá uma resposta mais empírica, uma vez que esses dados não estão a ser avaliados na instituição.
“Não estabelecemos indicadores nesse sentido, mas temos a percepção de que é muito positivo, tanto para as crianças como para os idosos. Depois penso que é muito agradável para quem, na maioria vive sozinho, estar num espaço em que se ouvem crianças, uma vez que o espaço do ATL é paredes meias com o Centro de Convívio”, argumenta o responsável pela Acção Social, revelando: “Este contacto directo tem uma grande adesão e grande motivação por parte dos idosos… Do lado das crianças, apesar de não ser a pessoa mais indicada para falar, penso que o próprio modelo pedagógico que a instituição promove, o pensamento crítico e a capacidade de olhar para os outros, promove-lhes uma capacidade de olhar e conhecer o outro muito maior. São relações muito diferentes daquilo que é o normal… Em minha opinião, este contacto traz grandes mais-valias a ambos”.

PROJECTO MAIS VASTO

Para além do Centro de Convívio, A Voz do Operário tem a resposta social do Serviço de Apoio Domiciliário, auxiliando 37 idosos, apesar de o acordo de cooperação ser apenas para 25.
“Este é um serviço que abrange, essencialmente as freguesias da Graça e de S. Vicente de Fora, uma condicionante do início do projecto, em 2005, mas há serviços de outras instituições a cobrir a cidade”, refere Vítor Silva, ao que Carlos Moura acrescenta: “A Voz do Operário acaba por tocar muito mais freguesias do que apenas estas duas”.
A resposta dada pel’A Voz do Operário é, no entender destes responsáveis, fundamental, mas escassa.
“Haveria utentes para justificar a criação de um outro centro de dia, a par do que já existe aqui de uma outra instituição”, argumenta Vítor Silva.
A actual Direcção da Sociedade de Instrução e Beneficência tinha no seu plano de acção a criação de um Lar Hospital de Cuidados Continuados, mas a situação económica da instituição e do País obriga a adiar o projecto.
“A actual Direcção continua empenhada na sua criação, mas não tem sido fácil… O projecto que havia anteriormente, por razões diversas, não pôde seguir em frente. Era um projecto mais ambicioso do que o que existe actualmente, no entanto, continua a haver a ideia de o concretizar porque há necessidade, uma vez que estamos numa zona em que existe uma população muito envelhecida e continua a fazer sentido haver um apoio deste tipo. Para além de que há poucas estruturas deste tipo aqui na zona”, sustenta Carlos Moura, argumentando: “Surgiram dificuldades várias, primeiro em conseguir fazer avançar o projecto em tempo útil para conseguir os apoios necessários, ao PARES, e, neste momento, porque as soluções que estão em estudo e em conversações também não avançam rapidamente. Estes processos são muito mais morosos do que aquilo que se pensa inicialmente e do que a necessidade exige, nomeadamente numa situação em que o País se encontra hoje. A necessidade continua a pôr-se, é cada vez mais premente, porque cada vez a população vai estando mais envelhecida e mais abandonada, no entanto, todos os nossos parceiros têm dificuldades económicas. É um projecto para levar adiante, disso não temos dúvidas, agora vamos ver quando é que se consegue calendarizar”.
Esta ideia é reforçada por Vítor Silva, cuja intervenção no processo seria posterior, ou seja, na implementação do serviço: “O projecto Lar por dificuldades que atingem as instituições todas e a nossa não é excepção acabou por parar, mas é nossa intenção em parceria com a Liga dos Amigos dos Hospitais criar uma estrutura, que é um lar residencial nesta abordagem de cuidados continuados… Agora ninguém tem perspectiva de quando. Há vontade, há motivação, há intenção, há condições, mas outras dificuldades também que inviabilizam para já a sua concretização”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-04-05



















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