MARCO ANTÓNIO COSTA, SECRETÁRIO DE ESTADO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL

Em tempo de crise governo delega nos parceiros sociais

SOLIDARIEDADE - Como é que o governo vai pôr em prática a multiplicação das cantinas sociais?
MARCO ANTÓNIO COSTA - As cantinas sociais inserem-se no âmbito do Plano de Emergência Social, num programa de emergência alimentar, e estão previstas no acordo de cooperação que celebrámos com o sector social e solidário para o ano 2012. As cantinas sociais visam fundamentalmente fazer chegar às pessoas, que precisem, apoio alimentar, de uma forma desburocratizada, simplificada, mas também preservando a confidencialidade do acesso a esta resposta social e também o sigilo absoluto da relação de pessoas que acedem a esta resposta social.

É para abarcar a designada pobreza envergonhada?
É para abarcar todas as pessoas que, fruto da conjuntura social e económica que o país vive e que afecta a vida das famílias e a vida de cada um, precisem desta resposta e que não sintam qualquer constrangimento em poder aceder-lhe. Nesse sentido, aquilo que nós decidimos foi criar uma resposta que assenta nos parceiros institucionais que estão no terreno, as IPSS. Assenta numa lógica de não construirmos mais equipamentos, nem estarmos a gastar dinheiro em mais infra-estruturas, mas rentabilizar a capacidade instalada. Portanto, nós vamos passar de uma rede actual de cerca de 60 pontos no país para mais de 960 pontos em todo o território nacional, incluindo as ilhas, de forma a dar uma cobertura completa sob o ponto de vista geográfico. A lógica é contratualizar com as instituições, como contratualizámos o apoio domiciliário, as creches, centros de dia, convívio... Permite que as IPSS, no conhecimento que têm da realidade do terreno, no conhecimento que têm de proximidade, das necessidades que determinados segmentos da população hoje exibem, sejam um parceiro estratégico. Têm uma noção mais exacta, mais rigorosa de como ajustar esta resposta no terreno. Aquilo que iremos fazer é uma contratualização directa com o sector social e as IPSS, sem fazer nenhum tipo de triagem, através do Instituto da Segurança Social ou do Governo.

Normalmente para aceder a prestações sociais, a subsídios, as pessoas têm que fazer uma caracterização sócio-económica. Neste caso, já tem ideia de como as pessoas se podem candidatar?
Obviamente que há condições de recurso de acesso a esta prestação, mas mais do que a condição de recurso formal, aquilo que conta é o conhecimento material que as IPSS têm. Portanto, nós não fizemos um ajustamento de tal ordem formal que cortasse a liberdade de avaliação por parte das instituições sociais. Não podemos esquecer que hoje há pessoas que apesar de terem uma situação aparentemente boa, sob o ponto de vista económico e financeiro, na verdade estão a passar por algumas dificuldades sociais. Temos que acreditar, temos que confiar, temos que apoiar-nos naqueles que, no terreno, têm esse conhecimento directo das circunstâncias. O contrato está desenhado em parceria com o sector. Foi construído em conjunto com a União das Misericórdias, com a CNIS, à cabeça, e com a União das Mutualidades. Toda a actuação do governo, desde que tomámos posse, assenta num princípio de parceria com o sector social e solidário, no respeito da sua opinião, no respeito do seu conselho, e nunca há a formalização de medidas finais. Isto não constitui uma desresponsabilização, os responsáveis somos nós, o senhor ministro e eu próprio, pelas decisões que são tomadas, mas nunca tomamos decisões finais sem ouvir o bom conselho do sector solidário e social. Também aqui aconteceu isso. Não é uma resposta que acrescente custos infra-estruturais, organizacionais, mas que é simples na sua conceptualização e na sua concretização. Rentabiliza toda a disponibilidade dos 50 milhões de euros que já alocámos para este fim, para ser transformado em apoio directo às pessoas. Esta é a nossa grande preocupação.



De certa forma, esta medida, contrasta com o rigor, por exemplo, em relação ao rendimento social de inserção. É normal que muitas das pessoas que estão abrangidas pelo rendimento social de inserção recorram a esta nova resposta…

Eu diria que há muitas pessoas que não estão no RSI que terão necessidade de aceder a esta prestação. O rigor que quisemos introduzir no RSI não é um rigor com base em qualquer acrimónia, relativamente a esta prestação. Não. Trata-se de uma necessidade de ajustamento de uma prestação social que exige centrar todo o seu esforço numa lógica de chegar às pessoas que efectivamente mais necessitam. É incompreensível que pessoas que têm bens imóveis ou que têm bens móveis acima de um determinado valor acedam a esta prestação social. É incompreensível, que por falta de rigor nos pressupostos formais de acesso à prestação, algumas pessoas que, porventura necessitam, não conseguem aceder a ela. Não queremos que haja assistencialismo nesta prestação. Queremos que seja uma prestação verdadeiramente de integração social assente num contrato celebrado entre o Estado e o cidadão. Passa por nós fazermos depender toda a prestação da assinatura deste contrato apoiado num projecto de vida, de intervenção e de integração social para as pessoas que recorrem a este meio. É incompreensível que muitas pessoas não estejam, por exemplo, registadas e integradas no centro de emprego, estando em condições para isso. Que não estejam integradas em acções de valorização pessoal. Repare que isto não é dizer que as pessoas têm que trabalhar para terem a prestação. As pessoas têm que ser valorizadas, têm que ser encaminhadas para acções de formação, de capacitação pessoal, para acções de formação profissional, para acções de trabalho socialmente necessário ou para actividades socialmente úteis.

O aumento de rigor é também uma questão de poupança? O custo anual passou de duzentos e poucos milhões de euros para quinhentos milhões em pouco tempo…
Não nos move uma questão meramente económica. É importante que haja rigor, que haja um enorme controlo relativamente à maneira como se gasta o dinheiro do Estado, mas a preocupação central é limitar o acesso a esta prestação a quem efectivamente precisa, ponto número um; ponto número dois; combater a fraude que possa existir em algumas destas áreas.

E tem ideia que a fraude é elevada?
Havia relatórios que apontavam para cerca de 20%. A nossa convicção é que estamos a reduzir gradualmente essa possibilidade. E para além disso, é preciso que se perceba que o RSI não é uma condição de vida ilimitada, é uma prestação temporária que deve ajudar. Sabemos que também, simultaneamente, haverá uma diminuição da despesa que hoje temos com o rendimento social de inserção. Em 2010 gastava-se mais de quinhentos milhões de euros. Este ano, iremos fechar o ano com menos de trezentos e setenta milhões de euros. Mas, reduzir a despesa não é o objectivo central.

Este governo percebeu que a flexibilização das normas das IPSS permitia alargar o número de respostas sociais, sem custos. Até onde o governo está disposto a ir nessa matéria?
Até chegarmos ao total e absoluto respeito, mútuo, entre a rede social e solidária e o Estado. O governo não se pode comportar, nem a segurança social, como instituição patrão do sector social e solidário. Isso é uma falta de respeito para com a sociedade. O governo e a segurança social, têm que se comportar como parceiros efectivos em toda a sua dimensão com o sector social e solidário. É essa confiança, a vontade de conquistar essa confiança, este respeito e este espírito de parceria. Isso resultou, por exemplo, na regulamentação do licenciamento de equipamento sociais, simplificando, desburocratizando e, acima de tudo, criando uma relação de maior respeito do Estado para com as instituições. Foi a primeira iniciativa legislativa do Ministério da Solidariedade. A segunda teve a ver com o sector de infância, as creches. Alterámos os rácios e alterámos o conceito, alargando a possibilidade de mais 20 mil crianças acederem a creches, com os equipamentos que já existem, sem construirmos mais nenhuma creche e garantindo sempre segurança para os utilizadores destes equipamentos e qualidade do serviço prestado. Agora nas respostas para a 3ª idade, também demos um grande salto positivo quer com a legislação que saiu para os lares residenciais, resposta em lar, em que aumentamos as capacidades sem colocar em causa a qualidade e a segurança, quer também com a resposta que estamos a construir para as soluções de centro de noite.

A crise acaba por ser uma oportunidade… O Ministério da Solidariedade está a fazer apostas em respostas mais personalizadas, como é o caso do apoio domiciliário, é isso?
É fazer 3 em 1. Primeiro, pegar na rede de equipamentos que existe e dar-lhes o máximo de aproveitamento e utilização a favor de quem precisa, garantindo a qualidade e a segurança. Em segundo lugar, ter uma lógica de promover uma flexibilização das regras de forma a garantir que a construção da solução final não seja talhada e formatada a partir da Praça de Londres, do Ministério, mas que sejam as instituições, face à situação concreta de uma vida, a moldar socialmente noutro caminho, terem espaço para actuar, não estarem asfixiadas por regras. E em terceiro lugar, o Estado português não se pode comportar como se fosse o Estado do Dubai. Não faz sentido haver regras equivalentes àquelas em que estados muito ricos querem aplicar, e depois fazer recair os custos dessas regras sobre as instituições.

O Estado reconhece que os serviços que as instituições prestam, e pelo qual paga cerca de 1,2 mil milhões, tem um valor efectivo muito maior. Mas, não se chegou já a um ponto de ruptura? As instituições não estão, neste momento, com um grave problema de sustentabilidade económica?
Eu acho que não há sector nenhum em Portugal em que a palavra sustentabilidade não seja hoje a palavra central. Quando alterámos as regras de licenciamento, as regras do número de vagas e dos requisitos necessários para que essa vagas existam, estamos exactamente a construir soluções de sustentabilidade; quando flexibilizamos os princípios para a gestão estamos a dar condições para que as instituições possam adaptar, na sua gestão, novos modelos que vão no sentido da sustentabilidade. É verdade que aquilo que nós hoje contratualizamos, nós não pagamos, nós contribuímos com os impostos dos portugueses, porque este dinheiro vem dos impostos dos portugueses, com 1,2 mil milhões de euros para ajudar o trabalho que as instituições sociais fazem, um trabalho extraordinário. Se fosse o Estado a ter fazer este trabalho, seguramente custaria 3 a 4 vezes mais porque temos várias componentes a tomar em consideração. Há muito voluntariado, quer dos dirigentes, quer de muitas pessoas que dão parte significativa das suas vidas em desempenho nas IPSS; a sociedade civil, obviamente, sente-se mais envolvida, mais empenhada e mais solidária com as instituições; as IPSS têm sempre rácios de gestão melhores do que os do Estado. O caminho que temos que fazer é de aprofundamento desta contratualização, porque temos todos a ganhar.

Nesse sentido, nesta fase de transição em que já há muitas IPSS que estão com dificuldades profundas, que instrumentos de emergência é que estão a ser criados?
Deixe-me dar-lhe um exemplo muito concreto: nos últimos anos, de 2008 a 2010, foram contratualizadas e foram motivadas as instituições sociais a construírem novos equipamentos através dos programas PARES 1, 2 e 3. O Estado deu a entender às instituições que comparticiparia em cerca de 75% dos custos destes investimentos. A verdade é que mais de 600 instituições investiram mais de 400 milhões de euros e tiveram uma comparticipação do estado de 200 milhões de euros. Isto é, 50% do esforço do investimento que fizeram. Estas instituições, hoje, têm nas suas tesourarias, para serem pagos aos fornecedores de equipamentos, de construções, 200 milhões de euros. Para além disto, o Estado, de 2008 a 2010, ainda introduziu um conjunto de normas muito exigente, em matéria construtiva. Portanto, este processo de ajustamento tem que ser feito. É um processo em que nós também temos que prestar um apoio.

Que tipo de apoio?
Um apoio por duas vias: apoio institucional, ajudando as IPSS, e não deve ser a segurança social a fazer este trabalho, devem ser as confederações a ajudarem os seus associados a encontrar modelos de organização interna para ajustarem o seu funcionamento, para respeitarmos aquilo que é a sociedade civil, sem haver uma intervenção estatal. Estamos neste momento a negociar uma linha de 50 milhões de euros para apoiar as instituições que ficaram com os 200 milhões de euros nas suas tesourarias. Temos que responder aos casos mais urgentes e mais prementes. Mas, não vai ser nem o ministro nem o secretário de estado que irão escolher quais são as instituições que vão ser apoiadas. Também não vai ser o banco. Quem irá fazer esta selecção é uma comissão que tem, como elementos centrais, o representante da CNIS, o representante da União das Misericórdias e o representante da União das Mutualidades. Não pode ser gasto 1 euro neste sector sem que haja um absoluto acompanhamento a par e passo por parte dos representantes do sector para que saibam onde é que está a ser investido o dinheiro e de que maneira.



Onde é que entra o Fundo de Socorro Social?
É um fundo de emergência social, isto é, destinado a apoiar pessoas e instituições em situações de emergência. E também aqui mudámos as regras porque a partir do último acordo que nós celebrámos, com o sector, as confederações são chamadas a dar pareceres sobre a utilização deste fundo. Nós não somos donos de nenhum euro que está no orçamento da segurança social.

É uma relação diferente com as IPSS. É uma forma do governo se sentir muito mais acompanhado nas decisões que toma?
Não se consegue construir uma relação de confiança e de respeito com a sociedade sem se construir uma relação de confiança e de respeito com as instituições que representam essa sociedade no sector social, que são as IPSS e as Misericórdias. Sem isso é impossível.

Como é a sua convivência com o ministro Pedro Morta Soares, que é do CDS-PP? Como é que tem sido o entendimento político dentro do governo?
Perfeito. Não há nada que nos divida, há tudo que nos une no trabalho que temos feito. Não nos sentimos representantes dos partidos, sentimo-nos como membros de um governo que tem uma responsabilidade colectiva de não falhar e, depois, une-nos uma longa amizade pessoal, que facilita muito este trabalho do dia-a-dia. A responsabilidade que temos aos nossos ombros obriga-nos a que em momento nenhum haja qualquer tipo de divisão que ponha em causa o trabalho que temos para fazer. Temos uma actuação assente em princípios de pragmatismo na resolução dos problemas das pessoas e, acima de tudo, de procurar encontrar um consenso e uma concertação com os nossos parceiros do sector.



Governo ou presidência da Câmara Municipal de Gaia?
A resposta que dou a isso é cumprir com empenhamento e muito trabalho cada missão que temos em mão. Quando chegar a hora de ter de pensar nessas coisas, pensarei.

V.M.Pinto - texto e fotos

 

Data de introdução: 2012-04-05



















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