OCDP DE PAREDES

Sopa solidária servida por voluntária de 90 anos

Maria da Conceição de Sousa Moreira é o nome próprio, mas todos a tratam e conhecem por outras designações, consoante a confiança e, sobretudo, a proximidade. “Maria da Presa” é o nome da terra; “Avozinha” é o nome escolhido pelos mais novos; “tiazinha” é mais para os que ajudam na cozinha; “Tia Maria” por muitos dos que provam a sopa que ela costuma fazer todas as quintas-feiras, ao jantar, na Obra de Caridade ao Doente e ao Paralítico, em Paredes. Convém dizer, desde já, que a senhora de que estamos a falar, tem 90 anos, feitos no passado dia 27 de Março. Não parece, mas é verdade.
Maria Moreira é uma daquelas forças da natureza que não se verga ao peso dos anos, nem dá confiança às agruras da existência. Vive sozinha, por opção. “O meu filho está farto de me dizer para ir viver com ele, mas eu não gosto de incomodar ninguém…” Criou 14 filhos. 10 ainda estão vivos. Um homem e 9 mulheres, a mais velha com 70 anos, a mais nova com 45. São várias as opções para o caso de ficar dependente. Para já não é coisa que lhe passe sequer pela cabeça. Vive sozinha, rodeada por um quintal onde cultiva tudo o que precisa e o que não precisa. Costuma levar as hortaliças para fazer a sopa solidária das quintas-feiras na OCDP é há mesmo quem diga que esse é um dos segredos para fazer as delícias do caldo. Verónica Marinho, uma dirigente na Instituição, conhece os cuidados com que a Tia Maria trata as culturas caseiras e os animais e fica abismada com a genica da agricultora.
Há 29 anos Maria Moreira envolveu-se com a instituição por causa das promessas de ida a Fátima a pé. Transformou-se na cozinheira dos peregrinos e figura importante na organização e animação dos cortejos. Quando, há uma dúzia de anos, o sobrinho padre se transformou no presidente da Obra de Caridade ao Doente e ao Paralítico, Maria Moreira começou a ajudar, não só nas peregrinações que faziam a Fátima, mas no que fosse preciso. A iniciativa da sopa solidária surgiu nessa altura de quinze em quinze dias, mas depressa a instituição percebeu que tinha que ser semanal. “O meu sobrinho pediu se podíamos botar a mão para dar a sopa de quinze em quinze dias. Depois, passado um ano, perguntou se podia ser semanal e. Na reunião da direcção, a que eu pertenço, eu disse que sim e só pedi mais gente para ajudar. Olhe, até hoje… somos as mesmas.”
Para a Tia Maria as quintas-feiras são sagradas. Às duas e meia da tarde já anda a cirandar, a fazer os preparativos, a cortar a hortaliça, a descascar as batas e o feijão verde. À medida que se aproxima a hora do jantar as ajudantes vão preparando as sobremesas, o pão e põem a mesa. Já se sente o aroma da sopa da aldeia. Na cozinha a Tia Maria vai mexendo o caldo com uma colher de gigantes por entre a nuvem aromática que sai do enorme panelão. “Está pronta! Já só falta que cheguem os convidados. As carrinhas devem estar a chegar com eles.”
A Obra de Caridade ao Doente e ao Paralítico começou por fornecer material ortopédico aos mais desfavorecidos, mas actualmente assume-se como uma casa aberta às necessidades das pessoas do concelho de Paredes. A sopa solidária é servida a cerca de 60 pessoas, na maioria idosos, a quem a instituição oferece transporte. Parece um grupo que organiza um jantar semanal. Conhecem-se e tratam-se como amigos. Há relações que vão escamoteando as dificuldades. Muitos procuram alimento, mas todos querem matar a solidão. A companhia é um dos condimentos fundamentais da sopa da “Maria da Presa”.
A Tia Maria é um deles. Depois de servir a sopa a voluntária janta à mesa com “os seus convidados” e passa à condição de animadora social. Faz rir com as suas piadas e tiradas que às vezes saltam a cerca para o lado da malandrice. Ficam admirados com a energia da senhora “que já fez 90 anos” e continua a enganar a idade. A Tia Maria olha para os comensais com um sentimento de desgosto e alguma critica: “Alguns bem podiam trabalhar que ainda são novos e têm saúde…” Di-lo com a garantia de sentir que não podia ser como os que procuram o calor desta refeição semanal “até porque os filhos não deixavam.” Gosta de ajudar e faz o que pode e sabe para isso: “a gente não pode dar uma esmola sempre que nos pedem, que eu não sou rica. Mas, quando não posso dar a esmola dou o corpo ao manifesto.”
Frontal, sem papas na língua e com uma memória de fazer inveja. Maria Moreira recorda-se dos tempos em que crise tinha um sentido mais forte: “Crise? Isso era quando nem sequer tínhamos uma tigela de sopa e uma sardinha era para dividir por três. Não havia mimos. Hoje há muita crise, mas de pessoas que têm vergonha de vergar a mola.”
Aqui há dias fizeram-lhe uma festa de arromba. Cantaram-lhe os parabéns pelos 90 anos de vida e o sobrinho, o padre Feliciano Garcês, que é o presidente da OCDP, juntou a família e os amigos. Maria Moreira tem 10 filhos e 19 netos. Está viúva há 27 anos. “Sozinha? Sim. Mas só quando quero…”

V.M. Pinto ( texto e fotos)

 

Data de introdução: 2012-05-18



















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