Quando há 20 anos um grupo de brigantinos se juntou no sentido de realizarem algumas acções que atenuassem as dificuldades de vida de muitas famílias carenciadas que viviam na cidade, estavam longe de imaginar o que uma avaliação «in loco» pelos bairros da Bragança lhes revelaria. A situação era bastante grave e as duas acções levadas a efeito no ano de 1992, pela Páscoa e pelo Natal, revelaram-se, desde logo, aos olhos dos seus promotores como insuficientes.
Era preciso fazer mais, até porque na altura eram escassas as instituições de solidariedade social que existiam no concelho de Bragança. Incrustada no Nordeste Transmontano, Bragança tem uma série de problemas cuja génese se encontra na interioridade e se tal aspecto tem vindo a ser atenuado, ele ainda é uma realidade e no passado ainda muito mais.
É em 1993 que esse grupo de pessoas decide dar corpo à obra social que lançara um ano antes, “porque a cidade precisava, de facto, de uma instituição que pudesse proporcionar mais do que acções pontuais”, explica Nuno Vaz, presidente da instituição, que ganharia o nome de um destacada figura eclesiástica de Bragança, o padre Miguel.
“Nessas acções visitámos os bairros, fizemos um levantamento de todas as necessidades, encontrámos muito oportunista, que de imediato afastámos, mas também a verdadeira pobreza que existia, na altura, em Bragança ficou identificada pela Obra Social, que nesse tempo estava a nascer. E digo Obra Social porque o nome Padre Miguel surge depois”, recorda Nuno Vaz.
ATL E SAD NO ARRANQUE
Desde essa altura até hoje muita coisa mudou…
“Desde há 20 anos a situação melhorou, até porque na altura havia três instituições sociais na cidade e, entretanto, surgiram muitas outras. Hoje, o concelho de Bragança tem 29 instituições sociais, sendo que a nossa confeciona 500 refeições por dia”, conta Nuno Vaz.
Foi num edifício no Largo das Amendoeiras, onde existe um busto do padre Miguel, que a instituição se instalou e onde arrancou com o ATL, com cerca de 40 crianças, o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), com pouco mais de 30 utentes e já com mais de 20 funcionários.
“Ali já tínhamos condições mínimas, como a cozinha e as infra-estruturas necessárias para começarmos”, recorda o presidente da instituição, prosseguindo: “Quando decidimos avançar para o novo edifício foi da Segurança Social que nos disseram que a grande necessidade era em lar de idosos e creches, daí termos avançado nesse sentido, porque inicialmente já pensávamos em criar uma creche, mas também pré-escolar… O projecto inicial era lar de idosos, lar de cuidados continuados e ATL, mas acabámos por criar as valências segundo as directrizes da Segurança Social”.
No arranque da instituição, como na altura de crescer, com a construção do novo edifício que alberga as valências de Lar de Idosos e Creche, a Obra Social Padre Miguel teve sempre uma filosofia subjacente à sua acção, aliás inspirada no legado do homem que acabou por emprestar o nome à instituição.
“A filosofia foi sempre, quem pode a quem precisa”, revela Nuno Vaz, explicando: “Todos temos a noção de que na vida haverá sempre dificuldades e sabemos que a Segurança Social poderá, no futuro, em vez de aumentar as comparticipações, diminui-las… É óbvio que nós, instituições, vamos lutar para que tal não aconteça… Mas é bom que estejamos preparados”.
CENTRO RESIDENCIAL POR SUPORTE
Nesse sentido, quando avançaram para a construção do novo edifício, os responsáveis pela instituição brigantina foram, não só ambiciosos, mas igualmente previdentes e, a par das valências sociais criadas, construíram ainda um Centro Residencial, que mais não é do que mais uma fonte de financiamento para todo o trabalho social que a instituição faz.
“Há outras instituições que também fazem um profundo trabalho social, mas mais do que nós não… De início criámos logo uma quota para o social, que já está ultrapassada, porque não podemos viver de um bolso vazio”, sublinha o presidente da instituição, também ele, juntamente com a esposa, um inquilino do Centro Residencial, e que refuta as críticas que, “infundadamente”, são feitas à instituição: “Quem olha para esta instituição e vê todas estas condições poderá pensar que é caro estar aqui… E depois houve quem procurasse lançar essa mensagem, mas somos uma instituição das que mais trabalho social faz no País”.
E os números demonstram-no… Actualmente, no edifício antigo funciona o Refeitório Social que dá refeição a cerca de 25 pessoas por dia, um Centro de Atendimento Temporário, onde actualmente estão sete utentes, e ainda o Centro de Dia, com uma dezena de utentes. Para além disto, no edifício do Largo das Amendoeiras ainda é efectuada a distribuição de roupas e alimentos a quase 400 pessoas.
Já o edifício inaugurado em 2009, está dividido em duas áreas que, para a Segurança Social são estanques, mas que para a instituição se complementam… e não é apenas financeiramente!
Assim, funciona no novíssimo equipamento o Lar de Idosos, que alberga 60 utentes, sendo que há uma lista de espera que ultrapassa a centena e meia de pessoas, a Creche, onde 66 crianças são cuidadas, e ainda toda a estrutura logística do Serviço de Apoio Domiciliário, que leva assistência a cerca de 80 idosos, especialmente das freguesias citadinas de Santa Maria e da Sé. A equipa de 94 funcionários, que inclui quatro enfermeiros e um médico, presta apoio a todas as respostas sociais da instituição, mas igualmente ao Centro Residencial, onde moram 40 clientes cujas possibilidades financeiras lhes permitiram adquirir ou alugar uma suite.
Como faz questão de frisar o presidente da Obra Social Padre Miguel, esta valência tem servido para equilibrar as finanças da instituição de uma forma ímpar.
“O Centro Residencial é uma infra-estrutura que não teve o apoio financeiro do Estado e é o que está correcto… Ao pensarmos no futuro, temos que pensar numa parte lucrativa que possa ajudar a vertente social da instituição. Raramente estamos preocupados com o Centro Residencial, porque esse tem dinheiro, a nossa grande preocupação é o lar social. Para muitas das pessoas que vieram para o Lar Social isto assemelha-se a um palácio, já os outros é apenas uma continuidade do que já tinham”, explica Nuno Vaz, aprofundando: “E a nossa filosofia é não haver diferenças entre os dois espaços, por isso é que o que se come de um lado é o que se come do outro e no Serviço de Apoio Domiciliário também. Ementa só existe uma, por imposição da Direcção, e depois há convivência entre as pessoas dos dois lados. Vendemos, a título vitalício, as suites que à morte revertem para a instituição, mas, actualmente, já não estamos a vender, apenas a alugar. E há ainda a suite partilhada, com a renda a ser partilhada pelos dois clientes, o que torna a coisa mais suave para cada um deles”.
FUTURO RIMA COM AMBIÇÃO
A opção de construir um lar residencial para pessoas não necessitadas teve sempre o fito de emprestar mais sustentabilidade à obra social da instituição.
“O Centro Residencial já ajudou muito a abater a dívida deste lado social, pelo que os frutos do que foi pensado inicialmente já estão à vista”, sublinha, com grande satisfação, Nuno Vaz.
E o presidente da Direcção vai mais longe na sua perspectiva da grande utilidade do duplo equipamento construído: “Apesar de termos acabado de gastar mais de seis milhões de euros, em que o PARES só deu um milhão e picos e ainda nos deve algum, o nosso valor patrimonial maior é a vida melhor que proporcionamos aos nossos idosos e às nossas crianças… Mas ao longo dos anos tivemos que ir criando melhores condições. Ao comparar a situação do então com a actual, hoje está-se muito melhor, nem tem comparação possível. Nós tirámos muita gente da rua”.
Com o sonho do Lar de Idosos concretizado, por onde passa o futuro da Obra Social Padre Miguel? A resposta sai pronta a Nuno Vaz: “A Obra Social recebeu uma doação grande de uma pessoa, que não tem família directa, que é um terreno com três mil metros quadrados aqui junto à instituição. Depois de pagarmos este empréstimo que contraímos, o que acontecerá de forma tranquila nos próximos 16 anos, iremos pensar em fazer algo nesse espaço, mas terá que ser algo que vejamos que faz falta à cidade e algo que nos permita ir buscar receita mensal, tal como acontece com o Centro Residencial, para ajudar à sustentação do trabalho social da instituição. Sabe que temos um certo receio de que mais tarde, e isso pode ser um desastre para este País, o Estado feche a torneira… aos bocadinhos. Fechar a torneira por completo não fecha, porque o Estado não consegue fazer um serviço como as IPSS fazem, mas se começam a cortar, a impor regras e a mexer no apoio social, temos que estar preparados. O nosso lema é tudo pelos utentes e tudo pelos funcionários”.
«Porque a vida é uma oportunidade única, não podemos ficar indiferentes quando de nós apenas pode depender uma pequena ajuda», foi o lema que motivou um grupo de amigos a lançar a primeira pedra do que hoje é uma instituição de referência no distrito de Bragança e não só.
E como seria Bragança sem esta instituição? “Bem, a Obra Social Padre Miguel é mais uma das 29 instituições que existem e que hoje tornam melhor a vida das pessoas mais necessitadas do concelho de Bragança. Com todas estas condições que temos podíamos ter uma situação económica fabulosa no final do ano, mas tínhamos que nos envergonhar do legado que o padre Miguel nos deixou. Com a gente que está e a que há-de continuar, esta Obra só tem um caminho, que é cada vez fazer mais bem e, ao mesmo tempo, evoluir na qualidade. O projecto futuro é para pensar bem, ouvir várias pessoas e quando pensarmos em fazer, tem que ser mais um sustentáculo para a vertente social da instituição”, sublinha o presidente da Direcção.
E o legado do padre Miguel, falecido duas décadas antes da fundação da Obra Social, é tão simplesmente “ter vivido de alma e coração para ajudar os outros”, explica Nuno Vaz, acrescentando: “Ele era, no seu tempo, o verdadeiro homem da solidariedade”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Não há inqueritos válidos.