A exposição fotográfica com os rostos dos 60 utentes da ALADI nos corredores da instituição é bem elucidativa do bem que as instituições que cuidam de pessoas portadoras de deficiência fazem à sua existência. Os sorrisos rasgados e a alegria imensa que todas e cada uma dessas fotografias espelham são, segundo o presidente da ALADI, Joaquim Branco, a grande motivação de todos os que ali, voluntária ou profissionalmente, desempenham funções.
A ALADI - Associação Lavrense de Apoio ao Diminuído Intelectual, sediada na Lavra (concelho de Matosinhos), celebrou no mês de Abril um quarto de século, ou seja, anda há 25 anos a proporcionar sorrisos a gente que de outra forma teria uma vida bem mais triste e, quiçá, inútil. Para além de todo um vasto programa de comemorações, que decorreram sob o lema «25 anos a diminuir a diferença», a instituição tem no novo lar residencial, em fase final de construção, a grande prenda de aniversário. Porém, nem tudo parece estar a correr pelo melhor, uma situação a que a instituição é completamente alheia.
Joaquim Branco diz-se bastante preocupado, pois as verbas que deviam já ter chegado do Estado e da Autarquia para financiar a obra ainda não foram desbloqueadas, sendo que o equipamento está praticamente pronto.
O presidente da instituição começa por explicar a forma de financiamento acordada, de uma obra extremamente necessária, uma vez que a ALADI tem uma lista de espera de cerca de 150 pessoas.
“O financiamento é através da medida POPH 6.12 e é um projecto na ordem dos 1,5 milhões de euros. O POPH dá 970 mil, a Câmara de Matosinhos dá mais 330 mil, pelo que estamos a falar de ainda um défice para nós de 200 mil euros e esse é um grande desafio que temos”, explica Joaquim Branco, que de imediato revela as suas grandes preocupações face ao incumprimento dos poderes públicos: “Neste momento, o que mais me preocupa já não é o nosso financiamento, porque a nossa parte estamos a cumprir. O que me preocupa é o incumprimento da parte do Estado e o atraso da Câmara de Matosinhos. Tudo isto funciona na plataforma dos concursos públicos, os contratos são conhecidos por nós, pelo POPH e pela Câmara, mas quando chega à hora de pagar ninguém se chega à frente. O que é lamentável, porque iniciámos as obras em Setembro de 2011, estamos no final de Maio e ainda não vimos um cêntimo, nem do POPH, nem da Câmara…”.
No meio deste negro cenário, a instituição acabou por ter sorte, uma vez que o empreiteiro contratado tem capacidade financeira para aguentar tão longa espera… “O empreiteiro está há oito meses sem receber e isso é que é lamentável!...”, critica.
Questionado se tal situação poderá repercutir-se na sustentabilidade da instituição, Joaquim Branco é peremptório em nega-lo: “Não, o que coloca em risco é o empreiteiro, os postos de trabalho da empresa, dos empreiteiros subcontratados e dos fornecedores a quem os materiais foram comprados e isso é lamentável… O País está em crise e é o próprio Estado que não cumpre com as suas obrigações”.
FUTURO É UMA INCÓGNITA
As acusações da ALADI ganham mais força quando a respectiva parte do protocolo está a ser integralmente cumprida: “Nós, ALADI, estamos a trabalhar para angariar o que nos compete, temos batido a diversas portas e vamos tendo correspondências dentro das dificuldades que o País atravessa e vamos cumprir com a nossa parte. Metemo-nos neste projecto porque sabíamos que podíamos cumprir com a nossa parte. Neste momento, falta-nos o dinheiro que os outros assinaram connosco e que não estão a cumprir…”.
Mas as preocupações do presidente da instituição não se ficam por aqui e ele olha o futuro com grande expectativa, tendo dificuldade em vislumbrar o que irá acontecer dentro de quatro meses, data prevista para a inauguração do novel Lar Residencial.
“Relativamente ao projecto do Lar temos dois problemas… Um, é pagar esta obra que está em curso… Nós, ALADI, estamos a cumprir, mas queremos que o Estado e a Câmara cumpram também com o que acordaram. E temos que terminar a obra em Setembro, que foi o que assinámos… O outro, e que é o nosso maior problema, é chegarmos a Setembro e não termos qualquer contrato-programa com a Segurança Social… É que não existem Acordos de Cooperação!... E como é que se vai abrir um lar para pessoas que não podem pagar? Aí é que não sei gerir… Para abrir o Lar é preciso dinheiro para a casa funcionar e se os utentes não podem pagar como é que se faz?”, questiona Joaquim Branco, revelando: “Sempre me foi dito que haveria Acordo de Cooperação e sempre confiei… Logo em 2009, quando começámos a pensar avançar com isto, sempre me foi garantido pela Segurança Social que não havia problema… Estamos em 2012 e não temos nada assinado. E se perguntarmos, a resposta é de que não há dinheiro para se comprometerem com nada. Portanto, não sei como é que dentro de quatro meses vou abrir este lar”.
HÁ QUE REVER PRIORIDADES
O problema da ALADI é, como se sabe, extensível a muitas outras IPSS, incentivadas pelo Estado a avançar para mais e melhores respostas, mas que agora se vêem na iminência de não ter condições para cumprir com o que foi gizado no passado recente.
“Isto significa que podemos ter tudo pronto e não podemos abrir porque não temos meios para funcionar. Alguém tem que olhar para isto”, assevera Joaquim Branco, que não se coíbe de colocar o dedo na ferida que alguém, dentro de muito pouco tempo, terá que tratar: “Toda a gente sabe que não há dinheiro, que os meios financeiros são escassos, então, se calhar, isso implica ter que se mudar algumas políticas deste País, nomeadamente, no domínio da Segurança Social… Quem é que vamos apoiar? O que é que vamos apoiar? E em que termos vamos apoiar? Esta é uma reflexão que todos temos que fazer, a nível das IPSS, a nível da CNIS e a nível de toda a gente… Se o dinheiro não chega, quem é que tem que ter a prioridade?”
Há cerca de uma década à frente dos destinos da ALADI, Joaquim Branco é cáustico e volta a pôr o dedo na ferida: “Se calhar, vou ser politicamente incorrecto… Toda a gente fala da terceira idade, que temos que olhar para a terceira idade, mas não sei se ser velho implica ter necessidade! Muitos dos que são mais idosos têm rendimentos, muitos têm família e muitos têm consciência e não sei se precisam do apoio da Segurança Social para estar num lar… Ao nível da deficiência, estas são pessoas que não têm consciência, não foram capazes de perspectivar a sua vida, não foram capazes de preparar o seu futuro e muitos não têm família… Os nossos utentes são adultos e não puderam preparar o seu futuro, enquanto muitos dos que hoje são idosos tiveram uma vida para preparar o seu futuro, sendo que muitos ainda têm família… Destas pessoas deficientes ninguém pode tomar conta, têm que ser este tipo de casas. E esta, por muito que custe a muita gente, tem que ser uma prioridade. Até primeiro do que as crianças, que estão a crescer e têm um futuro pela frente. Esta gente é inconsciente, não conseguiu preparar a sua vida e não pode ser penalizada por isso”.
As dificuldades presentes e futuras não abalam, no entanto, as intenções dos responsáveis da ALADI, que estão já a “estudar alternativas para a altura da abertura”, pretendendo apresentá-las à Segurança Social.
“Estamos a fazer os nossos cenários e o último será o não abrir, que é o não desejável, mas também não somos loucos e irresponsáveis em abrir se não tivermos condições para o manter. A última coisa que iria fazer era abrir o lar e passados dois, ou três meses não ter dinheiro para pagar salários… Isso não faço!”, argumenta, ao mesmo tempo que justifica a construção do novo Lar, o grande desafio do momento: “Porque temos uma grande lista de espera, na ordem das 150 pessoas, tivemos que avançar, mas sabemos que o que estamos a fazer é uma gota de água para as necessidades… Vamos ter mais 24 lugares em lar residencial, o que corresponde a cerca de 20% das nossas necessidades, mas para nós é um enorme desafio”.
PROJECTO INACABADO
Quando acabou de celebrar 25 anos de existência a cuidar de adultos deficientes de todo o concelho de Matosinhos, a ALADI é vista pelo seu presidente como “um projecto ousado”, que prossegue a sua missão devido a “muita perseverança” e “é um projecto com ambição, porque continua a sonhar e a evoluir, sobretudo porque as necessidades que tenta colmatar nunca irão acabar, pelo que é um projecto inacabado”.
Actualmente, a ALADI tem um corpo de 57 funcionários que cuida de 60 utentes, 32 em Lar e os restantes em frequência do Centro de Actividades Ocupacionais.
E para proporcionar uma melhor vida a pessoas que só nas últimas décadas têm ganho alguma dignidade nas suas vidas, a ALADI tem como um dos seus “grande objectivos levar a comunidade a interagir com os utentes”, o que tem sido um sucesso. O último projecto nesse âmbito é a «Horta Pedagógica para Todos», no qual qualquer pessoa, sendo sócia da ALADI, poderá cultivar uma parcela de terreno e até partilhá-la com os utentes da instituição.
No âmbito das celebrações dos 25 anos da instituição, decorreram umas jornadas técnicas, subordinadas ao tema «Deficiência, Demência e Incapacidade»…
“Penso que se abriu mais uma janela nesta área, porque uma coisa é a deficiência e outra é a demência, que está muito ligada ao Alzheimer. Isto significa que são pessoas que são conscientes, mas, à medida que o tempo passa, a sua demência vai colocá-los ao nível dos nossos deficientes. E verificamos que hoje é uma doença generalizada, pelo que vai haver necessidade de mais casas destas para albergar os dementes mentais”, conclui Joaquim Branco.
GESTÃO PROFISSIONAL
A terminar a conversa com o SOLIDARIEDADE, Joaquim Branco quis deixar outro alerta ao universo das IPSS, deixando algumas sugestões que poderão, especialmente nos tempos difíceis que se vivem, ser de extrema utilidade para que a sustentabilidade das instituições esteja assegurada.
“É muito relevante a gestão profissional das IPSS feita por voluntários, claro! E outro aspecto que me parece muito importante é termos conselhos fiscais a sério. O nosso tem como presidente um Revisor Oficial de Contas. Temos que pôr nos conselhos fiscais pessoas que saibam, fiscalizem e acompanhem a gestão, não pode ser apenas para preencher lugares. Com pessoas capazes no órgão fica toda a gente mais descansada. Tão importante como a Direcção, se calhar mais ainda é o Conselho Fiscal, para não haver surpresas desagradáveis. Devia haver algumas regras que obrigassem os membros do Conselho Fiscal a ter determinadas características e a não poderem ser eleitas pessoas sem essas características, ou seja, pessoas da área da economia e da contabilidade”.
Mesmo a terminar, o presidente da ALADI deixa mais um apelo, desta feita, à comunidade: “Quando me falam de voluntariado digo sempre o mesmo, passem ao fim-de-semana 15 minutos pela ALADI, não é preciso mais tempo, 15 minutos bastam… Os nossos utentes adoram ver pessoas e uma pessoa diferente entrar aqui e cumprimentá-los é uma alegria imensa para eles”.
Isso mesmo o SOLIDARIEDADE experienciou no dia em que realizou esta reportagem. Sorrisos rasgados, vontade de interagirem com o visitante e concentração total na hora da fotografia…
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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