1. O trabalho é um bem do homem. E se este bem traz em si a marca de um “bem árduo”, isso não impede que, como tal, ele seja um bem do homem. E mais: é não só um bem “útil” ou de que se pode usufruir, pessoal e socialmente, como também é um bem “digno”, ou seja, que corresponde à dignidade do homem, um bem que é expressão de dignidade e que faz com que não só cada pessoa cresça mais plenamente e se desenvolva nas suas potencialidades como também atinja maior visibilidade. Como pessoa e na comunidade.
2. Medidas que diminuam os custos de trabalho para segmentos identificados do mercado laboral têm vindo a ser adoptadas, nomeadamente no âmbito do código laboral, com novas regras que vão desde a diminuição das indemnizações e dos feriados, até ao pagamento pela metade das horas extraordinárias e à eliminação de três dias de férias.
Outras se perfilarão, porquanto parece estar em vias de ser retomada a questão da diminuição da taxa social única (TSU), que é uma medida contributiva para a Segurança Social prevista no Orçamento do Estado Português e aplicada a trabalhadores e empresas. Porque é uma taxa que afecta maioritariamente as empresas, com a possível diminuição pensa-se contribuir para a reactivação da economia portuguesa, tão carecida ela tem andado de verdadeiros estímulos que a arranquem tanto da estagnação como da recessão para ser gerado melhor e mais sustentável desenvolvimento com maior e melhor emprego para todos.
Talvez fossem inevitáveis algumas das novas medidas do código laboral, mas, certamente, estas vão gerar maior flexibilidade e maior precariedade. Contribuirão para inverter a curva do desemprego? Estarão ao serviço da centralidade da pessoa e de todas as pessoas? As dúvidas são legítimas e pertinentes.
Diferente é a medida da diminuição da taxa social única. Com ela parece aliviar-se a já tão carregada carga fiscal. À primeira vista, sem dúvida que é sedutora. Sem detectáveis riscos de aumentar a precariedade e a insegurança no emprego, com tal opção parece que baixam os custos do trabalho. Mas como não há bela sem senão e quando se estica a manta para um lado ela deixa o outro a descoberto, baixando a TSU aumenta a descapitalização da Segurança Social, defraudando-se as expectativas de quantos para ela contribuíram ao longo da vida e engrossando as já grandes dúvidas sobre o futuro das novas gerações.
3. Recentemente foi anunciada a obrigatoriedade do Trabalho Socialmente Útil (TSU). À sua prestação serão obrigados alguns (muitos) dos actuais beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI). Locais para a sua prestação serão Autarquias e Instituições sociais. Com algumas horas semanais e com algumas garantias sociais.
Habitualmente, se uma pessoa trabalha para uma empresa, para o Estado ou qualquer outra instituição, considera-se que faz um trabalho socialmente útil. Porém, se uma pessoa tem aptidões e deseja produzir coisas para si mesma e/ou satisfazer as necessidades de outras pessoas, sem intenção de vender ou trocar o produto de sua actividade, então o que esta pessoa faz já não é considerado um trabalho socialmente útil. Esta pessoa corre o risco de não conseguir sobreviver porque o que ela faz não é útil para o capital.
À primeira vista, a medida do TSU (trabalho socialmente útil) para os beneficiários do rendimento social de inserção pode parecer uma medida contaminada por alguma velada tentação penalizadora de um grupo muito frágil e muitas vezes associado à acomodação, ao oportunismo e à dependência, com generalizações indevidas e injustas. Mas pode não ser nem deve ser.
Há beneficiários do rendimento social de inserção que o serão quase para sempre e justamente; também há beneficiários que, quando e enquanto as circunstâncias o permitirem, o deverão ser circunstancialmente. Alguns, entre estes últimos, nem têm trabalho para executar nem, provavelmente, capacitações para o desenvolver.
As Instituições de Solidariedade e as Autarquias, entre nós, cada uma a seu modo, são os principais promotores da coesão social. Porém, não devem ser vistas como uma espécie de “panaceia” para todos os males: este serviço de acolhimento que lhes é pedido tem custos que o Estado, com obrigações sociais, terá de enfrentar. Ali, os beneficiários do rendimento social de inserção nem serão uma força de trabalho explorado nem eles usurparão postos de trabalho. Ali, provavelmente em muitas situações, eles encontrarão as primeiras ou “novas oportunidades” que os habilitarão para vias de esperançosa e dinâmica autonomia.
Lino Maia, presidente da CNIS
Não há inqueritos válidos.