Criou-se, há muito, a ideia de que as políticas sociais se devem caracterizar pela abundância de recursos financeiros; quanto mais abundantes eles forem, mais válidas se consideram as políticas. Esta mentalidade «financeirista» observa-se em todos os partidos políticos, em todas as correntes de opinião e nas forças sociais. Os grandes meios de comunicação social alimentam, diariamente, o novo-riquismo apoiando-o e contestando sistematicamente todos os governos por não disporem de recursos infinitos para o solução de todos os problemas.
O Governo actual seguiu, até agora, o exemplo dos anteriores; dá continuidade ao novo-riquismo, procede como gestor de fundos, selecciona beneficiários e abandona - exclui - quem fica de fora; para cúmulo, dá continuidade ao menosprezo da entreajuda local, do voluntariado social de proximidade e, consequentemente, das pessoas que aí vão encontrando a expressão de solidariedade mais presente. Tudo porém seria diferente se o Governo pudesse adoptar duas linhas de rumo bastante simples: respeitar e cooperar com a entreajuda básica; e reconhecer, efectivamente, que o financiamento não é o critério fundamental de validação das políticas sociais. Verifica-se que será muito difícil a adopção destas linhas: porque, provavelmente, o Governo não está disponível para agir assim; e porque todas as forças sociais se rebelariam contra ele. Apesar dessa quase impossibilidade, justifica-se tomarmos consciência de medidas políticas de baixo custo, na expectativa de que um dia venham a ser assumidas por governos e por outras forças político-sociais. Talvez mereçam especial relevo as seguintes (que poderão ser objecto de abordagem autónoma noutras oportunidades): o reconhecimento e qualificação dos grupos de voluntariado social de proximidade; a facilitação do atendimento social nas IPSS, alargado a todos os problemas; a articulação regular entre os referidos grupos de proximidade, as IPSS e os serviços públicos de acção social; a elaboração e difusão de estatísticas dos casos sociais atendidos por todas as entidades, particulares e públicas, que trabalham no domínio social; o funcionamento de comissões sociais, nas freguesias, e dos conselhos locais de acção social, nos concelhos, conforme previsto na lei sobre a «Rede Social»; a aplicação efectiva do princípio da subsidiariedade, a partir da freguesia e passando pelo concelho até ao nível nacional, particularmente a favor dos problemas sem solução com os meios disponíveis em cada nível; a avaliação periódica da situação social, em cada freguesia, concelho e no país, e a consequente partilha de responsabilidades; a inserção da solução dos problemas sociais nos processos de desenvolvimento local; o tratamento político, pelo menos anual, dos problemas sociais - envolvendo as assembleias de freguesia, as assembleias municipais, o Governo (em cooperação com representantes das autarquias locais, das IPSS e da Confederação Portuguesa do Voluntariado) e a Assembleia da República (tendo em conta as resoluções que ela própria adoptou, em 2008, sobre este assunto).
Considerando as enormes omissões verificadas, quase se pode afirmar que o país continua muito longe de fazer - com ou sem dinheiro - o que lhe é possível a favor de quem vive os problemas de maior gravidade e de quem presta os apoios mais directos e permanentes.
Acácio F. Catarino
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