“Por termos 80 anos pensamos que não servimos para nada, mas não é assim… Com esta actividade vê-se que não”. Olívia Dias, 80 anos, refere-se à peça de teatro «Crimes exemplares ou nem tanto» – adaptação livre da obra «Crimes Exemplares», de Max Aub –, que algumas seniores e jovens da Associação Teatro Construção (ATC), de Joane, Vila Nova de Famalicão, andam a levar a cena desde o passado mês de Outubro.
A peça integra um projecto no âmbito do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre as Gerações, concretizado, desde logo, pela composição do elenco, por sinal (quase) totalmente feminino. Jovens do CAT e utentes do Centro de Dia compõem o elenco que em palco demonstra que não há idade para representar… a vida.
No cenário de uma prisão, um conjunto de presidiárias, homicidas, recusa sair da prisão onde passou a maior parte da vida. «Flashbacks» representados pelas jovens, contextualizam a vida de cada uma das presas, que não querem mais largar as mãos das companheiras, na alternativa de voltarem a um mundo exterior que já não conhecem.
“Estou aqui há três anos e esta é a primeira vez que faço teatro, mas gosto muito de estar presa com as companheiras”, diz Maria Glória Correia, 83 anos, referindo-se ao palco e ao quotidiano no Centro de Dia. Joana Silva, de 80 anos, explica que “ao pensarmos nas palavras da peça, pensamos também noutras pessoas”, comparando situações: “A amizade dos presos é como a nossa aqui no Centro de Dia”.
O grupo, cuja média de idade é superior a 80 anos, é bem-disposto e na maioria dos casos esta foi a primeira experiência do género.
Maria do Carmo Cardoso, 83 anos, à semelhança de outras, teve a dificuldade de não saber ler. “Tinha que estar sempre a pensar muito nas coisas, mas depois já não houve problemas”, sustenta. Já Maria Macedo, a mais antiga do grupo com 86 anos, reconhece que “ao princípio” sentia-se “envergonhada, mas depois… bota para lá!”, afirma, sorrindo.
Joana Silva reforça a afirmação das colegas, sublinhando que “a peça está tão sabida que a gente nunca mais se vai esquecer”, enquanto Olívia Dias sublinha: “Quando falamos da peça rimo-nos sempre”.
A primeira apresentação de «Crimes Exemplares ou nem tanto» foi um sucesso, o que deixou as actrizes muito “satisfeitas” e “orgulhosas”.
“O povo ria-se e batia muitas palmas”, recorda Maria Glória Teixeira, do grupo das mais novas com 79 anos, facto confirmado por Olívia Dias: “As pessoas gostaram e a gente ficou contente com isso”.
Na estreia, a plateia tinha uma elevada composição de familiares, o que deixou as actrizes muito satisfeitas pelas reacções muito positivas.
“Os meus netos ficaram encantados e o meu filho disse-me que a idade não conta”, relembra Maria do Carmo Cardoso, tal como Maria Marques Rocha, 79 anos, cujos “filhos ficaram muito contentes”.
Outra razão de orgulho foi o mediatismo que a estreia teve. “Aparecemos na França, na Suíça e em todo o lado”, enfatiza Maria Glória Teixeira, enquanto as outras recordam que o assunto chegou à televisão.
A satisfação dos familiares e do público em geral deixa este grupo de seniores muito felizes… Maria da Glória Teixeira recorda que “na Vila das Aves ninguém nos bateu palmas”, frase que recebe uma explicação pronta de Joana Silva: “Pois, não explicaram a peça às pessoas e elas pensaram que nós éramos mesmo assassinas”.
E se o conceito de Envelhecimento Activo está na génese e na base deste trabalho da ATC, a Solidariedade entre as Gerações também não foi esquecida. Daí que do Centro de Acolhimento Temporário, da Casa de Giestais, onde também funciona o Centro de Dia e o Lar de Idosos da instituição, tenham sido igualmente recrutadas para a representação algumas jovens, que encarnam a pele das presidiárias quando eram novas e cometeram os crimes. Bruna Ribeiro, 12 anos, Eduarda Azevedo, 13 anos, Ana Isabel, 14 anos, Cristiana Alves, 17 anos, Tânia Isabel, 15 anos, Sofia Pereira, 12 anos, Susana Oliveira, 11 anos, e Susana Daniela, 15 anos, são as jovens actrizes que integram o elenco, algo que as mais velhas consideram muito positivo.
“Foi uma grande ideia trazer os mais novos para a peça”, sustenta Joana Silva, que justifica: “Os mais novos aprendem com os idosos, mas nós também aprendemos muito com eles”.
Montar a peça não foi fácil, mas com o correr do tempo as dificuldades foram ultrapassadas e o prazer da representação sobrepôs-se a tudo.
“Eles sacrificaram-se muito por nós e, por isso, nós sentíamo-nos muito à-vontade”, refere Teresa Gomes, 84 anos, acerca do papel de Custódio Oliveira, presidente da ATC e co-encenador da peça, juntamente com Romeu Pereira, que também integra o elenco e é uma espécie de ponto em palco.
O elenco, que conta ainda com Ana Monteiro, de 79 anos, integra igualmente alguns actores da companhia de teatro da ATC.
A peça «Crimes exemplares ou nem tanto» integra um projecto mais amplo da ATC, tendo por mote o Envelhecimento Activo e a Solidariedade entre as Gerações, denominado «Fazer Teatro Fazer Vida com mais de Sessenta». O projecto foi finalista do prémio Manuel António da Mota, tendo recebido uma Menção honrosa, no valor de cinco mil euros.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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