1 - Não sei o que são eurobonds, nem eurobills; nada sei da “mutualização da dívida”, nem o que seja a “dívida soberana”; o “risco sistémico” passa ao lado da minha escassa ciência financeira; ignoro irremediavelmente, mas sem remorsos, os segredos da “balança de transacções” ou da “balança comercial”, os enigmas insondáveis da “recapitalização bancária” ou o que sejam os “produtos tóxicos” – tóxicos como os cogumelos, que, esses sim, conheço - oferecidos pelos bancos à ingenuidade dos papalvos.
Tenho biblioteca – mas não sei nada de finanças.
Mas percebo, do que tenho lido e ouvido, que o dinheiro que nos emprestam, vamos todos pagá-lo, com juros de usura, comissões indevidas e em prazo curto.
Sem borlas, nem transigências.
Naqueles mundos, não há favores.
(Foi também por isso que não gostei de ouvir o nosso Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, chamar à Grécia, à Irlanda e a Portugal “países de programa” (sic).
“De programa” ouvi falar das “garotas”, no Brasil – “garotas de programa”, ou “di programa”, não sei se o Acordo Ortográfico me vai obrigar a grafar como os brasileiros pronunciam … - e não me agrada que equiparem Portugal, mesmo num episódio de ignorância semântica, às “garotas” que exercem a mais antiga profissão, seja na calçada, seja nos hotéis de luxo.
Melhor fariam os governantes em trabalhar com discrição, no recato dos seus gabinetes ou nos corredores de Bruxelas ou de Frankfurt, do que debitarem banalidades, ou imprecisões, ou disparates, à Cambronne, com ar solene e circunspecto, mal lhes põem um microfone à frente, deixando-nos a todos envergonhados por eles.
Ou dizerem uma coisa hoje e outra, oposta, no dia seguinte, consoante as ordens que recebem, como aconteceu a semana passada com o pedido de alargamento a Portugal das condições de crédito concedidas à Grécia.
Ponham os olhos no Dr. Durão Barroso, que ganhou entre nós, no tempo dos governos do Dr. Cavaco Silva, fama de homem de Estado, severo e grave, pela única razão de nunca se arriscar a dar uma opinião em público – o que lhe serviu de viático para o pousio morno e inútil de Bruxelas.)
2 - Nada sei de finanças, como disse.
E parece que a actualidade e a análise da crise que vivemos não saem do léxico escasso e insondável dessa pseudociência.
Há mais de dois anos que os jornais e as televisões não falam de outra coisa e não nos trazem, para desvendar o exoterismo da linguagem e para justificar o confisco dos nossos ordenados e pensões, senão e sempre os mesmos – das escolas de Economia ou de Gestão, das administrações da banca, dos partidos ou dos lobbies.
Mesmo eu, que tenho a prosápia de andar ao par do estado do País, tenho dificuldade em decifrar essa linguagem hermética e estrangeirada que nos propiciam.
Não sei nada desse jargão, repito.
Mas não posso deixar de sentir, como todos, a destruição social que essa linguagem ameaçadora e fria designa como “efeitos colaterais”.
Como se os jogos financeiros fossem o centro e as pessoas a periferia – a lateralidade, as margens, os arrabaldes.
O desemprego, perto dos 17%, e o desemprego entre os jovens, que já anda pelos 40%, só afecta os outros, os de fora.
(Basta atentar nos nomes de família de vários jornalistas da Televisão pública para perceber que, afinal, ainda há empregos em Portugal – mas em circuito fechado, endogâmico.)
Ainda há poucas horas, no telejornal das 20 horas, ficámos a saber que, no que vai do ano, Portugal é o país da zona euro em que foi maior a quebra das compras a retalho – o que não afecta a plutocracia que verdadeiramente manda, que compra os fatos em Saville Row ou nos Campos Elísios.
(A propósito da plutocracia: vejo hoje no jornal que Cavaco Silva recebeu, esta semana, os principais banqueiros do País, para avaliar “o financiamento da economia” e obter “elementos de informação sobre a estabilidade do sistema bancário”.
Passos Coelho que se cuide: são os mesmos que foram recebidos pelo Presidente da República alguns dias antes do despejo de José Sócrates.)
São milhares as empresas, pequenas e médias, a apresentarem-se à insolvência todos os dias – e a aumentarem os números e os dramas do desemprego.
As famílias, que, há alguns anos, reduziam para duas as gerações dos moradores na mesma casa, são obrigadas a voltar a acolher três gerações, com o regresso dos filhos casados e desempregados à casa paterna (não sei se a igualdade de género ainda permite palavras como esta, “paterna”, tão masculina, ou se agora o correcto é dizer “paterna e materna”, como nos discursos dizem “bons dias a todos e a todas”), nas mesmas casas de onde tiveram há alguns anos de sair, por não caberem e de onde, em breve, de novo, mas agora todos, sairão, por não poderem pagar a casa ao banco.
3 - Sei pouco de finanças. Mas, pelo que percebo do que vou lendo e ouvindo desses sábios encartados em tais ciências ocultas, e que rezam todos pela mesma cartilha, a crise em que vivemos deve-se tanto a erros próprios como a má fortuna – não sendo ao caso chamado o “amor ardente” da trindade do soneto de Camões.
A integração de Portugal na zona euro teve certamente as suas vantagens: quando vou de férias para a Galiza, já não tenho de comprar pesetas, perdendo com o câmbio e levando maços de notas nos bolsos para as despesas da quinzena.
Mas, em contrapartida, é-me negado o direito de ir a uma tasca, daquelas que dantes havia, com um ramo de loureiro à porta, comer uma lasca de presunto curado na cozinha de um lavrador e beber um copo de vinho novo, tirado directamente da pipa – hábito de selvagens, que a União Europeia higienicamente reprova.
Gastámos mais do que o que podíamos – mas bem se nos dispensava pagar 6 mil milhões de euros, pelos nossos impostos, para ajudar a gente do BPN no que melhor sabem fazer: ficar com o dinheiro dos outros.
Sobre isto de ficar com o dinheiro dos outros, o PCP veio alertar-nos para uma agenda discreta da União Europeia, que tem andado ausente do debate público e que consiste no seguinte: prepara-se, dentro da invasão insidiosa da nossa soberania pelos burocratas de Bruxelas, uma Directiva que impõe a privatização dos sistemas de protecção social, nomeadamente das pensões de reforma, com a gestão das respectivas contribuições e o pagamento dos correspondentes benefícios a cargo das instituições do sistema bancário.
Deixo ao Dr. Durão Barroso, burocrata-chefe dessa tribo, uma sugestão: as contribuições para a sua reforma, a dos comissários, a dos altos funcionários, da Comissão, ou do Conselho, ou do Parlamento Europeu, deposite-as no BPN, ou no BPP – ou mesmo na Lehman Brothers.
Eles que lhes paguem as reformas.
Como se dizia dantes, quando era demais o abuso da nossa paciência – e já que falamos das pensões de reforma: APRE!
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2012-12-26