Nasceu da vontade de cinco pessoas da paróquia da Igreja Matriz, da Póvoa de Varzim, perante o cenário de pobreza, nomeadamente, associada à prostituição. Com o forte impulso do padre Manuel Fonte, cinco paroquianos decidiram fundar o Instituto Maria da Paz Varzim, que recebeu o nome de uma poveira que durante toda a sua vida teve na ajuda ao próximo o seu grande princípio de vida.
“Na altura, mais não era do que uma sala no cartório paroquial e algumas crianças, que entretanto vieram para esta casa, onde apenas eram ocupadas duas ou três salas. Era algo muito rudimentar, não tinha protocolos com ninguém, funcionava por caridade pura”, conta a actual presidente da instituição, Odete Costa, que sublinha: “Entretanto, as coisas foram evoluindo, contrataram-se educadoras de infância e isto começou a crescer”.
Porém, nem tudo foram rosas… “Por volta de 1995 surgiu um problema, que foi o não acompanhamento das mudanças exigidas a nível de Segurança Social e da DREN… Tudo o que fosse necessário fazer para que fosse reconhecida como uma IPSS à altura das exigências, a instituição já estava com dificuldade em
acompanhar”, recorda a dirigente, que identifica o maior problema de todos: “O pior factor foi a dificuldade financeira para suportar a instituição. É preciso não esquecer que esta instituição só recebe crianças encaminhadas pelo Tribunal de Menores, Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, Segurança Social, hospitais, escolas, paróquias. São todas crianças em risco”.
Odete Costa reforça esta característica, porque, perante as dificuldades, tempos houve que a mesma esteve ela própria em risco.
“É isso que caracteriza esta instituição, só recebemos crianças em risco e que não pagam para cá andar. Com o tempo as pessoas acabam por achar que é complicado manter uma instituição sem recursos financeiros e com tanta criança problemática. O senhor padre Fonte sempre entendeu que esta era uma obra para os que mais precisavam e não a meio termo”, argumenta, explicando o ideal do fundador: “O senhor padre, pela experiência de serem famílias muito complicadas de lidar, achou muito arriscado ter o chamado «utilizador pagador», porque considerava que era uma questão de tempo até que os que pagavam empurrassem os outros para fora. E, com as dificuldades financeiras que as instituições têm que enfrentar, por uma questão de facilidade de resolver esses problemas vai-se alargando aos que podem pagar e diminuindo aos que não podem”.
AMEAÇA DE FECHO
E o percurso de vida da instituição acabaria por sofrer, em 2008, um inesperado revés que colocou a sua continuidade em causa. Odete Costa recorda que, com o inesperado falecimento do padre Manuel Fonte, foi decretado um prazo de três meses para que o Instituto Maria da Paz Varzim (IMPV) fechasse portas.
“A instituição que literalmente vivia nas costas do senhor padre Fonte ficou sem rumo, sem projectos, pois era completamente dependente dele”, relembra.
Está-se em 2009 e Odete Costa é convidada a assumir a liderança da instituição, o que só aceitou por estar “confrontada com o iminente fecho da instituição”.
“Graças à colaboração dos restantes directores, a instituição não só não fechou, como está a transformar-se
numa referência a nível nacional de um trabalho bem estruturado, que depende da comunidade e não do erário público, uma instituição que conseguiu bater o pé a muitas exigências que estavam a ser feitas e que não conseguia cumprir”, afirma, com orgulho e satisfação, sustentando ainda: “Tive muitos problemas, mas insisti que algumas coisas não tinham razão de ser e, para já, venci. E a crise deu-me uma ajuda, porque deixaram de ter manias, muitas vezes inaceitáveis, e começaram a ver que algumas exigências que estavam a ser feitas não eram possíveis de implementar”.
A presidente do IMPV deixa mesmo uma crítica com destinatários diversos: “a grande responsabilidade por alguns dos problemas que temos hoje foi ter-se permitido que algumas pessoas se auto-promovessem à custa da pobreza dos outros e criassem instituições a torto e a direito só para terem a sua placa e o bispo a benzer, sem saber se iam conseguir sustentá-las; e ainda as exigências brutais e muitas vezes completamente descontextualizadas, sem o mínimo de sensibilidade para o trabalho social, que deve ser rigoroso, mas sem luxos… E estávamos a chegar a um ponto em que já eram luxos que nos exigiam”.
NO CORAÇÃO DA COMUNIDADE
O IMPV acolhe entre 55 a 65 crianças, dos três aos 17 anos, e emprega oito funcionárias e uma assistente social, contando ainda com a prestimosa colaboração de cerca de uma centena de voluntários, dos quais cerca de 30 são professores de apoio ao estudo.
É muito disto que vive uma instituição que sem recursos próprios, que não pode contar com comparticipações familiares, consegue manter as portas abertas, num edifício antigo, preparado para ser habitação, mas que reconvertido e muito boa-vontade serve com grande qualidade os seus utentes.
“A instituição sobrevive porque fizemos com que ela fosse da comunidade. Conseguimos colocar o IMPV no coração das pessoas e quando tudo falha, a instituição, que está no coração da comunidade, não cai”, afirma com um largo sorriso Odete Costa, que não deixa de referir que a população que serve “vive problemas graves, como todas as outras terras, de prostituição, alcoolismo, droga, e as dificuldades da classe piscatória acrescentam sempre um problema maior, para além de que é uma profissão de risco, e temos ainda muita indústria a fechar portas… Esta é uma terra difícil nesse sentido”.
Da comunidade vem muito daquilo com que a instituição vive, pois com a Segurança Social estão protocoladas 20 crianças em jardim-de-infância e 20 em ATL, pelo que cerca de um terço dos utentes “é totalmente suportado pela instituição”, destaca, relembrando: “Enquanto as outras instituições têm as compartipações familiares, nós não temos mensalidades, temos uma taxa de responsabilidade, que seria a comparticipação familiar, mas que a maior parte não paga, porque estão isentos de acordo com os estatutos e as nossas regras. E esta é uma taxa que no máximo não pode ultrapassar os cinco euros por criança”.
As instalações são, de facto, exíguas, pouco adequadas para os padrões actuais – no entanto, as crianças,
que como a presidente da instituição acentua “estão em risco mas não foram riscadas”, no IMPV têm o melhor tratamento possível e todo o tipo de actividades extra-curriculares, como ioga, informática, música, viagens de estudo e de divertimento, etc. –, pelo que uma nova casa não deixa de ser um objectivo, mas “primeiro estão as pessoas”.
“Não tenho isto como sonho, mas como um objectivo que será atingido, e que é uma nova resposta física para a instituição, porque não temos condições a nível de casa à altura do trabalho que aqui fazemos. Precisamos de uma casa nova! Ao contrário de outras instituições que começaram pela casa, nós começámos pelas pessoas”, defende Odete Costa, acrescentando: “A instituição já vai no terceiro projecto e ainda não tem a casa nova”.
É que as solicitações ao Instituto “aumentaram drasticamente e a lista de espera tem aumentado e este é um problema sério”, mas o crescimento, em nova casa, não está no horizonte.
“Não, sou contra isso, senão acabamos como uma fábrica e vou acabar por ter que montar uma resposta financeira para a suportar. Isso leva sempre o desmembramento de projectos”, argumenta.
POLÍTICA DE PARCERIAS
A política seguida pela Direcção de Odete Costa tem sido no sentido de criar parcerias com quem também está no terreno.
“Temos um protocolo com a Junta de Freguesia de A-Ver-o-Mar, onde existe um espaço família e, então, nós disponibilizamos vagas e eles dão apoio jurídico e psicológico às nossas famílias, porque nós temos muitas situações de violência doméstica”.
Aliás o trabalho sobre a Não Violência é uma das bandeiras da instituição, precisamente pelo ambiente familiar e social dos seus utentes.
Nesse sentido, o IMPV já criou algumas parcerias, como, por exemplo, com o Projector Criar, cuja a acção incide sobre a Não Violência.
“Ao abrigo do Programa Escolhas temos o Projecto Arrisca. O Programa Escolhas vai agora para a quinta geração e já nos tínhamos candidatado à quarta geração com esse Arrisca, que durou três anos e agora fomos novamente contemplados. Nesse projecto estão mais de 450 miúdos de bairro, onde têm informática e desporto, entre outras actividades, completamente gratuitas”, revela Odete Costa, que encontrou no ciclista Rui Costa e na atleta de fundo Jéssica Augusto os embaixadores ideais para o projecto vencedor.
Quanto ao futuro, a presidente do IMPV apela ao que de melhor o ser humano pode ter: “Confio nas pessoas e na comunidade, a solidariedade é fundamental, mas quando tudo falha a caridade é que surge, pelo que procuro ter o que de melhor traz a solidariedade e o amor incondicional da caridade. Quando faço solidariedade é um valor que não se discute, mas faz-se perguntas, na caridade já esgotei as perguntas todas e o importante é salvar o meu irmão. É com este sentimento que o Instituto Maria da Paz Varzim tem penetrado no coração da comunidade e o trabalho começa a ser reconhecido a nível nacional”.
PESCADORES FINANCIAM PROJECTO CORVO
É sabida a dificuldade e o risco que a vida de pescador acarreta, cada dia de trabalho é uma incógnita face
aos elementos… Para além disso, é também conhecida a crise que há muito afecta o sector piscatório, com grande reflexo no rendimento dos homens que tiram do mar o seu sustento.
Atentos a isso, e perante o grande receio que as famílias que vivem da pesca têm em perder os seus filhos face às carências vividas, os responsáveis do Instituto Maria da Paz Varzim (IMPV) estabeleceram um protocolo com a Associação Pró Maior Segurança dos Homens do Mar, de Vila do Conde, para que, em situações de acidentes de mar, de viuvez, ou outros, a instituição “dá resposta imediata de vaga e integração das crianças e jovens nestes projectos, cujas actividades são gratuitas para os filhos desses pescadores”, sustenta, revelando: “E os pescadores em sinal de reconhecimento financiaram o Projecto Corvo. Já recebi dinheiro da Gafanha da Nazaré, de pessoas que não conheço”.
O Projecto Corvo vai funcionar num edifício pré-fabricado e é uma acção assente na Não Violência, em que o ténis de mesa é a actividade motora.
“É uma modalidade que os miúdos adoram, mas quem quiser lá andar tem que dizer Não à Violência, Não à Droga, Não ao Alcoolismo. Onde funciona o Projecto Arrisca há um pequeno espaço onde cabe um simples pré-fabricado, que iremos utilizar. E quem financiou isto foram os pescadores, da Associação Pró Maior Segurança dos Homens do Mar. A Associação Cultural do Bairro da Matriz cedeu o espaço e os pescadores pagaram a construção”, resume Odete Costa, que sublinha o reconhecimento e agradecimento dos homens do mar.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Data de introdução: 2013-02-13