Dois em cada três idosos que vivem em lares têm um rendimento inferior à mensalidade da instituição, tendo de recorrer a poupanças ou à família para conseguir pagar, revela um inquérito da DECO que envolveu 690 portugueses. O estudo da revista Proteste, que decorreu em Março de 2012 em Portugal, na Bélgica, na Espanha e em Itália, envolveu uma amostra da população entre os 50 e os 65 anos, tendo como destinatários familiares de utentes de lares que acompanharam o processo de institucionalização. A Proteste recebeu 3.130 respostas, sendo 690 portuguesas, a maioria (70%) de filhos de idosos institucionalizados.
Os resultados do inquérito, publicados na edição de Março/Abril da Proteste, indicam que um em cada quatro idosos precisa de mais de 500 euros por mês para completar o valor da factura. A estadia num lar custa, em média, 770 euros mensais, um valor que é inflacionado pelas mensalidades das instituições privadas, cuja média ronda os 925 euros. Nas que têm financiamento público situa-se nos 550 euros.
Dados do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, divulgados na base de dados Pordata, indicam que, em 2011, quase 1,2 milhões de pensionistas de velhice do regime geral da Segurança Social (cerca de três quartos do total) auferiam uma reforma entre 251 e 500 euros. O estudo demonstra que, em mais de metade dos casos (53%) são os familiares que desembolsam o dinheiro em falta. Já 38% dos utentes vão buscar essa parcela às suas poupanças. Na Bélgica, em Espanha e em Itália a tendência é inversa, com 69%, 51%, 50% dos idosos, respectivamente, a recorrerem ao seu pé-de-meia para fazerem face às despesas com o lar.
A esmagadora maioria dos inquiridos que disse apoiar o familiar não tem nenhum tipo de apoio financeiro. Os cerca de 10% que beneficiam recebem, em média, 420 euros. Além da mensalidade fixa, os lares podem cobrar bens e serviços extras, como fraldas, medicamentos e fisioterapia, que representam, em média, um gasto mensal de 125 euros.
Mais de três quartos dos inquiridos disseram ter de pagar a mensalidade por inteiro quando os familiares se ausentam do lar por longos períodos. Apenas 5% afirmaram estar isentos até um determinado número de dias, fixado pela instituição, e terem beneficiado de um abatimento equivalente ao preço da alimentação.
Os autores do estudo consideram "compreensível que determinadas despesas fixas da instituição tenham de ser cobradas, independentemente de o idoso estar ou não presente", mas defendem que deve haver, pelo menos, uma redução da mensalidade durante esse período. Cerca de 30% dos idosos pagaram uma caução para serem admitidos, na maioria dos casos a rondar os mil euros, que serve de garantia de pagamento de prestações em dívida ou de eventuais danos causados ao mobiliário ou às instalações. Contudo, cerca de dois terços revelaram não ter recebido a caução quando os idosos deixaram a instituição, sendo a situação mais frequente nos lares público-privados: oito em cada dez ficaram com o dinheiro.
ÚNICA OPÇÃO PARA CERCA DE UM MILHÃO DE IDOSOSOito em cada 100 inquiridos no estudo da Deco tiveram de demitir-se ou pediram licença do trabalho para tomar conta de um familiar idoso que aguardava por uma vaga numa instituição da terceira idade. Quase um milhão de idosos não consegue ou tem muita dificuldade em realizar actividades como comer, andar ou cuidar da sua higiene, sendo o lar encarado como a "única opção" para muitos deles e para as suas famílias. "Mas a espera por cama, comida e roupa lavada pode ser longa", refere o inquérito da Deco/Proteste, segundo o qual um em cada dez idosos esteve cerca de um ano em lista de espera para entrar num lar e 5% mais de três anos.
O estudo refere que 40% dos participantes admitiram fazer sacrifícios para apoiar o familiar enquanto esperava uma vaga na instituição. Enquanto aguardavam, 38% dos participantes optaram por tratar do idoso, 30% contrataram uma pessoa ou serviços privados, 26% limitaram-se a esperar, 15% instalaram o familiar temporariamente noutro lar e 14% recorreram a serviços públicos ao domicílio.
Um em cada dez inquiridos deixou o idoso internado num hospital até ter lugar no lar. "Trata-se de um encargo que o Serviço Nacional de Saúde não deveria ter de suportar, para além de que as camas de hospital já são poucas para os doentes que realmente precisam delas", adverte o estudo, publicado na revista Teste Saúde.
Dois terços dos inquiridos tentaram encurtar o tempo de espera, com 30% a reclamarem junto do lar e 56% a admitirem ter recorrido a "cunhas". Alguns mentiram, dizendo que o estado de saúde do idoso era mais grave do que na realidade, e uma minoria revelou ter oferecido dinheiro a funcionários do lar para obter vaga.
Cerca de um terço dos inquiridos queixou-se da falta de transparência nas condições de acesso, e quase 30% referiram que não havia regras específicas para a entrada no lar ou lista de espera.
Mais de 40% consideraram "bastante complexo o processo de admissão em lares públicos e público-privados". Apesar de a maioria estar satisfeita com o serviço do lar, há aspectos que mereceram desaprovação, como a falta de atividades de lazer (44%) e de profissionais (37%).
Quatro em cada 10 inquiridos apontaram ter havido algum problema relevante, sendo o mais frequente (25%) o desaparecimento de bens pessoais, seguindo-se os maus-tratos verbais (18%) e físicos (6%) por parte dos funcionários, bem como acidentes provocados por negligência destes (15%) ou falta de segurança nas instalações (9%).
RESULTADOS “ASSUSTADORES”A associação Deco/Proteste considerou "assustadores" os resultados do inquérito que indicam que dois em cada três dos idosos não têm capacidade para pagar o lar, considerando que a situação é grave e tem tendência a agravar-se. "Este estudo identifica claramente um grande problema: há um desfasamento cada vez maior entre a oferta existente e a procura deste tipo de estrutura", disse à agência Lusa Bruno Campos Santos, da revista Proteste.
Bruno Campos Santos explicou que "a esperança de vida está a aumentar e a pressão da fatia dos idosos está a ser mais rápida do que o crescimento da resposta ao aprofundamento das necessidades, que sempre existiram, mas que agora se colocam com maior premência".
Segundo o INE, em 2050 um terço da população portuguesa será idosa. Actualmente, de acordo com os censos 2011, os indivíduos com mais de 65 anos representam já cerca de 20% da população. "O caminho que se está a fazer é claramente o de agravamento deste problema", disse o técnico, considerando que a reposta ao problema passa por um maior envolvimento do Estado. Tem de haver "um aumento do envolvimento do Estado na construção de respostas para este problema, seja ao nível da criação ou desenvolvimentos de estruturas próprias, seja através dos acordos que estão a ser estabelecidos com instituições de solidariedade social, que têm aqui um papel relevantíssimo", sublinhou. "Terá de ser por aqui o caminho para tentarmos minimizar o impacto deste problema", comentou. Bruno Santos alertou que há lares que apresentam um determinado tipo de oferta e depois não cumprem, porque "os custos não permitem que haja essa correspondência", explicou.
O inquérito revela que 17% dos lares não cumprem com as actividades prometidas, 17% apresentam custos inesperados no final do mês, "uma pressão adicional sobre as famílias" e 12% reportam o aumento inesperado da mensalidade, numa altura em que "os orçamentos familiares estão com elasticidade zero", adiantou. Bruno Campos Santos adiantou que "o desejável" seria que a fiscalização conseguisse controlar todas estas situações, mas é preciso compreender que "há hoje uma margem do sistema que vive na ilegalidade". "Todos nós sabemos de casos de proprietários de lares que fecham na rua A e passados uns dias abrem na rua B", comentou, adiantando que as famílias têm de ter "um papel de escrutínio". "É fundamental que as famílias se informem sobre as condições que um lar tem de apresentar para funcionar", disse, acrescentando: "Não podemos pensar que a fiscalização consegue estar permanentemente a acompanhar a criatividade destes proprietários de lares ilegais".
10 MIL IDOSOS EM LISTA DE ESPERAA Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, que representa quase 2700 entidades, 1300 das quais com lares, estima que existam cerca de 10 mil idosos em lista de espera. Segundo a CNIS, poderá haver, em três anos, até mais 4 mil camas nas instituições, resultado de investimentos cofinanciados pelo Estado português e por fundos comunitários, mas é um número que, manifestamente, continuará a ser insuficiente face à procura.
A CNIS recomenda que o Governo deve dar continuidade à expansão da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, com equipas domiciliárias que apoiem os cuidadores informais e prestem cuidados de saúde aos idosos.
Segundo o Governo, foram criadas mais cerca de quatro mil novas vagas desde as alterações à lei dos lares, há um ano. A medida foi publicada em Diário da República a 21 de Março e tinha como objectivo definir as condições de organização, funcionamento e instalação das estruturas residenciais para pessoas idosas. Para maximizar a capacidade instalada, a nova legislação permite que os quartos individuais possam ser usados como quartos duplos, desde que a dimensão da divisão o permita. Com esta legislação, o Governo previa conseguir um aumento potencial de cerca de 20 por cento, que se poderia traduzir em 10 mil vagas, já que, em média, cada estrutura existente teria cerca de sete novas vagas.
Dados da Segurança Social, relativos às instituições com as quais o Governo tem acordos de cooperação, mostram que entre Fevereiro de 2012 e Março de 2013 houve um acréscimo de 7,1% no número de vagas, o que significa que foram criadas cerca de 4 mil novas vagas.
No entanto, contactadas as principais organizações representativas do sector social, os números não são coincidentes: A União das Misericórdias aponta para a criação de cerca de mil camas, enquanto o presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade não arrisca um número e diz que é um processo em desenvolvimento ainda sem expressão notória.
O presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade (CNIS) disse que este é um "processo que está em marcha", mas que é um "processo lento" que obriga a adaptações, principalmente ao nível dos recursos humanos. "Isto não é de efeitos imediatos, é lento porque havia necessidade de adaptar as próprias instalações porque um quarto pode ter as dimensões para ter as três pessoas, mas pode não estar ainda suficientemente adaptado para ter estas pessoas", explicou o padre Lino Maia.
O responsável afirmou que a medida foi muito bem acolhida pelas instituições e defendeu que é o caminho a percorrer, mas preferiu não arriscar nenhum número quanto a um aumento da capacidade instalada durante estes doze meses. "Não fizemos ainda nenhum levantamento, mas penso que se o fizéssemos não chegaríamos a resultados muito significativos. É um processo que se está a desenvolver, mas ainda sem expressão notória", afirmou.
Alertou, por outro lado, que o aumento do número de vagas pode não significar mais acordos de cooperação e que, por isso, as instituições podem ser obrigadas a receber mais pessoas, mas sem mais apoios financeiros por parte do Estado.
O presidente da União das Misericórdias, por seu lado, defendeu que esta alteração teve como resultados positivos o ter permitido "regularizar alguma capacidade que havia nos lares e que não era permitida", ao mesmo tempo que permitiu instalar mais camas noutros lares. "A nossa estimativa é que no imediato deu à volta mais 460 camas e no total deu cerca de mil camas. A legislação permitiu, de uma forma legal, que era o que não existia, aumentar a capacidade dos lares em cerca de mil pessoas, o que é um aumento muito significativo e muito importante", sublinhou Manuel Lemos.
250 MILHÕES DE EUROS PARA LARES EM 2012O Instituto de Segurança Social (ISS) assegurou que dá resposta aos casos de idosos em que se confirme uma "necessidade de institucionalização urgente", afirmando que despendeu, em 2012, cerca de 250 milhões de euros para a resposta em lares. O inquérito da associação Deco/Proteste, publicado na revista Teste Saúde, refere que um em cada dez idosos esteve cerca de um ano em lista de espera para entrar num lar e 5% mais de três anos.
A Segurança Social explicou, numa nota enviada à agência Lusa, que os "lares de idosos não são públicos": Podem ser privados com fins lucrativos ou lares de instituições privadas de solidariedade social. Salienta ainda que "não existe uma sistematização de dados de âmbito nacional sobre tempos de espera em lares" e que as condições de acesso aos lares de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) com acordos de cooperação são estabelecidas pelo Regulamento de Admissão. No entanto, sublinha, "da parte do Instituto da Segurança Social sempre que se confirma uma necessidade de institucionalização urgente é dada resposta quer seja através de colocação em lares com acordo de cooperação, quer seja, com a comparticipação de lares lucrativos".
Neste sentido, o Instituto da Segurança Social afirma que tem vindo a aumentar o número de respostas em lares, passando de 1.771 acordos de cooperação em 2011 para 1.805 em 2012, tendo despendido no ano passado cerca de 250 milhões de euros, mais 20 milhões relativamente a 2011 para as respostas a lares de idosos.
O ISS acrescenta que tem promovido o aumento de outras respostas sociais para idosos, como o apoio domiciliário. "O número de respostas de apoio domiciliário aumentou significativamente", passando de cerca de 65.500 utentes, em 2010, para cerca de 67.500 utentes em 2012, o que representou "um investimento acrescido do Instituto da Segurança Social de cerca de 6 milhões de euros", acrescenta na nota.
Data de introdução: 2013-04-08