OPINIÃO

O futuro a Deus pertence

1 - A greve geral de 27 de Junho que antecedeu e precipitou a actual crise política na maioria governamental – e, depois dela e a partir dela, no País – teve algumas características diferentes das anteriores.
Não estou a referir-me à grande adesão – a que muitos falantes chamam aderência, como os chicletes – que a greve evidenciou, bem como à convergência das duas centrais sindicais na convocação e organização conjunta do protesto.
A principal novidade foi mesmo o facto, inédito, de a greve geral dos trabalhadores ter tido a compreensão, senão mesmo o apoio expresso, das entidades patronais, através das respectivas confederações.
Na verdade, quer a Confederação dos Agricultores Portugueses – CAP -, quer a Confederação do Comércio de Portugal – CCP -, quer a Confederação Industrial Portuguesa - CIP – representando todo o tecido empresarial português, vieram reconhecer, em posição formal e pública, as razões dos trabalhadores quanto às queixas que estes vêm apresentando – seja por causa da perda ou da falta de emprego, seja pelos cortes nos salários e nas pensões, seja pelo empobrecimento geral que vai agravando as já de si tão difíceis condições de vida dos portugueses.
Em consequência – é esta a novidade –, as referidas Confederações patronais vieram considerar justa a greve e fundamentados os seus motivos.
Os cínicos dirão que não foi tanto a defesa dos direitos dos trabalhadores que moveu o patronato, antes o terá sido o facto de os trabalhadores serem igualmente consumidores e o seu progressivo empobrecimento ter conduzido a uma travagem brusca no consumo, pela perda – sim, digo “perda” quando me refiro àquilo que havia e passou a faltar, deixando a palavra “perca”, hoje tão largamente usada a este propósito, para uma espécie de peixe do Nilo – de rendimentos e consequente diminuição das vendas dos bens produzidos pelas empresas portuguesas.
Foi também seguramente isto, mas igualmente o facto de o empobrecimento ter atingido muitos pequenos empresários, inactivados pela falta de crédito às pequenas empresas, depauperados pela perda de mercados, espoliados pelo fisco e asfixiados pela falta de pagamento das dívidas de que são credores, entre elas as do Estado – dando expressão às teorias do marxismo sobre o facto de o desenvolvimento do capitalismo e a consequente concentração e acumulação do capital conduzir à proletarização de muitos pequenos empresários e comerciantes.
“Vem tudo nos compêndios”, como escrevia António Gedeão, no Poema do Coração.

2 - A este propósito, e para sairmos da vulgata em que os comentadores e os economistas da corte nos querem convencer, no seu jargão de uso privativo, da necessidade irremediável das medidas impostas pela troika, para assegurar a sustentabilidade das gerações do futuro, recorto de um artigo de opinião publicado no jornal Público de domingo passado, de Jorge Lains, sobre o Memorando de Entendimento, o seguinte passo: “Como foi possível levar a cabo um pacote de políticas teoricamente mal fundamentadas e instrumentalmente mal desenhadas? Como foi possível tanta gente ter caído durante tanto tempo e com tanto convencimento num erro de tamanha dimensão? A explicação tem de ir para além das inclinações ideológicas e dos desejos políticos e é preciso analisar quem de facto mais ganhou com essas escolhas, a nível nacional e internacional. Dessa análise só pode resultar uma conclusão, a saber, ganharam os interesses financeiros e os mais ricos da sociedade, em Portugal e noutros países. Perderam as pessoas menos abonadas, incluindo muitos empresários, e, com elas, a social-democracia e a integração europeias, e a globalização equilibrada e com futuro.”
É como nos romances policiais, que dantes líamos nas férias de Verão: no início, antes de estarmos por dentro da trama, a culpa parece ser sempre do mordomo.
Mas, no fim do romance, acabamos por verificar que a nossa intuição é que estava certa – e que o culpado não era o mordomo, era quem tinha interesse ou ficou a ganhar com o crime.
É como na gestão dos negócios públicos: também me parece, com Pedro Lains, que, se, no que levamos de crise, quem ficou perder foram os de sempre: os trabalhadores, os reformados e os pensionistas, os desempregados e os pobres, os pequenos empresários e comerciantes; e quem continuou a ganhar foram os de sempre: os bancos e os banqueiros, as grandes empresas rentistas e os monopólios, as PPP, as comissões e os favores, porque razão haveremos de pensar que o Memorando correu mal, ou que a crise internacional perturbou os objectivos – que eram – são sempre! – magníficos?
Para além do Memorando – pois não era esse o Programa?
Por que não pensar que tudo correu de acordo com o guião e que os resultados foram os queridos desde o início: para ganhar quem se queria que ganhasse; e para perder quem não importava que perdesse; para transferir ainda mais riqueza do trabalho para o capital, como desde o princípio do mundo.
O que foi a questão da diminuição da taxa da TSU para os patrões e o seu aumento para os trabalhadores, que originou a primeira grande crise na coligação de governo, senão um episódio, que se frustrou, dessa transferência de riqueza?

3 – Há um outro ponto, paralelo a este, que me vem causando uma perplexidade que não tenho conseguido resolver.
Também sobre ele há uma verdade e uma religião oficial, com os seus oficiantes próprios: a clique dos economistas e gestores que saltitam da banca e das empresas monopolistas para o governo, ou vice-versa; e os jornalistas que frequentam essa corte e que, ora preparam o terreno para as medidas mais penosas que se avizinham, ora debitam, como mera voz do dono, mas sob a aparência de independência e sabedoria, os recados que essa clique manda.
Trata-se daquilo a que chamam defesa da sustentabilidade do sistema de protecção social, com que todos enchem a boca, mas que não consiste noutra coisa senão em reduzir as pensões de reforma até ao osso, em nome da garantia da protecção social no futuro.
Não deixam nunca de lembrar o destino dos nossos filhos e dos nossos netos, quando procuram explicar-nos por que nos confiscam as pensões e as reformas.
Temos de perceber a necessidade de cortes severos agora, no que nos diz respeito, nos nossos direitos – é o que nos dizem - para aos nossos filhos e netos, daqui a 20 ou 30 ou 50 anos, não lhes faltar o apoio social.
Confesso que acho peculiar que os mesmos que se enganam nas previsões – em todas as previsões - para os próximos seis meses – que digo eu!? Para os próximos três meses … - nos queiram convencer com tanta antecedência e saibam com tanta convicção como vai ser, e que recursos serão necessários, daqui por 20, ou 30, ou 50 anos.
Com a vantagem de, daqui a tanto tempo, já nenhum de nós estar aqui para conferir as previsões: nem eu, que sou confiscado; nem o Governo, que confisca.
Assim, até eu servia para Ministro das Finanças.
É também uma ideia um pouco peregrina que queiram ser eles a conformar, com tantos anos de antecedência, o modo de vida e o tipo de organização social em que os nossos netos haverão de viver.
Melhor fora que nos governassem a nós, que vivemos hoje e que, por tal razão, os elegemos e perante quem respondem, e que o fizessem com escrúpulo e competência, do que quererem governar o futuro.
Tem razão José Pacheco Pereira, quando insiste, como vem fazendo a propósito desta crise continuada em que anda o País, que o Governo deve governar para os vivos – não para os que ainda não nasceram.
Esses saberão, quando chegar o tempo, escolher o modo de organização social que melhor responda aos seus anseios e necessidades.
E eleger – espero bem – os melhores para, no tempo deles, continuar a afirmação da nossa Pátria comum.
Mas essa escolha é com eles – não é connosco.


P.S. – A propósito de sustentabilidade da Segurança Social e da protecção do sistema para as gerações futuras: terá sido a pensar nesse futuro que Vítor Gaspar, na véspera da sua saída do Governo, deu ordens para que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social vendesse aplicações financeiras seguras sobre o estrangeiro, para comprar dívida pública portuguesa, de elevado risco, até 90% dos seus fundos, por razões meramente de política financeira, sem qualquer racionalidade do ponto de vista do investimento.
Se houver um segundo resgate, e parte da dívida pública for perdoada, como na sucedeu na Grécia, toda essa parte perdoada vai à vida, fica perdida para a Segurança Social: acontece o mesmo que aos demais credores da dívida pública.
E perdida fica para os nossos filhos e netos, a quem pertence …

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2013-07-11



















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