Estávamos ainda a tentar perceber o verdadeiro alcance das imagens de violência que, durante alguns dias, recebemos da Turquia, quando, de repente, fomos confrontados com outras semelhantes, estas provenientes do Brasil. Apesar de algumas diferenças, as imagens que nos chegaram de Brasília, do Rio de Janeiro, de S. Paulo e de outras cidades brasileiras foram de choque e surpresa, ou não tivéssemos interiorizado já a ideia de que o Brasil se tinha tornado, no decurso dos últimos anos, numa espécie de paraíso, invejado e procurado por muita gente, a começar pelos portugueses.
O Brasil ocupa o sétimo lugar entre as potências económicas mundiais. Venceu, pelo menos em grande parte, a luta contra a pobreza e consolidou o regime democrático. Tinha pois todas as condições para passar de uma simples potência económica emergente a uma potência política real e efectiva. Acontece ainda que o país vai ser, nos próximos tempos, palco de grandes eventos internacionais, como é o caso da celebração do Dia Mundial de Juventude, a visita do Papa, e a realização do campeonato do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos de 2016 Se a tudo isto juntarmos o orgulho brasileiro e o tradicional optimismo do seu povo, temos uma certa dificuldade em perceber este súbito espírito “revolucionário” .
Sociólogos e politólogos têm agora mais um tema para as suas análises, e estas, embora possam apresentar algumas diferenças, convergem quase todas para algumas conclusões comuns. A primeira é a de que, afinal, o Brasil está mais doente do que a sua economia aparenta, uma doença que, pelos vistos, terá escapado à percepção dos políticos brasileiros e da opinião pública internacional. A segunda é que, também no Brasil, não foram os partidos políticos nem os seus respectivos líderes a puxar pelo povo e a liderar os seus protestos, mas sim as chamadas redes sociais. A terceira é que o famoso aumento dos transportes foi muito mais um pretexto do que uma verdadeira causa para esta explosão.
A Turquia é também uma potência regional. O seu crescimento económico nos últimos dez anos tem sido impressionante, mas, ao contrário do Brasil, trata-se de um país ainda em busca de uma verdadeira identidade, à procura de um equilíbrio entre o progresso social e cultural e o apego à tradição islâmica, entre a sedução da modernidade e o peso da sua história centenária. A intervenção urbanística num parque de Istambul, que despoletou a violência na Turquia, foi apenas um pretexto.
De qualquer modo, num caso e noutro, tratou-se de crises inesperadas.
António José da Silva
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