ASSOCIAÇÃO JARDIM INFANTIL DE FERREL, PENICHE

Futuro levanta receio por falta de crianças

Tal como o próprio nome indica, Associação Jardim Infantil de Ferrel, em Peniche, é uma instituição dedicada à Infância, acolhendo, no momento, 40 crianças em creche e mais 72 em pré-escolar. No sentido de expandir esse apoio aos petizes que fora do horário escolar não tinha onde passar o tempo, a instituição apostou na ampliação do edifício para dar mais uma resposta, no caso de ATL.
“A nova ala do edifício era destinado para Actividades de Tempos Livres, mas quando estávamos a terminar a obra, o Governo decretou o prolongamento de horário nas escolas e veio tirar a finalidade ao edifício”, explica Joaquim Jorge, presidente da Direcção da instituição, que avança a nova finalidade que lhe pretendem dar: “Agora vamos dar utilidade ao espaço com o aumento da creche, com cerca de 30 bebés que estão em lista de espera, e vamos aumentar a capacidade para o pré-escolar com a inclusão de mais algumas crianças”.
Sara Caldas, directora-técnica da instituição, sustenta que apesar do recuo, na instituição ainda se equacionou a possibilidade de abrir o ATL, mas o recuo dos pais, inviabilizou tal intenção: “Na altura, porque o PARES apoiava a reconversão dos ATL em creche pensámos logo nisso, mas tínhamos 60 fichas de inscrição para ATL! Contactámos todas as famílias que, apesar da situação, estavam interessadas no ATL da instituição, uma vez que as AEC iam apenas até às 17h30 e isso não servia os interesses da comunidade. No entanto, em Setembro, altura de avançar e fizemos os primeiros contactos com as famílias, afinal estas já não queriam, porque tinham que pagar… É a velha questão do dinheiro. Obviamente, não tínhamos condições para manter um ATL sem financiamento das famílias. Por isso decidimos não avançar com o ATL e apostar na reconversão”.
Contudo, também aqui o processo de instalação da nova creche naquele espaço tem sido retardado por questões burocráticas, como explica a directora-técnica.
“Entretanto, por falha de um técnico que acompanhou a obra e também das Finanças, não se aperceberam que havia um diferencial entre as escrituras e o levantamento topográfico… Então, desde 2008 até há um ano, andámos de um lado para o outro nos serviços públicos a tentar resolver uma situação que ninguém sabia muito bem como o fazer. A verdade é que foi muito complicado solucionar esta situação, mas que tinha que o ser, porque o edifício estava construído e era necessário dar-lhe solução. O mal estava feito, era preciso resolver as questões burocráticas”, sustenta Sara Caldas, que acrescenta um argumento de peso para que o edifício comece a ser utilizado o mais rápido possível: “É que aquele alargamento do edifício foi feito com dinheiros exclusivamente da instituição. Só agora as coisas estão todas legalizadas e, há cerca de um ano, entrámos com o projecto da creche, que já teve deferimento da Segurança Social, mas que ainda aguarda outros”.
Com um grande investimento feito na obra e a sua não utilização plena, se bem que a instituição tem utilizado o espaço com outras finalidades, os responsáveis pela instituição lamentam a demora burocrática cujas implicações na contabilidade do jardim Infantil são óbvias.
“Obviamente que tem afectado a instituição, porque ainda não houve nenhuma rentabilização económica, embora o edifício seja todo utilizado. Temos lá três salas e um polivalente de 300 metros quadrados, espaço onde realizamos as nossas AEC, como a de música. O polivalente é um espaço alternativo ao recreio no Inverno, onde as crianças desenvolvem actividades fora do contexto de sala e ainda actividades livres. É um espaço onde as crianças podem libertar toda a sua energia quando saem das salas. E ainda temos a AEC de capoeira. As outras salas são utilizadas pelas educadoras para o trabalho delas, servem ainda para pintura de cenários e muitas outras actividades”, explicita Sara Caldas, que não deixa de ver o espaço como algo de muito positivo para a instituição: “Este edifício veio dar uma maior qualidade ao Jardim Infantil, mas em termos de rentabilidade, nada”.
A reconversão do espaço em creche, ao contrário de outros locais no concelho de Peniche, não cria receios imediatos aos responsáveis pelo infantário de Ferrel. Porém, o futuro a médio prazo levanta algumas dúvidas a Sara Caldas.
“Actualmente, embora ainda tenhamos lista de espera e Ferrel seja uma freguesia com taxas de natalidade das mais elevadas, o espaço será sempre utilizado, pois ainda temos muitas crianças. Ao contrário de algumas instituições que começam a sentir que as crianças são cada vez menos, aqui, para já, não temos esse problema e continuamos com lista de espera grande. Futuramente não sabemos e, efectivamente, esta nova creche traz-nos alguma apreensão não para os dois próximos anos lectivos. Aliás, estamos a fazer obras de reconversão e a equipar as salas, pelo que têm que funcionar alguns anos para repor o investimento. Começamos a ter alguma apreensão, não pela nossa realidade de Ferrel, mas pelas realidades à nossa volta, que até quando chegarão a Ferrel. Se Ferrel ainda não sente muito, porque as pessoas são dinâmicas, até poupam e têm uma dinâmica familiar muito forte, a crise é no País e inevitavelmente acabará por chegar aqui e, neste último ano lectivo, já tivemos sete crianças que desistiram, porque os pais emigraram. Não foi problemático porque temos uma lista de espera grande, mas começamos a ter algum receio quanto ao futuro”.

PLANO B PARA A SUSTENTABILIDADE

Perante as conhecidas dificuldades que a maioria das IPSS atravessa, preparar o futuro é um trabalho que já vem sendo desenvolvido na instituição.
“Temos muitas ideias para implementar. Já temos um plano B para o caso de, no futuro, a nova creche não ser viável, mas é algo ainda muito embrionário e, como tal, ainda não posso revelar”, refere Sara Caldas, revelando algumas iniciativas que pretendem pôr, desde já, em prática: “No sentido de angariar fundos, temos algumas ideias que até partiram do corpo de funcionárias, nomeadamente, noites de fados, organizar umas tasquinhas rurais, fazer sopa de bebé para vender para fora, espectáculos de teatro de variedades, confecção de bolos às sexta-feiras para vender para fora”.
Muitas destas ideias surgiram, precisamente, da equipa de funcionárias da instituição, fruto de uma gestão partilhada promovida pela Direcção-Técnica.
“Isto acontece porque tem havido a sensibilização das funcionários para a realidade que vivemos. A ideia é lançar uma espécie de empresa dentro do Jardim Infantil, em que seríamos sócias da instituição. Pretendemos criar um conjunto de alternativas, em que seríamos sócias da instituição e em que os lucros seriam divididos”, explica Sara Caldas, que deixa uma forte crítica: “Isto é uma forma de também motivar as pessoas, porque as tabelas salariais das IPSS são, no mínimo, vergonhosas. Há pessoas com 20 anos de casa que ganham 500 euros! Se bem que aqui toda a gente recebe acima da tabela”.
Face à situação do País e às grandes dificuldades das famílias, que acabam sempre por se reflectir nas IPSS, os responsáveis pelo Jardim Infantil de Ferrel há muito que apostam numa gestão rigorosa e que implica todo o corpo de funcionários.
“Tudo se faz com uma gestão muito rigorosa. As instituições têm que trabalhar no sentido de ter uma gestão muito cuidada, tem que se olhar para tudo, desde o papel higiénico ao papel para as mãos… Temos que procurar poupar ao máximo, ou melhor, fazer tudo por não estragar, porque estraga-se muita coisa”, afirma Sara Caldas, que deixa uma opinião muito singular sobre a crise que se vive actualmente: “Vivemos numa sociedade de consumo imediato em que as pessoas aprenderam a consumir, isto é algo que está muito enraizado no quotidiano das pessoas, do indivíduo e das famílias. E, efectivamente, penso que esta crise foi a melhor coisa que nos aconteceu, porque estamos a rebuscar muitos valores há muito esquecidos e que são fundamentais, como a partilha, a solidariedade, a criatividade, a poupança”.
Em termos de saúde financeira, o Jardim Infantil de Ferrel está bem, mas, como defende a directora-técnica, “é com esta política do não estragar, que no fundo é poupar, que a instituição consegue viver com alguma tranquilidade face aos tempos que correm”.
E não só, porque todos os anos a Direcção tem feito investimentos no sentido de melhorar o equipamento.
“Todos os anos investimos, procuramos sempre ter a instituição nova”, começa por dizer o mentor e fundador da instituição, enumerando: “No ano passado gastámos 27 mil euros com um dos recreios, no ano anterior 60 mil euros no telhado e há quatro anos remodelámos a creche… Este ano já investimos 36 mil euros em painéis fotovoltaicos, o que já nos está a dar rendimento. Por exemplo, em Junho e Julho rendeu-nos mais de 500 euros”.
No espaço que está para ser reconvertido em creche e enquanto tal não acontece, para além de albergar, provisoriamente, a extensão da Cruz Vermelha, ali funciona ainda o Projecto GPS e este Verão, pela primeira vez, acolheu uma Colónia Balnear de jovens carenciados, no âmbito do Projecto Escolhas.

HISTÓRIA

Enquanto lutava no Ultramar, numa guerra que ele, tal como muitos dos milhares de militares portugueses que travavam a guerra nas ex-colónias africanas contra os independentistas locais, Joaquim Jorge fez uma promessa.
“Quando estava no Ultramar prometi que se escapasse ia dedicar-me à minha terra naquilo que pudesse e é o que tenho feito toda a minha vida”, recorda o fundador e presidente da Associação Jardim Infantil de Ferrel.
Joaquim Jorge lembra que a, então, aldeia nada tinha que ver com a vila que é hoje, pois “era a terra mais pobre do concelho de Peniche”.
“Uma coisa que me fazia aflição era ver as pessoas irem trabalhar, para os campos e outros sítios, e as crianças andarem para aí sozinhas na rua ou acompanhavam os pais para os campos num cesto”, explica, contando como foi que começou a pôr em prática o cumprimento da promessa feita de baixo de fogo inimigo: “Falei com uma assistente social, na delegação da Segurança Social das Caldas da Rainha, para saber qual era a hipótese e como poderíamos fazer algo por essas crianças. A partir daí comecei a trabalhar nesse sentido e, em 14 de Dezembro de 1969, curiosamente, dia em que nasceu a minha filha, dei o primeiro passo durante a festa de Natal que as professoras da Escola Primária organizaram. No intervalo da festa, lancei o repto a quem se quisesse juntar a mim para formar uma comissão instaladora. Reuni ali um grupo de quase 20 pessoas e, em menos de um ano, estávamos a abrir o Jardim Infantil. A 12 de Outubro de 1970 começou a funcionar, nesse mesmo barracão onde decorreu a festa da Primária e que era também o salão de baile e e espaço de muitas outras actividades na terra”.
E a implantação do Jardim Infantil de Ferrel, freguesia do concelho de Peniche, foi um processo bastante rápido e que acabou por beneficiar dos tempos conturbados que se seguiram à Revolução de 1974, uma história de contornos muito curiosos e até engraçados!
“Começámos nessa casa em 1970, depois tivemos uns cinco anos numas condições não muito boas, mas como a assistente social me dizia, era preciso era começar. Entretanto deu-se o 25 de Abril… Havia aqui na terra uma casa senhorial, construída para a senhora mais rica da terra para quando se casasse, mas isso nunca aconteceu… Ela era uma senhora rica, mas não era uma rica senhora! Após a Revolução começaram as ocupações de casas e a senhora entrou em pânico. Então, chamou-me para me dizer que cedia a casa à instituição antes que lha ocupassem. Era uma casa com 60 anos, mas que nunca tinha sido habitada, pelo que estava como nova! Fomos, então, para essa casa em 1975. A senhora mais tarde arrependeu-se, porque não lhe ocuparam a casa, mas disse-lhe logo que só saíamos quando tivéssemos a nossa casa”, conta Joaquim Jorge, que recorda as dificuldades em concretizarem o sonho de ter uma casa própria, processo só desbloqueado depois da tradicional «cunha» portuguesa.
“Logo de início começámos a trabalhar no sentido de construirmos um equipamento de raiz para a instituição. Em 1972, ainda funcionávamos no barracão, já tínhamos um projecto aprovado, bastante audacioso e talvez por isso não tenha avançado! A verdade é que outros projectos avançavam e o nosso foi ficando sempre para trás, até ao dia em que recorri a amigos que tinham influência e, então, as coisas andaram mesmo. Fizemos, então, um novo projecto que quando avançou e passou mesmo a ser um projecto-piloto da Segurança Social. Na altura não tínhamos dinheiro nenhum e foi a Segurança Social que o financiou a 100%. A construção do edifício, que é este em que estamos actualmente, começou em 1981 e foi inaugurado a 1 de Setembro de 1983, tendo a instituição iniciado actividade com 12 crianças”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2013-09-11



















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