Números do Instituto Nacional de Estatística indicam que se registaram mais 64 casos do que em 2011. Idosos continuam a suicidar-se mais, pelo que deveriam ter intervenção prioritária, segundo especialista.
As mortes por suicídio aumentaram no ano passado. O Instituto Nacional de Estatística contou 1076 mortes por “lesões autoprovocadas intencionalmente”, mais 64 casos do que os 1012 suicídios registados no ano anterior.
Apesar do ligeiro aumento (6,3%), os suicídios continuam abaixo os registados em 2010 (1098 casos). Pelo reduzido intervalo temporal, estas estatísticas não permitem grandes leituras por parte dos especialistas. Há, porém, uma constante na tendência para a ocorrência de mais casos de suicídios entre os idosos, o que leva Carlos Pinhão Ramalheira, autor do estudo Epidemiologia do Suicídio em Portugal — 1902-2010, a apontar as fragilidades do recentíssimo Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013-2017, que não confere prioridade à prevenção do suicídio entre os idosos.
“Os idosos suicidam-se mais do que os jovens, é uma circunstância que, em termos de frequência relativa, se tem mantido uma constante ao longo da história portuguesa. Isso deveria bastar para que, numa lógica de saúde pública, os idosos surgissem à frente na hierarquia de prioridades”, critica.
Apesar de os números oficiais do suicídio em Portugal continuarem aquém da realidade — seja razões de
ordem religiosa, estigma ou para contornar problemas com seguros, muitos suicídios surgem registados como mortes por causa indeterminada —, há padrões que se mantêm constantes e que sustentam algumas conclusões. Uma delas é que a incidência do suicídio é 57 vezes superior nos idosos em comparação com os jovens. E efectivamente os números de 2012 confirmam que, do universo de 1076 suicídios, 727 foram cometidos por pessoas com 50 e mais anos de idade. No subgrupo das pessoas com 65 e mais anos, registaram-se 458 suicídios.
“O envelhecimento populacional por si mesmo representa uma pressão extraordinariamente superior para o aumento dos suicídios do que problemas como o desemprego”, exemplifica o médico. O especialista insiste, por isso, na necessidade de adequação da estratégia nacional de prevenção do suicídio à realidade epidemiológica de um país onde os idosos já perfazem 19% da população.
Face a isto, “não se percebe que o plano tenha arrancado com uma intervenção junto dos jovens”, reitera.
Em 2012, o grupo etário dos cinco aos 19 anos registou apenas 11 suicídios. Apesar disso, o plano nacional dá prioridade a acções de prevenção do suicídio em várias escolas do País, através, por exemplo, do alargamento do projecto +Contigo que arrancou no ano lectivo 2009/10 nalgumas escolas de Coimbra. E isto acontece porque, como contrapõe José Carlos Santos, professor na Escola de Enfermagem de Coimbra, os comportamentos autolesivos, como a intoxicação medicamentosa, são muito frequentes entre os jovens. Pior: se não forem prevenidos, tendem a degenerar em actos suicidas em idades mais avançadas. “Se prevenirmos os comportamentos autolesivos entre os jovens estamos a prevenir o suicídio entre a gente mais idosa. Porquê? Porque os comportamentos autolesivos na juventude, como a
intoxicação medicamentosa e por venenos, são um facto de risco para um comportamento suicidário no futuro”, sustenta o também ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia.
No tocante aos idosos, o que o plano nacional de suicídio prevê são medidas genéricas como “a sinalização e a monitorização dos que vivem isolados”, a par de uma “maior vigilância e supervisão do seu estado de saúde” e da “melhoria da rede de apoio para o desenvolvimento de actividades de vida diária”.
O plano nacional, recentemente apresentado à tutela mas ainda sem garantias de cobertura financeira, pressupõe que o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) entre em funcionamento pleno até Dezembro. A ideia é que os certificados de óbito electrónicos ofereçam uma tradução muito mais fiel das causas de morte em Portugal.
E, segundo adiantou ao PÚBLICO o coordenador do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, Álvaro de Carvalho, “o sistema já chegou aos Açores e vai mesmo alargar-se a todo o território nacional antes do final do ano”. Em 2014, portanto, “já deverá ser possível determinar com muito mais rigor as causas de morte em Portugal”.
in jornal Público
Data de introdução: 2013-10-24