“A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) é algo de fundamental e tem sido feito um esforço grande por parte dos governos e das instituições sociais para implementar uma boa Rede”, começa por referir, ao SOLIDARIEDADE, Manuel Caldas de Almeida, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), acrescentando: “Para além da Rede, a lógica da competência técnica é muito útil para o País”.
Numa avaliação ao momento actual da Rede, este responsável da UMP, cujas associadas detêm 50% dos acordos celebrados, aponta como primeira consideração o facto de que “poderia haver uma melhor distribuição territorial”, que, especialmente, na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) apresenta algum défice.
Por outro lado, “deve continuar a desenvolver-se as competências técnicas necessárias, ou seja, olhando às necessidades paliativas e às demências”, sustenta Caldas de Almeida, especificando: “Não com unidades de internamento, mas com competências que os técnicos, médicos, enfermeiros e outros, têm que ter para dar melhor qualidade de vida aos doentes, muitos deles já perto do fim da vida”.
O responsável pela área dos Cuidados Continuados da UMP sugere ainda o incremento de “uma menor carga administrativa” na Rede, porque acarreta “encargos excessivos”, e ainda a criação de “melhores métodos para alocar as pessoas”.
Para Caldas de Almeida, “a Rede é ainda muito rígida, não tanto em termos de tempo de internamento, mas na complexidade do processo”.
REFERENCIAÇÃO E ESPERA
É aqui que entram as Equipas de Gestão de Altas (EGA), equipas hospitalares multidisciplinares que têm por objectivo planear e apoiar as altas hospitalares com outros serviços para os doentes que requerem seguimento dos seus problemas de saúde e sociais, quer no domicílio quer nas unidades de internamento.
Já a ligação entre as unidades hospitalares e as Unidades de Internamento é, como diz Arsénio Santos, que lidera a EGA do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), “um organigrama um pouco complicado, porque há vários intervenientes”.
“Temos as Equipas de Gestão de Altas (EGA) nos hospitais, que também existem nos Centros de Saúde, que referenciam os doentes, temos depois uma equipa na zona de residência do doente, que é a chamada Equipa de Coordenação Local (ECL), que faz a análise do doente referenciado e que aceita, propõe alguma alteração. E noutro grau há a Equipa Coordenadora Regional (ECR), que em último caso faz a colocação do paciente na Unidade”, explica o clínico do hospital de Coimbra.
Refira-se que a RNCCI cobre o território continental e está dividida em cinco regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.
Contudo, o encaminhamento dos doentes para as unidades de internamento é algo mais complexo, como explica Arsénio Santos: “As Unidades de Internamento têm gestão própria, umas são IPSS, outras estão em instituições do SNS, portanto, quem coloca o doente não é quem o vai tratar e que vai receber o pagamento por esse tratamento, para não haver conflito de interesses”.
QUESTÕES SOCIAIS DECISIVAS
A esta altura interessa conhecer quais os critérios de referenciação e encaminhamento de um doente para os cuidados continuados, seja em internamento ou no domicílio.
“O princípio e a regra são que haja uma indicação de ordem clínica, mas as questões sociais têm o seu peso, porque obviamente as condições que o doente possa ter para fazer o tratamento adicional que precisa no seu domicílio também pesa na decisão se precisa ou não de cuidados continuados”, refere, ao SOLIDARIEDADE, Arsénio Santos, complementando: “Agora, na prática, por vezes, há situações em que temos que atender um bocadinho mais à componente social, porque as dificuldades são tantas que se não atendermos a isso acabamos por hipotecar o futuro do dente e a sua situação. Diria que a regra é clínica, mas no dia-a-dia, por vezes, temos que atender um pouco mais às questões sociais”.
E os problemas maiores se tornam quando se sabe que a Rede não chega para as necessidades.
“Ninguém tem números certos, não há um real estudo sobre as necessidades do País”, argumenta Caldas de Almeida, adiantando que a UMP por um lado e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), na qual a RNCCI está integrada, por outro, estão a levar a efeito estudos nesse sentido.
A opinião a montante da Rede é que, de facto, o número de camas em unidades de internamento é escasso, pois existem ainda muitas altas proteladas por falta de vagas.
“Ainda é pouco para as necessidades… Aliás, a lista de espera, que temos, neste momento, de cerca de 60 doentes referenciados é sinal disso. As Unidades estão sempre todas cheias”, sustenta o chefe da EGA do CHUC, dando ainda conta de uma outra realidade: “Há outros doentes que, eventualmente, beneficiariam em fazer uma passagem pelos cuidados continuados e que, por vezes, havendo as dificuldades que sabemos, os próprios clínicos gerem essas situações e acabam por referenciar menos do que poderiam fazê-lo, porque sabem desse défice. Referenciam apenas aqueles mais prementes, arranjando para os outros alternativa, através de familiares ou do apoio domiciliário”.
O médico de Coimbra refere ainda que havia objectivos a atingir em número de doentes hospitalizados que deveriam ser referenciados, mas a realidade está “muito longe disso”.
“Para as necessidades actuais seriam necessárias mais vagas e, eventualmente, deveríamos referenciar mais gente que não podemos fazê-lo porque não há saída para eles”, defende, adiantando que no CHUC há “um número variável, quase sempre, entre os 30 e os 40 em espera e em momentos maus já chegou a ser de 80 doentes”.
META INALCANÇÁVEL
Para o período de criação e implementação da RNCCI, entre 2006 e 2016, o objectivo é de que no final existam 16.000 camas em unidades de internamento. Para os diversos agentes intervenientes na Rede, tal meta é praticamente inalcançável, até porque a três anos do final do prazo existem apenas cerca de 7.000, ou seja, menos de metade do perspectivado.
“As 16.000 camas em 2016 é um número comparado com realidades estrangeiras. A nossa realidade não será muito diferente e as necessidades não fugirão muito disso, mas não são números atingíveis nesta meta temporal”, sustenta Caldas de Almeida, opinião corroborada por Joaquim Vale, da Direcção da CNIS: “Muito sinceramente, não tenho meios para me pronunciar com toda a propriedade sobre o assunto, mas tendo em conta o estado do País e a nossa situação económico-financeira, penso que não é possível alcançar esse objectivo”.
Também para o clínico Arsénio Santos o futuro não se afigura muito risonho neste particular: “A primeira questão é saber até que ponto a previsão de camas que iam abrir será cumprida ou não e, na presente conjuntura económica e com as dificuldades que existem, essa é uma questão em aberto e muito da evolução depende desse factor. Há outra questão que nos pressiona cada vez mais que é, com a actual situação económica e com o desemprego, os problemas de ordem social e, especialmente, de apoio aos idosos agravaram-se. Portanto, sentimos mais do que nunca a pressão nas enfermarias de situações delicadas e que temos dificuldade em resolver”.
A situação de crise que o País vive não ajuda, não só não resolvendo a questão das vagas, como fazendo surgir novos problemas a nível social.
“O problema social é já o que conhecemos e suspeitamos que possa vir a agravar-se, não só pela situação económica, mas também porque a nossa população está a envelhecer e temos novamente os mais novos a emigrar. Por isso, é importante arranjar soluções no seio da comunidade e fora das instituições hospitalares, sob pena destas ficarem assoberbadas e entupidas com este tipo de problemas que não são delas e que tem consequências, como as de impedir a prestação de cuidados a quem está a precisar”, argumenta Arsénio Santos.
Para Caldas de Almeida, no presente, mais do que falar de número de camas, há que tomar atenção à distribuição territorial das unidades de internamento, pois “há zonas com boa cobertura, mas outras não”, sublinhando: “As metas nacionais devem manter-se, mas numa lógica de cobertura regional”.
Também para o responsável da União das Misericórdias, “o obstáculo financeiro do Estado é real”, mesmo assim Caldas de Almeida defende: “Apesar de tudo conseguimos abrir uma quantidade de unidades na região de LVT, que era a mais deficitária. Por outro lado, os circuitos estão a funcionar melhor e a circulação de doentes está a melhorar”.
Sendo a RNCCI um nível dos cuidados de saúde que existem – Primário nos Centros de Saúde; Agudos nos hospitais; e Cuidados Continuados nas Unidades de Internamento – e perante as dificuldades existentes, Caldas de Almeida considera que “seria um erro colocar as unidades de cuidados continuados dentro de outros níveis, como, por exemplo, dentro dos hospitais, porque a filosofia, a prática e a missão são diferentes”.
Esta opinião é sustentada igualmente pelo responsável pela EGA do hospital de Coimbra, mas pelo prisma dos custos: “Do ponto de vista económico é um tiro no pé, porque não conseguirmos arranjar uma vaga nos cuidados continuados, num lar ou noutro local e a contrapartida disso é o doente ficar no hospital, cujo custo para o erário público é muito maior”.
Apesar de estar a abrandar e longe das metas traçadas, o crescimento da Rede tem acontecido efectivamente [ver página 11].
A esse propósito, as unidades afectas à União das Misericórdias têm previsto abrir até ao final do ano mais 424 camas.
“Neste último semestre eram para ter aberto mais vagas, agora se vai haver mais abertura de camas não sabemos”, acrescenta António Nunes, enfermeiro que integra a EGA do CHUC.
“Com a agilização dos circuitos a maior necessidade era de unidades de Média e de Longa Duração, mas agora tem que se pensar em abrir Unidades de Convalescença, que são da responsabilidade do Ministério da Saúde”, revela Caldas de Almeida, que, apesar do cenário, se afirma optimista: “Cientes do nosso papel nas Misericórdias e nas IPSS, que é trabalhar para os que menos podem, acreditamos que as pessoas não estão sozinhas, pelo que não nos podemos dar ao luxo de não estar optimistas”.
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