A vitória dos manifestantes pró europeístas sobre o presidente ucraniano Victor Yukanovich foi total. Este, já depois de ter assinado um acordo com os partidos da oposição, fugiu do país, manchando irremediavelmente a sua imagem, mas evitando talvez o início de uma guerra civil. Apesar disso, mesmo os seus adeptos mais fiéis não lhe perdoarão aquilo que todos interpretam como um gesto de cobardia. Para além disso, o conhecimento público da sua fortuna pessoal e das suas extravagâncias milionárias veio manchar ainda mais essa imagem. Um final de desonra para uma carreira política.
Mesmo assim, tudo indica que os vencedores temporários da crise não poderão embandeirar em arco, porque o futuro próximo do seu país está assombrado por múltiplas ameaças. A primeira diz respeito à situação de bancarrota em que o país se encontra e cuja solução não pode ser garantida pela União Europeia a que tanto desejavam pertencer. Bem vistas as coisas, os ucranianos dependem sobretudo da Rússia, e não apenas da sua ajuda financeira. Afinal, é da Rússia que vem o gás, cujo abastecimento Moscovo pode cortar a qualquer momento, como já esteve para acontecer por alturas da chamada revolução laranja, nos tempos de Julia Timochenco. Uma situação que, certamente, os ucranianos ainda não esqueceram de todo.
Tão ou mais graves do que esta são ainda as ameaças à unidade do país, claramente dividido hoje em termos geográficos e culturais. É certo que já houve desmembramentos de países sem o recurso à guerra, como foi o caso da antiga Checoslováquia, mas acreditamos que, a acontecer, uma divisão da Ucrânia não se faria sem uma verdadeira guerra civil em que fatalmente se envolveriam a Rússia e o Ocidente, por via do seu apoio aos dois grandes grupos nela envolvidos, e a que junta agora o problema da Crimeia. Este é certamente um dos grandes desafios que os ucranianos têm pela frente no futuro próximo.
Mas uma ameaça deste tipo ultrapassaria certamente as fronteiras do país: falamos de um possível regresso aos tempos da chamada guerra fria. É verdade que, até ao momento, os responsáveis políticos ocidentais e russos, têm dado sinais de uma certa contenção verbal, face à evolução dos acontecimentos na Ucrânia, mas qualquer imprudência ou deslize verbal pode ter consequências graves para a paz naquela região e no mundo. E este não é propriamente o tempo mais propício ao regresso dos tempos da guerra fria…
António José da Silva
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