“Em 12 horas montámos um lar de idosos”. Dito assim até parece ficção, mas foi a realidade vivida no Centro Social e Paroquial de S. Bento, na Ribeira Brava, Região Autónoma da Madeira. Tudo aconteceu no dia 20 de Fevereiro de 2010, aquando das fortes enxurradas que destruíram muitas zonas da Ilha, com a Ribeira Brava a ser um dos concelhos mais afectados. O SOLIDARIEDADE visitou a instituição, precisamente, no dia em que se assinalaram quatro anos desse trágico dia, que desalojou muitas famílias e provocou diversas vítimas, algumas mortais.
“A localidade foi toda evacuada e ficámos nós, os nossos utentes e os bombeiros. Foi um enorme desespero, com as funcionárias a receberem constantes telefonemas dos familiares a dizerem-lhes para abandonarem a instituição e fugirem, porque havia a ameaça de uma grande pedra se soltar e vir encosta abaixo”, recorda Maria Carlos Figueiredo, assessora da Direcção do Centro Social, sublinhando que, apesar de não ter sido fácil convencer as pessoas, “ninguém abandonou os idosos, muitos deles acamados”.
Depois, perante a tragédia e com muitos idosos acantonados no pavilhão municipal, num pequeno espaço de tempo a instituição criou as condições mínimas para acolher com dignidade esses seniores.
“Criámos um Centro de Acolhimento, de um dia para o outro, numa unidade hoteleira que estava desactivada. Transferimos do pavilhão muitos idosos, que foram como que integrados numa valência Lar, em 12 horas. De seguida, colocou-se-nos um problema, na impossibilidade de regresso às habitações, o que aconteceu na maioria dos casos, o que lhes faríamos? Então, reconstruiu-se o edifício ao lado da instituição, que era da Segurança Social, com apoio de organizações não governamentais”, recorda.
Hoje tudo está mais calmo e a instituição acabou por aproveitar a embalagem do sucedido e alargar a resposta social de lar de idosos, com a criação no antigo edifício do Centro de Saúde, contíguo à instituição, de mais vagas para esta resposta social, muito necessária no concelho e prioritária após a tragédia de 2010.
A instituição funcionou mesmo como uma espécie de quartel-general da acção social no concelho da Ribeira Brava.
A CRESCER DESDE 1993
O Centro Social e Paroquial de S. Bento, presidido pelo pároco Bernardino Trindade, lavrou estatutos em 1993 e três anos volvidos abria as primeiras valências.
“Um grupo da comunidade teve a ideia de criar um Centro Social, com a paróquia, para dar resposta a um conjunto de necessidades emergentes no concelho”, conta a também quadro da Segurança Social, realçando: “Esta foi a primeira instituição a funcionar de uma forma intergeracional na Região, uma vez que criámos também a valência ATL, muito integrada neste edifício do Lar de Idosos, até com partilha de espaços, e que promovia a intergeracionalidade”.
Com o Lar surgiu o Centro de Dia, mas com pouco significado.
“O Lar era de dimensão reduzida, o que também foi pioneiro, pois foi uma experiência que se fez, com uma capacidade para 22 idosos. Neste momento, com o alargamento das instalações, na sequência do 20 de Fevereiro, o Lar passou a ter capacidade para 44 idosos”, revela.
Os anos foram passando e a instituição foi crescendo. “Em 1999, abrimos uma Residencial para Idosos, com capacidade para sete pessoas, uma população mais independente e autónoma e cujo principal problema era a solidão, o isolamento social. E em 2006 inaugurámos, aqui na vila, uma outra residência para 12 idosos”, conta a assessora da instituição, que, entretanto, fechou o ATL, aquando do aparecimento da escola a tempo inteiro.
Depois de no arranque oferecer uma resposta para a área da infância, hoje, à excepção da Casa Abrigo, todas as respostas da instituição são para seniores.
“As nossas valências são, de facto, mais para a terceira idade e, eu acrescentaria, dependências. Há cada vez mais pessoas, mais jovens do que o enquadrável no conceito de idoso, com grandes dependências, quer a nível físico, quer intelectual. Temos casos desses a surgir cada vez mais jovens. Aí, abrimos excepções, mas a nossa intervenção acontece mais em Apoio Domiciliário”, explica Maria Carlos Figueiredo, que aproveita para dizer que “o Serviço de Ajuda Domiciliária (SAD) na Madeira foi pioneiro em Portugal”.
Para além do nome, este SAD tem outras características distintivas do praticado no Continente.
“A tutela está com a Segurança Social, que tem recursos específicos para este serviço em toda a Região. Assim, as ajudantes domiciliárias na sua grande maioria são funcionárias públicas. Ao longo dos anos tem havido uma descentralização desses serviços para as IPSS. Estas têm vindo a aumentar em número desde há uns anos, mas antes eram muito poucas e a Segurança Social viu-se obrigada a assumir uma função que no resto do País já era assumida pelas IPSS”, refere, acrescentando: “E, em 2002, a Segurança Social atribui a gestão desse serviço a este Centro. Nós estamos com a gestão do SAD nos concelhos da Ribeira Brava, Ponta do Sol, Câmara de Lobos, Porto Moniz e S. Vicente e as freguesias de S. António e S. Martinho, no Funchal”.
AJUDA DOMICILIÁRIA
Neste Serviço de Ajuda Domiciliária, o Centro Social ajuda mais de mil utentes, levando a cabo uma gestão articulada com a Segurança Social.
“As equipas de ajudantes domiciliárias partem dos respectivos domicílios de manhã e seguem um plano de utentes que têm a visitar. Não têm uma sede onde se apresentam para começar a trabalhar… Há equipas de ajudantes que se deslocam a pé, outras de autocarro, outras ainda de viatura própria, pagas ao quilómetro pela instituição, mas não saem todas em viaturas da instituição, como acontece na maioria das IPSS do País. Isso seria impossível”, explica a assessora da instituição, justificando: “Na Região temos cerca de 600 ajudantes domiciliárias. Algumas, nestes concelhos, passaram para a nossa gestão. Temos um serviço de alimentação próprio e uma unidade alimentar, que nos foi entregue, a funcionar na Quinta Grande, que confecciona 250 refeições diárias, que são distribuídas nestes concelhos. Daí saem carrinhas específicas que levam as refeições aos domicílios”.
A grande diferença entre o número de utentes e o de refeições distribuídas explica-se pelo facto de a actividade mais realizada neste serviço estar relacionada com o auto-cuidado e a higiene pessoal.
“Muitas vezes este serviço é complementado por uma figura, criada pela Segurança Social e que, penso, não existe no Continente, que é o cuidador”, informa a assessora, explicando que valor pago aos cuidadores depende da avaliação das necessidades sócio-económicas da família. O propósito deste cuidador, que passa mais tempo com o utente, é retardar ao máximo a institucionalização dos idosos. Em 2013, o universo de cuidadores do SAD madeirense era de 300 pessoas.
Para além destas respostas sociais, o Centro da Ribeira Brava, ficou, em 2004, com as Unidades de Apoio Integrado Domiciliário da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, tendo uma equipa móvel por concelho na rua, que prestam apoio social nos domicílios, num horário alargado, sete dias por semana, das 8h00 às 22h00.
“O objectivo é a recuperação global da pessoa, sendo que este serviço é por tempo reduzido. No entanto, o utente pode ter continuidade de apoio num outro serviço, seja SAD ou até Lar”, explica Maria Carlos Figueiredo, que fala ainda de outra valência, aberta em 2006, e com capacidade para 20 mulheres e respectivos descendentes, que é a Casa Abrigo.
E se o Centro de Dia “não tem grande impacto” na comunidade, pois com uma capacidade para 18 tem, em média, seis idosos, já os Centros de Convívio são bastante procurados.
“O da Furna, um lugar que até há pouco tempo nem estava ligado por estrada, tem 14 utentes/dia em média, enquanto o de Serra D’Água tem 17”, sublinha, explicando que os Centros de Convívio “são vocacionadas para pessoas mais independentes do que as do Centro de Dia”.
HÁ CONCELHOS PIORES
Relativamente à situação sócio-económica da população da Ribeira Brava, Maria Carlos Figueiredo considera que não é das piores do arquipélago.
“Este não me parece que seja dos piores concelhos em termos de pobreza, se bem que existem casos. Sabemos que este contexto de crise não é favorável à situação sócio-económica das famílias, existe desemprego, mas não é dos concelhos com taxa das mais elevadas… E podemos concluir isto lendo os dados relativos ao Programa de Emergência Alimentar, que a instituição integra, e através do qual, neste momento, a instituição apoia 16 famílias, o que não é significativo”, argumenta a antiga directora do Centro Social.
Por outro lado, a instituição não encontra grandes dificuldades à prossecução da sua missão, apesar de alguns contratempos que sempre surgem.
“Obstáculos vamos tendo muitos, mas são encarados de uma forma muito positiva e vão sendo sempre ultrapassados. Ao contrário da maioria, não digo que o principal obstáculo que esta instituição tem seja o financeiro, porque não é… Digo isto porque toda a gente fala nisso. As dificuldades financeiras existem, mas tem que haver uma gestão muito criteriosa e tem que ser feita por pessoas com competências para o efeito. Penso que esse é o problema de muitas instituições”, sustenta Maria Carlos Figueiredo, que deixa um elogio: “Admiro muito a Direcção desta casa porque assegura-se sempre que as suas decisões têm na base o suporte e as opiniões de outras pessoas. Isto é um grande princípio para a tomada de decisões correctas. Não se fecha no seu casulo sem ouvir a opinião do pessoal técnico e, por vezes, não técnico”.
Os recursos humanos são, nas palavras da assessora do Centro Social, a grande mais-valia da instituição, por isso lhes é dedicada tanta atenção por parte dos responsáveis.
“Valorizamos muito o nosso capital humano e esta instituição pauta muito a sua intervenção, não só nos clientes, mas também nos trabalhadores… Por isso, tentamos fazer um trabalho conjunto. Para termos um serviço bom e de qualidade, temos que ter colaboradores que tenham competências, que estejam bem e se sintam motivados e felizes”, sublinha, lamentando: “E neste momento é muito complicado cuidar da equipa, face à situação que se vive… Também temos colaboradores em situação de fragilidade e atrás da fragilidade financeira vem a emocional… Esta fragilidade financeira levou a muita emigração e temos famílias separadas, o que se reflecte no estado de espírito das pessoas. Por isso é nossa política cuidar dos clientes, mas também cuidar dos nossos trabalhadores”.
SONHO ADIADO
Já com muito entre mãos para fazer, o Centro Social não se nega a ajudar quem mais precisa, não recuando perante novos desafios.
“Não é nossa intenção, mas a Segurança Social, de vez em quando, desafia-nos e a Direcção considera que se nos desafiam é porque há necessidades na comunidade a que é preciso dar resposta”, começa por dizer, revelando um desejo, para já, frustrado: “Tínhamos um projecto, um sonho muito grande, e até nos candidatámos… Em termos de ajuda domiciliária consideramos que devíamos ter uma intervenção mais activa. Pensando também um pouco nas nossas colaboradoras que andam a pé e em alargar um pouco mais o horário de apoio, o nosso sonho era munir algumas das equipas com motorizadas Vespas”.
A directora-técnica do SAD, Carina Faria, acrescenta: “Evitava perder-se tanto tempo nas deslocações e poder-se-ia visitar mais utentes. Desenvolvemos o projecto, candidatámo-nos a um fundo europeu, no entanto, a nossa candidatura foi anulada, porque 50% da verba não podia ser para transportes”.
Contudo, a ideia não foi deitada ao lixo e espera melhores dias para poder voltar à ribalta.
Para além deste projecto falhado, a instituição pretende criar um sistema informático para gestão da medicação. “É uma área que dá muito trabalho e os programas que existem não vão ao encontro das nossas necessidades. Vamos ver se conseguimos verba para arranjar um que nos satisfaça”, afirma Maria Carlos Figueiredo, que fala com orgulho de algo em que o Centro Social e Paroquial de S. Bento foi novamente pioneiro na Madeira: “Mal ou bem, temos um sistema de avaliação dos nossos colaboradores. Não existia, procurei junto das UIPSS, disseram-me que estava em elaboração, mas cansei-me da resposta e avançámos por conta própria. Penso que, neste momento, temos um documento muito bom, que até já cedemos a outras instituições. Tem sido muito útil para consciencialização dos colaboradores, que procuram melhorar os aspectos em que foram pior avaliados. E também são premiados, porque quando têm Bom, tendo direito ao dia de aniversário”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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