CASA DOS POBRES DE COIMBRA

Sentar a cidade à mesa para financiar a instituição

Por deliberação autárquica, em 1938, nasceu a Casa dos Pobres de Coimbra, sendo instalada num edifício no Pátio da Inquisição. A instituição havia sido criada três anos antes, por iniciativa do comandante da polícia, presidente da Câmara Municipal e Governador Civil com o objectivo de retirar os indigentes das ruas da cidade.
“A Casa dos Pobres foi criada com a intenção de acabar com a mendicidade em Coimbra, que às sextas-feiras era infestada de pedintes de todo o País, a pedir pão, esmola, alojamento… E, depois, dormiam nos bancos de jardins ou nos vãos das escadas. Então, o comandante da Polícia, o presidente da Câmara e o Governador Civil da altura resolveram meter mãos à obra e surgiu a Casa dos Pobres de Coimbra, com a cedência das instalações no Pátio da Inquisição, de má memória, das quais teve que sair porque a Câmara queria aproveitar aquilo para o Centro Histórico e a Casa dos Pobres envergonhava a cidade”, recorda Aníbal de Almeida, o actual presidente e que integra a Direcção da instituição desde 1986.
Desse tempo em que se tornou dirigente da instituição, o actual presidente recorda que “a principal e única necessidade da instituição era ter novas instalações, pois as do Pátio da Inquisição eram muito velhas, nunca receberam obras de manutenção e quando chegou à altura de mudar para a Praça do Comércio, em 2001, chovia por todos os lados”.
Não só a instituição albergava os pobres, como “a própria Casa era pobre”, sustenta, acrescentando: “Não tínhamos instalações para albergar pessoas idosas, já muito vulneráveis de saúde, forças e, muitas delas, até de raciocínio. E sempre defendi que a Casa fosse um albergue para seres humanos”.
Sobre o percurso doloroso, e do qual conta amiúde episódios ilustrativos, o responsável máximo da instituição é peremptório: “Agora sou o herói da festa, mas ninguém é herói sozinho. Tive ajuda de muitas pessoas, algumas que já morreram… Comecei por chamar a cidade à Casa dos Pobres. Aquilo era um gueto, um tugúrio, e as pessoas tinham nojo de ir lá. As situações de dinheiro eram muito precárias e a alimentação era péssima. Quando fui para lá, pouco tempo antes as pessoas alimentavam-se todos os dias de bofe de boi e feijão frade e a canalização de água quente estava toda apodrecida”.
Perante tal cenário, Aníbal de Almeida colocou-se em campo e sugeriu à Direcção uma estratégia: “Equilibrar as coisas através da possibilidade de os de fora, comerciantes, industriais, professores universitários, irem à Casa dos Pobres almoçar de vez em quando, mas para isso era preciso dar-lhe uma alimentação condigna”.
O que aconteceu foi que passado pouco tempo já havia professores universitários sentados a comer ao lado dos utentes.
“Depois fomos melhorando as condições de vida, alimentação e não só, e ao mesmo tempo íamos fomentando acções no sentido de angariar dinheiro”, recorda o presidente.
A primeira medida que foi tomada foi a de arranjar água quente, melhorar as condições de vida e de alimentação e “fazer acreditar a sociedade conimbricense que a Casa dos Pobres estava viva e disposta a colocar a hospitalidade ao serviço das pessoas que a visitavam e que assim ficavam a perceber a necessidade da sua ajuda”, conta.
Resolvidas as necessidades mais imediatas, Aníbal de Almeida, ainda como tesoureiro, teve que ultrapassar alguns obstáculos no sentido de implementar a sua estratégia de retirar a instituição do pântano em que se encontrava.
“O presidente da Direcção de então, que era advogado e que tinha outra visão das coisas, na reunião em que propus abrir a instituição à sociedade e fazermos lá uns almoços, disse-me que nunca se tinham visto almoçaradas na Casa dos Pobres! Disse-lhe que era uma proposta, fruto do conhecimento que tinha das coisas, mas se não aceitassem que me ia embora, porque assim não saímos do zero”, recorda, contando como angariou a primeira quantia para a instituição fruto de uma almoçarada: “O Governador Civil andava às avessas com o presidente da Câmara, pois eram de partidos diferentes, então convidei os dois para cá virem almoçar. Um deles deu 400 contos (2.000 euros) e o outro, para não ficar atrás, deu também 400 contos. Depois, com os comerciantes e industriais que convidei para adornarem a mesa e no final o apuro foi de 1.300 contos (6.500 euros). E o doutor que não queria almoçaradas na Casa dos Pobres, passou a vir cá com a esposa”.
O certo é que cerca de duas décadas volvidas, a instituição tinha o dinheiro para realizar a obra do novo equipamento em S. Martinho do Bispo, mesmo às portas de Coimbra.
“Íamos fomentando a vinda de pessoas de fora à Casa dos Pobres, marcando almoços sem data fixa e as pessoas lá deixavam o seu óbolo. Ainda hoje os juízes do Tribunal da Relação vêm aqui almoçar de vez em quando. Juntam-se 35, 40 e vêm almoçar. E alguns, por falta de data, não deixam de angariar dinheiro juntos dos seus pares para entregar à Casa dos Pobres. Depois criei com um grupo de amigos «Os Românticos». Ao princípio éramos três, quatro pessoas e uma vez por mês íamos almoçar aqui ou acolá, mas começou a haver uma adesão muito grande e agora juntam-se aqui nos almoços mensais 100, 110 pessoas”, explica o presidente, que considera o seu percurso de vida e amizades que foi fazendo ao longo dos anos como fundamentais para o sucesso da sua estratégia.
“Como Técnico Oficial de Contas, colaborador do jornal, membro do Clube da Comunicação Social e figura de Coimbra, granjeei o respeito de todos, o que foi fundamental”, afirma, sublinhando: “Na Casa dos Pobres e em tudo na vida a amizade é o bem mais precioso que podemos ter. As amizades são muito importantes para o funcionamento desta casa, pois de forma espontânea chegam-nos donativos”.
O novo equipamento da Casa dos Pobres foi construído sem contrair qualquer empréstimo bancário. Foram 1,6 milhões de euros, dos quais 664 mil oriundos da Segurança Social e cerca de um milhão às expensas da instituição.
“Esta angariação começou em 1986 e terminou 2006 e só houve autorização para arrancar com a obra quando eu já tinha o dinheiro todo, para não ter aflições, nem perder noites com insónias”, revela, considerando que “a situação financeira da Casa dos Pobres não é de aflição”, mas lembra: “Não devemos nada a ninguém, temos uma situação equilibrada, agora isso não quer dizer que se possa gastar à «tripa forra». Como dizia o meu amigo Dr. Bissaya Barreto, «se não és feliz com o que tens, como serias se tivesses mais?»”.
No entanto, Aníbal de Almeida tem um receio: “Perante a crise, que vai melhorando, mas a situação não está consolidada, tenho receio que amanhã haja algum colapso e alguma interrupção nos subsídios da Segurança Social, o que nos pode deixar aqui encravados. Tenho muito medo disso”.
Recordando a Casa dos Pobres que encontrou em 1986 e o que ela é hoje deixa o presidente satisfeito, o que o leva a contar um episódio recente: “Ainda hoje recebi um telefonema de uma senhora que dá formação e que gostaria que os seus formandos na área da geriatria viessem para cá uns tempos, porque pelas informações que tem a Casa dos Pobres de Coimbra é uma instituição de referência. Disse-lhe que sim e fiquei todo contente”.
Para Aníbal Duarte de Almeida, “a grande dificuldade da Casa dos Pobres é não poder acorrer a todas as pessoas que querem entra na instituição”, ao passo que a grande virtude é “procurar ajudar os que precisam na maneira das suas possibilidades”… E quanto ao futuro, sai célere mais uma citação: “Projectos surgem todos os dias, até porque «sempre que um homem sonha, o Mundo pula e avança»… Agora, andamos às voltas com a fisioterapia”.

FAMILIARES VS INSTITUIÇÃO

“Os utentes de hoje não são os utentes do tempo do Pátio da Inquisição e a Segurança Social, por gongorismos e por palavras muito buriladas, quer dar impressão de outra coisa… Não é que a expressão esteja errada, mas chamar aos utentes da Casa dos Pobres de clientes… É que depois estes «clientes» têm uma mentalidade, que por vezes gera conflitos. Ou seja, as pessoas que vêm de fora, sobrinhos ou filhos, pensam que mandam na instituição e julgam que do que os seus familiares pagam a Casa dos Pobres ainda fica com lucro. Alguns deles, até com alguma instrução, têm o descaramento de dizer que têm que tirar do seu ordenado para ter aqui os familiares, sendo que estes pagam apenas 70% do que recebem da Segurança Social. Julgam que os outros são parvos. Faz-me lembrar uma quadra do António Aleixo: «Vemos gente bem vestida, no aspecto desassombrada, são tudo ilusões da vida, tudo é miséria dourada». E temos que os suportar com uma certa arte diplomática e princípios de educação”, critica, acrescentando: “Os utentes dantes comiam tudo o que lhes davam, e nem sempre era o melhor, bem pelo contrário. Dantes havia um posto de plantão à entrada da instituição que era um utente que fazia por escala, hoje ninguém quer isso. É que as pessoas sabem as condições quando vêm para cá, mas passado pouco tempo já estão a adulterar tudo e querem ser eles os directores da Casa dos Pobres”.

HISTÓRIA EM HINO

«Casa dos Pobres, doce lar, em terras de S. Martinho, tem sempre para nos dar muito amor, muito carinho.
É um nobre santuário, que o passado nos legou, onde o espírito solidário sempre nos acompanhou.
A partir desse passado, acumulámos vitórias, com trabalho dedicado, que faz as nossas memórias.
Agora que aconchegados, a esta linda mansão, sentimo-nos compensados do sofrimento de então.
Aquela vida tão sofrida enriquece a nossa história, e uma vida assim vivida cobre a vida de glória.
Abram alas, irmãos meus, que vai passar a gratidão. Ergamos preces a Deus pela divina protecção».
(Hino da Casa dos Pobres, da autoria de Aníbal Duarte de Almeida)

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2014-07-28



















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