1 -Terminei há pouco a peregrinação anual pelos cemitérios de Cinfães do Douro e de Abragão, onde estão sepultados alguns dos meus familiares mais próximos; situado, o de Cinfães, no cimo de uma colina sobranceira à vila, de onde a vista se espraia por um amplo e belíssimo trecho do vale do Douro; o de Abragão no enquadramento da Igreja Românica e da residência apalaçada do abade da freguesia, também situado no cimo de um outeiro, com larga vista sobre o vale do Tâmega.
Quer a Igreja de Abragão, quer a de Cinfães, mantêm sinais de enterramentos no seu interior, como acontecia antes de a Revolução Liberal ter, por razões de saúde pública, proibido essa prática e procedido à construção de cemitérios públicos nas diversas freguesias – ou paróquias, como então se chamava à circunscrição autárquica de menor escala -, inovação de que nos dá minuciosa descrição Alexandre Herculano, em particular.
Não sei se para tornear as reservas e resistências que o povo colocava à nova moda dos enterramentos fora do espaço sagrado – resistências cujo momento emblemático foi a Revolta da Maria da Fonte, com origem na Fonte Arcada, na Póvoa de Lanhoso -, o certo é que esses cemitérios públicos iniciais, na primeira metade do Século XIX, foram instalados em locais de particular harmonia e beleza.
E a verdade é que, respirando, em dias como estes, até ao fundo da alma, o ar agreste mas limpo das faldas do Montemuro, ou as brisas mais amenas do Baixo Tâmega, e circunvagando o olhar pelo vasto e familiar panorama em volta, quase que nos parecem aliviadas as penas da ausência, misturando à saudade alguma doçura.…
2 -
“… E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido…
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.”
Não concordo com estes versos de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos.
Prefiro-lhes os de Fernando Echevarría, a quem também roubei o título da crónica:
“Por vezes adormecem, nas palavras.
Quando à lareira sentamos a família,
se dissermos “o pai” como que paira
uma penumbra. E inclina-se
ao sono o peso da cabeça branca
que enevoa a cozinha.
Então, por dentro do silêncio, a casa
o corredor ilumina
que leva ao quarto aonde ainda a cama
apenumbra a almofada adormecida.
Havermos dito “o pai” chamou à alma,
um costume de paz e de família.”
Mas o certo é que o bulício, a vida agitada que levamos, muitas vezes nos não deixa entrar nessa penumbra – ou apenumbrar, para roubar à inspiração de Fernando Echevarría o feliz neologismo.
Ora, o Dia de Todos os Santos, que os usos acabaram por fundir com o Dia dos Fiéis Defuntos, permite pelo menos acrescentar um dia aos dois do poema de Pessoa, passando para três os dias que nos forçamos a lembrar mais fortemente os que, “inteiramente já do outro lado”, “ficam vendo como cresce a maré da madrugada sem as palavras de poder dizê-lo” (ainda Echevarría).
3 – Calhou bem, calhou a um sábado.
Parecia que estávamos ainda no tempo antigo, em que o dia 1 de Novembro era feriado nacional.
Também assim será no próximo ano, em que este dia cairá num domingo.
Percebi agora melhor as críticas da Oposição, e mesmo da Situação (como com Ribeiro e Castro), quando o actual Governo, alterando um artigo do Código de Trabalho, acabou, em 2012, com os feriados do 5 de Outubro e do 1 de Novembro; e percebi também a promessa da mesma Oposição de, ganhando as eleições de 2015, os restaurar.
Na realidade, se a actual maioria não continuar a sê-lo a partir de 2015, teremos que só em 2013 teve conteúdo efectivo a abolição do feriado de Todos os Santos.
Tanta perturbação, tanto restolho – para tão escassos resultados.
Mas, se percebo as Oposições, já percebo mal a insistência do Governo - que, por um único ano de vantagem, abriu então mais uma frente de luta, e de antipatia.
Então não seria mais razoável deixar a medida para 2015, caso renovasse a maioria – em vez de afrontar, por tão pequena vantagem, a tradição de tantos compatriotas, que fazem do 1 de Novembro, de par com o 15 de Agosto e a Véspera de Natal, os dias de maior mobilidade dos portugueses dentro do seu País?
4 – O 1 de Novembro de 2014 foi também o primeiro dia da nova Comissão Europeia, assinalando a saída de Durão Barroso – o português que mais alto subiu na esfera internacional, como dele disse o Presidente da República, a propósito da condecoração com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, que lhe atribuiu.
(Mais alto do que Vasco da Gama …?!)
Pelo que li nos jornais, vem com reforma de 11.000 euros por mês, mais 25.000 euros de salário extra e subsídio de reintegração.
Para quem impôs os cortes nas reformas e pensões da classe média em Portugal, nos últimos anos, com propriedade se aplica o dito popular: bem prega Frei Tomás.
Mas nem isso.
É mau pregador.
Todos os Santos; ou Fiéis Defuntos?
Henrique Rodrigues – Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
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