Não sabemos quem tem razão, nas versões que nos têm chegado quanto à posição dos Governos português e espanhol aquando do debate do Eurogrupo sobre a questão do acordo das Instituições europeias com o novo Governo da Grécia.
Logo na ocasião, chegaram-nos rumores de que esses dois governos – entre eles o nosso, que é o que aqui importa – tinham sido ainda mais intransigentes do que os alemães, no que toca à renegociação das condições do chamado “resgate” imposto em seu tempo pela troyka à Grécia, representando a linha mais rígida, ou menos flexível, nessas negociações, não transigindo com nenhuma das modelações que o novo Governo da Grécia pretendia imprimir ao programa de “ajustamento” em vigor – querendo mantê-los na ordem, pagando o preço por terem, em eleições, escolhido um Governo “inapropriado”.
Os jornais anunciaram até que a nossa ministra das Finanças teria ido à Alemanha pedir ao ministro congénere que não cedesse um milímetro às pretensões gregas.
O ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, na conferência de imprensa que anunciou os termos do acordo, quando confrontado com esses rumores, respondeu – de forma elegante – não querer comentar as posições de colegas seus no Eurogrupo, deixando assim implícita a confirmação dessa posição ibérica.
Por sua vez, os Governos de Portugal e Espanha logo desmentiram que assim fosse, acolhendo-se no argumento de que a versão final do acordo tinha merecido a unanimidade dos 18 países que, além da Grécia, integram o euro.
Mas ontem – escrevo a 1 de Março -, o Primeiro-Ministro Alexis Tsipras veio confirmar essa versão da rigidez, agora sem a elegância do seu ministro das Finanças, acusando abertamente os Governos de Portugal e Espanha, a propósito das negociações em causa, de quererem derrubar o actual Governo grego.
2 – Como disse, não se pode afirmar – senão quem lá esteve - quem tem razão no reconto que faz do episódio.
Mas isto é como as testemunhas num julgamento: quando, sobre o mesmo facto, surgem nos depoimentos versões contraditórias, pelo menos uma dessas versões não é verdadeira.
Ora, se é neste clima de suspeições e acusações mútuas, entre parceiros, e entre parceiros pobres, que se vai alicerçar o futuro da União Europeia – o que é o mesmo que dizer o nosso futuro -, não iremos longe.
Nas sociedades comerciais, em regra, os votos correspondem ao capital, isto é, à força relativa de cada sócio no seio da sociedade.
Em consequência, quem tem maior quota manda mais do que quem a tem menor e quem tem posição predominante manda sem dar satisfações aos outros sócios.
É do conhecimento geral a pouca importância que tem os sócios minoritários na determinação das decisões das sociedades comerciais, bem como na distribuição dos resultados.
Os minoritários fazem, em via de regra, figura de corpo presente e só ganham alguma importância quando o seu voto é necessário para fazer maiorias – em que desempenham o papel de apêndices, ou peões, dos mais poderosos.
Ora, justamente, foi este modelo que foi rejeitado pelos pais fundadores da União Europeia, que, ao modelo de sociedade – em que cada um tem o poder correspondente e proporcional à sua força -, preferiu o modelo de associação – em que os votos são todos iguais, independentemente da força relativa de quem exerce o direito.
A nossa CNIS é um bom exemplo deste segundo modelo: todas as Instituições valem o mesmo, nas assembleias gerais, tenham muitos associados ou poucos, desenvolvam várias respostas sociais ou nenhumas, paguem quotas altas ou baixas …
A União Europeia foi desenhada segundo esse padrão: cada país, um voto; cada país, um veto.
Os países mais poderosos, nomeadamente a França e a Alemanha, prescindiam da exibição da sua força – que durante séculos destruiu, por várias vezes, em guerras sucessivas, o continente europeu -, em troca do progresso e do desenvolvimento que a paz e a cooperação proporcionavam.
Por sua vez, os países mais pequenos ou menos importantes sentavam-se à mesa com os grandes, tendo a ilusão de serem iguais a eles.
3 – Este modelo de construção europeia acabou.
Os últimos anos, nomeadamente aqueles em que foi Durão Barroso o Presidente da Comissão, traduziram a passagem da União do modelo de associação para o modelo de sociedade.
O papel dos pequenos países foi-se esbatendo, sobressaindo, como quase sempre, o predomínio dos grandes – sendo a Europa hoje comandada na realidade por um Directório, umas vezes franco-alemão, outras só alemão.
As visitas ad limina à chanceler alemã ou ao seu ministro das Finanças, a pagar o tributo simbólico da vassalagem, é um mero sinal dessa nova configuração da antiga Comunidade Europeia.
Para os pequenos, o resultado dos Tratados que configuram na actualidade a União Europeia não merece a alegria vulgar do “porreiro, pá”, que lhe deram, em seu tempo, Sócrates e Durão Barroso.
É certo que a adesão à União implica a perda de algumas parcelas de soberania.
Mas o poder burocrático e a intendência de Bruxelas pretendem que a percamos toda, submetendo o poder soberano do povo aos regulamentos e às ambições dos donos actuais da Europa.
Os países pequenos têm de andar a toque de caixa, e quem toca a música são os outros.
Não ignoro que, entre as forças políticas que suportam o actual Governo de Atenas, haverá muita gente que não morre de amores pela democracia liberal sob a qual felizmente vivemos.
Mas o apoio que as sondagens conferem, na generalidade dos países da Europa, nem que seja só ao discurso, dos actuais dirigentes gregos, é a comprovação de que o processo de construção europeia se não fará à custa das Pátrias – nem à custa da democracia.
Esta é imprevisível nos seus resultados, é certo … como Jorge Coelho dizia dos independentes.
Mas a independência dos países ou dos povos está também nisso: em poder sair do alinhamento ou da formação ordenada, sem pedir licença aos tutores.
E em essa “rebeldia” acordar algumas cordas que pensávamos adormecidas dentro do peito.
O filho pródigo dissipou a riqueza – mas o seu regresso é uma festa.
As pessoas tendem a gostar mais da alegria dos pródigos do que do ar bisonho dos bons alunos.
4 - (P.S.- Na última Quadratura do Círculo, Jorge Coelho anunciou que, se o PS for Governo a partir do Outono, lançará imediatamente uma medida. De qual se havia de lembrar? Um Programa de Emergência Social.
Não há nada de novo debaixo do sol.
Como escrevia o António Gedeão: “vem tudo nos compêndios”.)
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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