CENTRO SOCIAL DA QUINTA DO ANJO, PALMELA

Conjuntura impede requalificação do Centro de Dia

Tal como em muitos outros pontos do País, em que após a Revolução de Abril de 1974 as mulheres entraram em força no mercado de trabalho, a génese do Centro Social da Quinta do Anjo esteve na necessidade de um conjunto de mães, que não tinha onde deixar os filhos enquanto ia trabalhar.
“Corria o ano de 1979 e um grupo de mães da nossa paróquia criou, num espaço do salão paroquial, uma sala onde poderiam ficar crianças com diversas idades, para que algumas delas e outras pudessem ir trabalhar”, começa por contar António Alpendre Sousa, presidente da instituição, recordando: “Assim começou o Centro Social da Quinta do Anjo, que ganhou estatutos em 1982 e inscrição na SS como IPSS em 1983. Durante alguns anos, com altos e baixos, foi crescendo e, em 1992, era uma pequena instituição com jardim-de-infância que acolhia 50 crianças”.
Com o crescimento da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, e a criação do polo da Auto Europa e de outras unidades fabris, “as respostas foram cada vez mais necessárias e cada vez mais insuficientes”.
Daí que, em 2005, no âmbito do POPH, a instituição avançou para a construção de uma Creche e, simultaneamente, para a requalificação de todo o equipamento dedicado à infância, o que permitiu aumentar a capacidade de resposta da instituição.
Para fazer face ao investimento de 1,1 milhões de euros, em que orçou a obra, a instituição teve que recorrer à banca, contraindo um empréstimo de perto de 700 mil euros, uma vez que do POPH e de outras ajudas recebeu apenas 400 mil euros.
“A conjuntura atual é manifestamente diferente da que existia em 2005, o que condicionou a nossa situação”, sustenta o presidente da instituição, que acrescenta: “As condições da generalidade das famílias mudaram muito, algumas radicalmente, o que fez com que ficássemos com muito menos receita do que o esperado. As receitas, em cinco anos, decresceram perto de seis mil euros/mês. Todos os anos superamos as respostas em número de utentes o que nos tem permitido sobreviver, embora com algumas situações de aperto”.
Alpendre Sousa mostra-se preocupado com o futuro, apesar de a situação da instituição ser, atualmente, estável, apesar das dificuldades e da exigência de uma gestão muito rigorosa.
“O barco vai navegando, ainda não fomos ao fundo. Já tivemos aí umas situações mais apertadas, em que tivemos que ter a compreensão das pessoas por causa de subsídios e coisas do género, mas as coisas agora estão todas controladas”, explica, não deixando de mostrar alguma preocupação: “No entanto, as coisas podem abanar, porque de vez em quando temos situações de alguns meses em que os pais não podem pagar e se houver meia-dúzia de pais que não consigam pagar, se houver subsídios ou acertos a fazer com a Segurança Social, em especial do RSI, isso cria um bolo de 30 ou 40 mil euros que já fazem mossa. Estamos naquele limbo em que o que entra sai e a gestão é feita por mim e pelo vice-presidente na totalidade do tempo para ter tudo controlado”.
Sem folgas financeiras e com o empréstimo à banca em abatimento, a sustentabilidade do Centro Social é um assunto sempre em cima da mesa.
“O empréstimo, felizmente, já vai em menos de metade, qualquer coisa como 350 mil euros, mas tem sido difícil. E temos conseguido mais ou menos equilibrar as contas porque o número de crianças, ao contrário de muitas outras instituições, não tem decrescido. Temos mantido os números, mas também fruto de uma aposta nossa na qualidade, não da qualificação da instituição, aí estamos ainda a dar os primeiros passos muito devagar, mas no cuidado que temos com a qualificação da resposta social”, sublinha o presidente da instituição, satisfeito com a aposta feita pela Direção: “Apostámos muito na formação das educadoras e das auxiliares de sala. Tivemos esse cuidado e essa aposta foi ganha, porque vamos mantendo um número de crianças o que nos permite ter a situação equilibrada”.
Para Alpendre Sousa avizinham-se tempos difíceis: “Vejo a coisa muito difícil quando sei o que o novo Contrato Coletivo de Trabalho, negociado entre a CNIS e os sindicatos, vai trazer e não estou a ver como vamos encaixar mais esses aumentos. Embora pequenos vão-se repercutir em cerca de 4 a 5% da massa salarial das instituições. Essa percentagem no nosso caso dá qualquer coisa como 50 mil euros/ano, um valor que vai ser muito penoso para a instituição”.
E as dificuldades futuras não passam apenas pelas questões salariais, pois, na opinião de Alpendre Sousa há outras questões na relação com a Segurança Social que deveriam ser revistas, como é o caso das exigências de pessoal para as valências.
“Os rácios de pessoal estão totalmente desenquadrados da realidade das instituições. Se a própria Segurança Social reformula, despede e requalifica o seu pessoal, como é que nos exigem que tenhamos rácios de pessoal que não são mexidos há mais de 15 anos?”, questiona, deixando um alerta: “Estes rácios estão totalmente desajustados e a CNIS devia ter uma palavra um bocadinho mais séria no encarar da questão, porque as coisas assim não estão no bom caminho. É que aqui estamos inseridos numa zona em que se faz respeitar, pela Autoridade para as Condições do Trabalho, todas as normas… e sei que há zonas do País em que essas coisas passam apenas por um aconselhamento”.
Apesar das dificuldades, o Centro Social da Quinta do Anjo tenta prestar o melhor serviço possível à população e nesse sentido a Direção ambiciona requalificar o espeço onde funciona o Centro de Dia, que carece de melhores condições para acolher os mais idosos da freguesia.
“Com as respostas da infância em velocidade cruzeiro, a grande preocupação, para já, são os idosos. O Centro de Dia funciona no edifício da antiga Casa do Povo, edificação que data de 1945, que carece de obras urgentes e para o qual até já temos um anteprojeto. No entanto, com o empréstimo contraído para requalificar a área da infância ainda em pagamento, seria um suicídio partirmos para outra realização”, argumenta o presidente, que identifica um outro problema no acesso a um eventual financiamento: “Como estamos inseridos na Região de Lisboa e Vale do Tejo, considerada a região mais rica do País para efeito de programas, esta Direção não vê a possibilidade de submeter projetos e, portanto, melhorar estas instalações. Também não vislumbramos o aparecimento do mecenato social, nem da tão proclamada ajuda da responsabilidade social das empresas, porque a maioria delas já só pensam em ter as portas abertas. Face a estas perspetivas, limitamo-nos a fazer pequenas obras de remodelação/manutenção”.
Intervencionar o edifício onde funciona o Centro de Dia é o grande projeto do Centro Social e a grande necessidade, mas a situação económico-financeira da instituição não o permite.
“É urgente requalificar o antigo edifício da Casa do Povo onde funciona o Centro de Dia… Cada vez que olho para ali não penso noutra coisa e era o que gostava de fazer antes de largar a instituição. Na conjuntura atual é muito difícil. Se ainda aqui estiver quando tivermos este empréstimo pago, a primeira medida que tomo é tentar arranjar um financiamento para aquele espaço. Agora, sem este estar pago, é muito complicado”, lamenta o presidente, que explica o que a Direção pretende fazer: “O edifício tem uma cave que está desaproveitada e um pé direito muito alto, pelo que seria tentar fazer ali dois pisos e aproveitar parte do jardim e fazer mais qualquer coisa. Para já era isso… não me inclino muito para lar, mas não era nada que não pudesse ser equacionado. Contudo, para já é urgente dar outras condições ao Centro de Dia e de apoio ao SAD”.
Atualmente, o Centro Social dá resposta na área da infância a um total de 260 crianças – 74 em Creche (com Berçário), 120 em Pré-escolar e 66 em ATL –, na da terceira idade a 95 idosos, 60 em SAD e 35 em Centro de Dia e ainda um vasto apoio em termos de ação social, seja em géneros alimentares a cerca de 120 famílias – Banco Alimentar Contra a Fome (42), FEAC (40) e Cantina Social (38, num total de 65 pessoas), seja no apoio ao RSI, que tem como área de intervenção as freguesias de Palmela, Quinta do Anjo e Azeitão, com acordo para 140 famílias embora dê resposta a mais 100, e ainda com um Gabinete de Inserção Profissional (GIP) de apoio a cerca de 450 desempregados.
“O GIP foi criado porque, apesar de nunca ter estado desempregado, fazia-me confusão por que é que as pessoas da Quinta do Anjo tinham que ir a Palmela, a Setúbal ou a Azeitão fazer a sua apresentação. Apesar de ser freguesia, não tinha esse serviço e nós abraçámos a situação. E isto são coisas que, passado algum tempo, nos começam a dar despesa, porque a funcionária tem progressão na carreira e o Centro de Emprego só dá dois IAS… Resumindo, um terço da despesa é subsidiada pela instituição, mas em prol da comunidade. Por isso, penso que é uma boa aposta. O RSI começou por ser só na Quinta do Anjo e Palmela, mas em 2004 houve o alargamento para Azeitão a pedido da Segurança Social. Aceitámos mas também é uma valência que nos dá prejuízo, pois já são 240 famílias, mais 100 do que o Acordo estabelecido”, afirma o presidente, que no entanto olha para estas situações como um investimento nas pessoas: “A instituição tem que ser vista como um todo e não apenas através de determinadas valências e há que tirar dividendos de umas para as outras e fazer o apoio às famílias e às pessoas como devemos fazer”.
Perante o exposto, é caso para dizer que o Centro Social da Quinta do Anjo é um verdadeiro polvo social.
“É verdade, com tentáculos a tocar em todas as áreas, mas tem que ser assim senão não há subsistência possível para as instituições”, sustenta Alpendre Sousa, que deixa uma crítica: “É pena que neste quadro em que se fala que as autarquias vão ficar com um peso maior nas áreas da educação, da ação social e da saúde, a autarquia de Palmela pareça estar a desinvestir um bocado nas instituições. Penso que não o devia fazer, porque acho que dentro do que fazemos seríamos um parceiro privilegiado para que a autarquia encarasse de bom grado aquilo que lhe estão a meter nas mãos. A autarquia tem baixado o seu grau de envolvência com as instituições e, por vezes, tem concorrido com as mesmas, veja-se o caso das salas de Pré-escolar, com a abertura de dois centros escolares na zona. Via com bom grado que a autarquia pensasse com as instituições como poderia responder melhor à situação da transferência de competências”.
Considerando o Centro Social “uma pedra fundamental na Quinta do Anjo”, Alpendre Sousa não equaciona que, apesar das dificuldades, a instituição possa um dia fechar.
“Admito que se reformule, que responda de outra maneira, mas não vejo o Centro Social a poder fechar”, sustenta, deixando um apelo: “O lema das IPSS é servir aqueles que mais precisam e o que espero é que esta frase não venha a aplicar-se ao Centro Social e aos nossos 85 colaboradores assalariados e mais 17 voluntários, elementos dos órgãos sociais incluídos”.
É importante que assim seja na Quinta do Anjo, mas igualmente por esse País fora.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-04-13



















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