Pela primeira vez no seu pontificado, o papa Francisco foi objecto de fortes críticas por parte das autoridades de um país: a Turquia. Tal como acontecera com Bento XVI, na sequência de uma conferência do actual papa emérito, proferida em 2006 na Universidade de Ratisbona, as críticas ao chefe da Igreja Católica foram protagonizadas pela Turquia, agora por motivos diferentes. Desta vez, foi a referência do actual sumo pontífice a um alegado genocídio cometido pelas forças otomanas sobre a população arménia, durante os anos da primeira guerra mundial.
A referência do papa Francisco, nas circunstâncias em que foi proferida, não equivale a uma tomada de posição oficial da Santa Sé acerca de um problema humano e político, de contornos extremamente graves, mas que já ocorreu há pelo menos cem anos e divide ainda os historiadores. Entre estes, a maioria acha que o comportamento das forças turcas na Arménia constituiu um verdadeiro genocídio, já que esse comportamento terá feito cerca de um milhão e meio de vítimas. Só que esta versão não é partilhada pelas autoridades e pela maioria dos historiadores da Turquia. O papa é pois acusado pelo governo de Ankara de se guiar apenas pela visão histórica dos primeiros, uma visão que acusam de ser incompleta e parcial
Neste contexto, as afirmações do Sumo Pontífice desagradaram profundamente ao governo turco. É verdade que a sua reacção foi claramente exagerada, mas nenhum país gosta de ver a sua imagem posta em causa pela lembrança de acontecimentos que desonram a sua história, mesmo que sejam verdadeiros, no todo ou em parte. E ainda mais, se as circunstâncias que envolvem esses acontecimentos não são suficientemente claras e seguras para todos os historiadores, e raramente o são. Por algum motivo, Augusto Comte recusou-se a ver na História uma verdadeira ciência, alegando que esta nunca se conseguirá libertar do subjectivismo dos seus autores. O facto é que na Turquia há uma lei que pune severamente os cidadãos que acusam as forças armadas otomanas de responsabilidade por um qualquer genocídio cometido na Arménia.
Para muita gente, o papa Francisco poderia ter evitado as críticas das autoridades turcas à Igreja Católica. Bastava, para isso, que não tivesse classificado como genocídio o comportamento dos militares de Ankara na Arménia, entre os anos de 1915 e 1918. Mas quem conhece o sumo pontífice sabe bem que ele não faz do politicamente correcto a grande regra do seu pontificado…
António José da Silva
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