1 - Uma das razões para a vitória de António José Seguro nas Europeias de 2013 ter sido “poucochinha” foi o facto de, nessas eleições, a fuga de 7,14% dos votos do descontentamento não terem desaguado no PS, mas terem ido alimentar as ilusões de Marinho Pinto, então no Partido da Terra.
Foram cerca de 234.000 votos de protesto inorgânico que, normalmente, em eleições nacionais, reverteriam predominantemente para o principal partido da Oposição, então o PS – e que, em tratando-se de eleições europeias, em que se não elegia o Governo do País, escolheram essa forma imprevista para manifestar a sua rejeição das políticas de austeridade que tinham marcado de forma muito agreste os dois anos anteriores.
Esses 7,14%, somados aos 31,4% obtidos por Seguro, subiriam a performance deste a 38,4% - que não seria coisa pouca, em comparação com os 27,7% então obtidos pela coligação PSD/CDS.
Não teria sido uma vitória “poucochinha”; seria mesmo superior ao score obtido desta vez pela Coligação PSD/CDS, vencedora das eleições de domingo passado.
Ora, tendo o partido de Marinho Pinto – embora agora outro, o PDR – obtido desta vez uma votação residual, supor-se-ia que os mais de 230.000 votos que arrecadara há dois anos voltariam ao lugar de onde tinham saído – o PS.
Ainda para mais quanto é certo que nenhum partido, fora do pentágono canónico – CDS, PSD, PS, PCP e BE –, absorveu de forma significativa o voto de protesto, deixando aparentemente o PS sem concorrência na disputa do descontentamento no espaço central.
Tal não sucedeu: a derrota eleitoral do PS também proveio de esse partido não ter conseguido reconquistar essa fatia de eleitorado, que lhe daria, se tal tivesse sucedido, uma percentagem e número de votos paralelos aos que a Coligação PSD/CDS obteve.
2 - Por outro lado, a eleição de domingo não trouxe, no essencial, novidades assinaláveis.
O eleitorado manteve a sua arrumação pelos 5 partidos que tradicionalmente asseguram a representação parlamentar da cidadania, não tendo havido a irrupção de fenómenos de alargamento dessa representação, como se chegou a pensar.
Marinho Pinto encolheu à dimensão mínima, replicando a má sorte que o jogo das letras – PRD, PDR … - tem conferido a partidos que, em certo momento, congregam um difuso mas amplo discurso “regenerador”, para se irem depois degradando e esvaziando, de forma inglória, sem projecto e sem respeito.
O “Livre – Tempo de Avançar”, que para si próprio reivindicava o papel de pivot na união das esquerdas, teve o resultado que a nossa história partidária tem atribuído às facções saídas das formações tradicionais: pouco mais do que nada.
(Não leve o BE a mal que lhe chame tradicional – mas é por boas razões.)
E a irrelevância da votação no “Agir – PTP/MAS” mostra bem que não basta a indulgência mediática para ter sucesso eleitoral.
No entanto, o mesmo facto de não ter havido fuga ao alinhamento partidário habitual, isto é, não ter havido fenómenos perturbadores da tradicional distribuição dos mandatos pelos mesmos 5 partidos de sempre, torna mais nítidos os maus resultados do PS nestas eleições.
3 - Não sei, nem sei se alguém sabe, como vão ser os desenvolvimentos da situação pós-eleitoral nos próximos dias ou semanas.
É normal que quem ganhou as eleições seja chamado a formar Governo; mas não ficou claro na noite eleitoral se tal Governo passa no Parlamento.
Uma coisa, porém, mudou, e tenho como certo que tal vai também mudar a nossa vida política no futuro.
Não será desta vez que se notem os efeitos – mas a circunstância de o Bloco de Esquerda ter ultrapassado o Partido Comunista em votos e em mandatos constitui, em minha opinião, o facto político mais relevante destas eleições.
Mais relevante, pela mudança que comporta, do que a vitória da Coligação PSD/CDS ou do que a derrota do PS.
Essa mudança tem aptidão para virar do avesso a arrumação das forças partidárias parlamentares, para engendrar novas coligações ou soluções e para, finalmente, apresentar alternativas ao Bloco Central que nos tem governado nos últimos 35 anos.
Com efeito, uma das causas que tem sido apontada como justificação da derrota do PS é o facto de as suas propostas se distinguirem pouco das propostas da Coligação PSD/CDS – quer no cumprimento do Tratado Orçamental, quer no acolhimento automático das directivas de Bruxelas, quer na adesão ao TTIP, quer no respeito pelos limites do défice e pelo pagamento escrupuloso da dívida.
E até, no que me especialmente me incomoda, na adesão ao Acordo Ortográfico que nos abastarda a língua e nos dobra a cerviz.
E, igual por igual, antes o original do que a cópia – é a razão que tenho lido nos jornais …
Mas a hegemonia e a possibilidade de crescimento do Bloco à esquerda do PS, junta com a impaciência dos que, no PS, vão ter de esperar mais uma legislatura para acorrer à distribuição dos lugares e das sinecuras - ou, numa versão mais circunspecta, para mudar os destinos do País - vai conduzir, mais cedo do que tarde, à apresentação de soluções e alternativas assentes no entendimento entre esses dois partidos.
E isso é positivo, pois clarifica as escolhas, as nossas escolhas.
Torna mais nítidas, e distintas, as opções dos cidadãos.
E dá mais alegria e variedade à vida pública.
Viva a República!
Henrique Rodrigues - Presidente do Centro Social de Ermesinde
Não há inqueritos válidos.