Em 46 anos de atividade a Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva cresceu, diversificou as suas respostas e longe vão os tempos em que apenas acolhia 25 utentes no, então chamado, asilo. Hoje, acolhe e apoia mais de duas centenas de utentes, mas vive uma situação “financeiramente complicada”, o que leva o seu presidente, Vítor Martelo, a deixar um apelo a quem de direito.
“Gostaria de apelar para que casas como estas tenham um maior apoio, porque estas casas acabam por viver, essencialmente, do que a Segurança Social comparticipa e essas comparticipações mantêm-se quando os custos são cada vez maiores”, lamenta Vítor Martelo, lembrando: “Por exemplo, a nível da Unidade de Cuidados Continuados (UCC), a Saúde podia ter uma comparticipação maior, pois está estudado que um doente no hospital custa três vezes mais do que estando numa Unidade. Não pedimos nada para nós, mas apenas para que houvesse uma ajuda maior, pois assim nós que estamos no terreno podíamos beneficiar os que mais precisam”.
A situação difícil que a Fundação de Reguengos de Monsaraz atravessa deve-se essencialmente a dois investimentos que realizou num pequeno período de tempo e que desequilibrou as contas da instituição.
Nesse sentido, o presidente da Fundação sustenta que “equilibrar a situação financeira da instituição é o grande projeto do momento”, pois “a situação financeira, no momento, é um pouco complicada”.
E se os investimentos em novos equipamentos desequilibraram as contas, as despesas correntes também não ajudam: “Se as receitas não dão para as despesas há que fazer alguma coisa e é o que estamos a fazer. É que as receitas são apenas as comparticipações da Segurança Social, as dos utentes e ainda da Saúde, mas não temos mais rendimentos, a não ser uma propriedade que nos dá 11 mil euros por ano”.
Vítor Martelo recua um pouco no tempo para encontrar o momento em que a situação financeira da Fundação entrou em derrapagem.
“Este desequilíbrio começou a existir porque em pouco espaço de tempo tivemos a construção da creche e a construção da UCC. No caso da creche não houve derrapagem nos custos face ao projeto, mas como foram necessárias umas obras a mais, por causa das fundações do edifício, pois o terreno não era o mais sólido, devido a um antigo forno de cozer tijolos que ali existiu, os custos aumentaram. Os técnicos chegaram à conclusão que teriam que fazer uma laje antes de colocarem as fundações do prédio e isso encareceu a obra”, explica, prosseguindo com o caso da Unidade de Cuidados Continuados: “Na construção da Unidade o desfasamento ainda foi maior. Neste local existiam apenas umas cavalariças e uns barracões, que foram todos demolidos, mas erguer um edifício destes num espaço como o que existia foi complicado. Depois, o Programa Modelar exigia determinada qualidade do equipamento e o projeto apontava para uma construção mais aceitável para que se pudesse fazer uma ligação entre os dois edifícios para, por exemplo, se poder aproveitar a cozinha e a lavandaria em ambas as valências, através de um elevador que abastecesse os dois pisos. A lavandaria, tal como a cozinha, também foi ampliada, o que não estava no projeto, igualmente para servir o Lar e a UCC, e tudo isso encareceu o investimento”.
Obrigada a recorrer à Banca, a Fundação tem agora encargos para os quais tem dificuldade em angariar recursos e tudo porque, “tanto a creche como a Unidade, exigiram obras que não estavam inicialmente previstas e fizeram derrapar os orçamentos iniciais”, argumenta Vítor Martelo, que, no entanto, olha com algum otimismo para o futuro: “A situação foi estancada e o nosso objetivo, neste momento, é fazer com que a gente não bata na parede”.
O principal problema da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva prende-se, para além dos elevados custos e encargos, com as parcas receitas que angaria, pois a esmagadora maioria dos utentes é gente muito carenciada.
“Muitos dos utentes não têm capacidade financeira, pois sempre foram pobres. Inicialmente, isto nem se chamava lar mas sim asilo, porque para a Fundação vinham só mesmo aqueles que eram quase miseráveis”, afirma Vítor Martelo, que apesar das dificuldades defende que se continue a cumprir o desejo que quem criou a Fundação: “Procuramos sempre cumprir o que o instituidor da Fundação queria e que era socorrer os mais necessitados. Por aí se pode perceber que praticamente 50% dos utentes não tem possibilidade de cumprir com o que está estipulado pela legislação. A lei manda que 5% da reforma fique para os utentes, mas há filhos que vêm ao Lar buscar esses 5% e por aqui se vê a capacidade financeira das pessoas da terra. Para além disto, houve quem retirasse os familiares do lar para que a reforma reforçasse o orçamento familiar”.
Perante as dificuldades, a Fundação já recorreu à Linha de Crédito disponibilizada pelo Montepio Geral, para apoio à tesouraria, mas tem ainda um encargo com um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos, contraído aquando da realização das construção dos novos equipamentos e que complica a gestão da instituição que se debate com falta de receitas.
Por isso, para já não há novos projetos na calha, pois o objetivo é consolidar a situação financeira.
“A nível de construção de novos equipamentos nem pensar e em princípio estes novos equipamentos já nos bastam para perceber como é difícil ajudar os outros. Nós que fazemos o social para responder às necessidades da população temos feito a nossa parte e todos os possíveis para a ajudar, pelo que o que gostaríamos era de manter o que temos e melhorar até, mas atualmente estamos numa situação em que é preciso, primeiro, consolidar e tentar recuperar de alguns encargos que existem”, sustenta Vítor Martelo, deixando um desabafo: “Ouvimos muito que a crise está a passar, mas não o sentimos e continua a ser uma situação muito complicada a que vivemos”.
Tudo começou há 46 anos e nasceu de uma infelicidade, mas o espírito solidário do casal fundador da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva transformou a desgraça de que foi vítima numa obra que tem, desde o início, o propósito de dar felicidade àqueles que mais precisam.
Corria o ano de 1969, quando um casal abastado de Reguengos de Monsaraz assistia à morte, aos 40 anos de idade, da sua única filha, vítima de cancro.
“O casal sempre foi conhecido por serem pessoas que se destacaram por tentar fazer o bem aos mais necessitados e, nesse sentido, perante o azar da vida, decidiram criar a Fundação com o nome da filha, inaugurada a 1 de Junho de 1969, após o falecimento da filha”, conta Vítor Martelo, acrescentando: “A Fundação começou a funcionar com um lar, com apenas 25 utentes, 12 senhoras e 13 homens, nesta casa senhorial, onde ainda hoje funciona. Durante muitos anos funcionou apenas assim, mas o edifício foi sendo adaptado às condições exigíveis para o funcionamento de um lar, mas mantendo sempre a traça original”.
Após o falecimento da filha e depois da esposa, o benemérito doou todos os bens à Fundação, determinando que a Comissão Administrativa deveria integrar, para além de alguns familiares, o presidente da Câmara Municipal, que deve presidir, e ainda o Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Aliás, o presidente da Câmara só deixa de ser presidente da Fundação por morte, mesmo que entretanto abandone o cargo na autarquia, como acontece com Vítor Martelo, que durante muitos anos liderou o município de Reguengos de Monsaraz.
E se o primeiro propósito da Fundação era apoiar os que mais necessitavam, fixando-se durante muito tempo na área dos idosos, com o passar do tempo a Fundação abraçou outras áreas, como a da infância e ainda a da Saúde, mas sempre no estreito cumprimento dos estatutos da instituição.
“Os estatutos da Fundação apontam para o asilo, que hoje é um lar, mas que podia também socorrer-se do patronato, que apoiava a área da infância, e falavam ainda na área da Saúde”, explica, relatando o que levou a Fundação a alargar as suas valências, abraçando outras áreas de intervenção social: “Houve uma altura em que concluímos que tínhamos espaço e aproveitando os programas que havia na altura, decidimos, então, alargar a nossa atividade, criando uma creche, para 66 meninos, que fica junto ao Parque Escolar e que foi inaugurada em 2010. Depois abrimos, em 2012, a Unidade de Cuidados Continuados, com 30 camas, que foi construída no terreno que existia nas traseiras do edifício-sede, onde sempre funcionou o lar”.
Assim, hoje, a Fundação dá resposta em Creche a 56 crianças, em Centro de Convívio a 18 utentes, em Serviço de Apoio Domiciliário a 16 idosos, em ERPI a 86 utentes e na Unidade de Cuidados Continuados a 30 doentes.
Mas nem tudo são rosas, pois, inserida numa das regiões mais deprimidas socialmente e à semelhança do resto do País, a baixa taxa de natalidade, mas não só, levanta alguns problemas ao funcionamento da creche «Cresce e Aparece».
“A frequência na creche vai variando e, neste momento, temos apenas 56 crianças, o que tem muito que ver com a crise demográfica que vivemos. Essencialmente, a creche tem algumas dificuldades porque a Segurança Social aponta, e bem neste aspeto concreto, para determinadas tabelas que nos obriga a cumprir determinados índices no seu rendimento, só que, infelizmente, se um dos pais perde o emprego, e tem sucedido a muitos casais, há quem retire os meninos por não ter hipótese de fazer o pagamento. Mas também porque se torna impossível para os pais manter esta situação, ainda para mais quando um dos pais está em casa e pode ficar com a criança. Isto reflete-se nos rendimentos e já obrigou a uma redução de pessoal e estamos a fazer os possíveis para conseguir viver com o indispensável”.
Aliás, para Vítor Martelo os cerca de 100 funcionários da Fundação são um encargo difícil de suportar: “A questão do quadro de pessoal é uma situação que não é comportável. Embora tenha, de facto, um grande movimento e haja a necessidade de tratar das crianças, dos idosos e dos doentes, tentamos conseguir uma redução do número de funcionários, mas também uma redução de custos a todos os níveis”.
E como seria Reguengos de Monsaraz se não existisse a Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva? A resposta sai pronta a Vítor Martelo: “Haveria mais necessidades a todos os níveis e mais dificuldades, porque a Santa Casa da Misericórdia também não chega para tudo. As duas instituições servem bastante a população em áreas bastante sensíveis”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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