ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

Marcelo Rebelo de Sousa: “É preciso consenso de regime” para o Setor Social

O encontro entre o candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa e a CNIS e alguns dirigentes de IPSS, que aconteceu em Fátima, ficou marcado pelo sublinhado da importância do Setor Social Solidário em Portugal.
“Penso que é importante reconhecer o peso do Setor Social, que faz o que o Estado nunca fará, nem faz sentido que faça, e, por outro lado, é preciso, dentro do Setor Social, tratar as instituições com a especificidade que têm. É preciso olhar especificamente para este Setor”, sublinhou o candidato, reforçando a ideia de que “as IPSS são IPSS e precisam de uma legislação específica para os próximos cinco, 10 anos, o mais flexível possível, para que permita protocolos e parcerias que se alteram com o tempo”.
E, por isso, “isto devia ser uma prioridade da próxima legislatura e nem é por uma questão de princípio, é por realismo”, sustentou Marcelo Rebelo de Sousa, lembrando “que não há saídas miraculosas da crise”.
Nesse sentido, o candidato presidencial que para já lidera as intenções de voto, defendeu um acordo de regime no que toca ao Setor Social e ao papel das instituições de solidariedade.
“É preciso que haja consenso de regime, com compromissos duradouros, e é para isso que tem trabalhado o vosso presidente. Isto tem que ver com os governos e com as oposições, mas uma das funções do Presidente da República é criar consensos e tenho pena que nos últimos anos tenham sido anos em que se perderam muitos desses consensos. Isto tem que se recuperar e o Presidente da República tem uma responsabilidade enorme nessa recuperação”, argumentou, apontando o caminho que deve ser seguido: “Isso passa por ir todos os dias aos sítios e mostrar os problemas e depois, permanentemente, pressionar os responsáveis para se encontrar, em clima de diálogo e de consenso, as soluções”. Recordando que muitas destas questões prendem-se com “os afetos”, Rebelo de Sousa afirmou que “é preciso alimentar os afetos”, porque “um dos problemas atuais da sociedade portuguesa é estar dividida, muito por consequência da crise”.
“Este é o grande desafio dos próximos anos: ou invertemos o rumo de pobreza e de injustiça social que existe ou a sociedade radicaliza-se. E só há uma maneira de impedir isto que é criar um clima de consenso que começa nas coisas mais básicas. Isso também aprendi com as IPSS, é que os problemas começam a resolver-se com pequenos gestos”.
Nesse sentido, e afirmando-se um “otimista”, Marcelo Rebelo de Sousa prefere “olhar para o copo meio cheio”, tendo em conta muito do que é o “exemplo diário” das IPSS.

LEI DE BASES É “UM SACO DE GATOS”

Relevando o papel imprescindível do Setor Social Solidário, o candidato presidencial recordou a sua presença no Governo aquando da criação da legislação para as IPSS, que decorreu do reconhecimento por parte do Estado que, de per si, “não consegue resolver os problemas das crianças, dos velhos, ou dos deficientes”, criticando a demora na feitura das leis que regulamentam o que muitas vezes já existe no terreno há muito tempo, dando como exemplo a recente Lei de Bases da Economia Social.
“Querem saber a minha opinião sobre a lei?”, questionou, respondendo de seguida: “Primeiro, é melhor haver lei do que não haver lei nenhuma, porque a lei significa o reconhecimento de um Setor Social forte e sem o qual não é possível resolver os problemas sociais em Portugal. Agora, a lei é um saco de gatos, porque cabe naquela lei tudo e o seu contrário”.
Para além disto, o professor de Direito questionou: “E agora, quando é que vem a regulamentação da lei? Sim, porque é preciso fazer uma lei diferente para cada uma dessas instituições diferentes – fundações, caixas económicas, IPSS e outras – e, para cada uma, um regime. Todas têm sentido social, mas são diferentes”.
Esta regulamentação é fundamental para Marcelo Rebelo de Sousa, “porque muitas IPSS estão num regime que em boa parte é dos anos 1980”.
“Isto não faz sentido, porque aconteceu um fenómeno na sociedade portuguesa verdadeiramente espantoso, é que nunca como agora a sociedade portuguesa dependeu tanto destas instituições e, no entanto, nunca alguns responsáveis políticos foram tão pouco sensíveis à necessidade de dar instrumentos e meios ao Setor. Não quero generalizar, porque alguns tentaram, mesmo em tempo de crise, ajudar as IPSS”, defendeu, considerando que estamos perante um “problema de cultura”, apontando o dedo também à Comunicação Social: “Como é possível não considerar prioritário o trabalho das IPSS? Como é que alguns responsáveis políticos não perceberam o papel das IPSS?”.
Para o candidato, “isto exigia um novo regime legal, exigia parcerias duradouras e estáveis entre instituições públicas do Estado e as IPSS. Mas estáveis perante uma crise e uma visão financista ou uma regra europeia que obriga a introduzir alterações”.

IMPORTÂNCIA DO CONCÍLIO VATICANO II

O candidato presidencial recordou na sua intervenção os tempos “muito diferentes” em que se iniciou no mundo da solidariedade.
“Eu conheço a vossa atividade, não por ter ouvido falar nela, mas porque é a minha atividade também desde os 16, 17 anos. Fiz o meu aprendizado num regime ditatorial e autoritário e o que havia de espaço para intervenção social passava pelas instituições do setor social, porque o Estado controlava tudo o que podia e o espaço disponível era muito pequeno. E o setor social lucrativo dava pouca atenção às principais questões sociais”, recordou, lembrando a influência que teve em si e “em toda uma geração” o Concílio Vaticano II.
“Foi aí que comecei a trabalhar em IPSS e no bairro problemático do Casal Ventoso”, lembrou, referindo que, embora reconheça ter desempenhado algumas funções a nível das Misericórdias, foi nas IPSS que fez o seu percurso neste universo solidário.
“Conheço bem a vossa nossa atividade e sei que o voluntariado é uma componente essencial da vossa vida e da vida das IPSS”, frisou, para de seguida explicar a forma como vê o País e o papel das IPSS.
“Nos últimos 40 anos vivemos grandes transformações na sociedade portuguesa. Enfrentámos quatro desafios em simultâneo, que foram a descolonização, a criação de uma democracia, criação de um regime económico novo – tivemos vários regimes: o revolucionário, o pós-revolucionário, a reprivatização do nacionalizado e, hoje, a passagem para mãos estrangeiras – e, finalmente, a integração europeia”, enumerou, sustentando que “estes são desafios que mudam muito a maneira de viver de uma sociedade”.
Para o candidato, são “mudanças muito rápidas que nem nos apercebemos”, discorrendo uma opinião bem curiosa sobre a forma como os Portugueses encaram as mudanças: “O português tem uma maneira muito especial de enfrentar as grandes mudanças, faz de conta que não elas não existem. Faz parte da nossa doçura enfrentá-las sem as dramatizar”.
Ora, “mas isto tudo tem um preço”, que para Rebelo de Sousa “não surgiu logo, porque estas mudanças sociais demoram a fazer efeito e os fundos da Europa foram atenuando a situação”. Porém, com o advento da crise europeia e mundial, o resultado foi “um conjunto explosivo”.
“E este desafio foi enfrentado, não pelo Estado nem pelas autarquias que estiveram sem dinheiro, mas pelas IPSS e pelas Misericórdias. Muito mais significativamente pelas IPSS que são mais numerosas, têm maior distribuição pelo território, têm maior número de valências e têm uma maior capacidade de adaptação à realidade”, sustentou.
Na próxima edição impressa do SOLIDARIEDADE daremos conta das questões colocadas pelas IPSS ao candidato.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2015-11-23



















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