1 - Devo ao largo costado que herdei das bandas de Cinfães do Douro a minha iniciação nas subtilezas do avesso.
Trata-se de uma casta de uvas brancas, que tem como território de eleição os concelhos de Baião e Marco de Canavezes, na margem norte do Douro, e os de Cinfães e Resende, no lado sul do grande rio que define a identidade nortenha.
A casta avesso dá-se bem em toda a área desses concelhos, mas onde mais resplandecem as suas qualidades é nas íngremes encostas soalheiras do rio Douro.
Com essas uvas se produz um vinho branco de excelência, confirmando que o rio Douro não sabe senão dar grandes vinhos, desde a Soria Verde das colinas de António Machado, passando pela Ribera del Duero, por Toro, Valladolid e Zamora, em terras de Rioja e Castela e Leão, até ao Alto Douro Vinhateiro e à Região dos Vinhos Verdes, já bem perto da foz – onde reina o avesso.
Quando iniciei a minha colaboração no Solidariedade, com a publicação destas crónicas, já lá vão quase 20 anos, pensei dar-lhe um título, a marcar uma identidade que vinculasse a heterogeneidade dos temas a uma coerência intrínseca.
Esse título geral que então cogitei era “Visto do avesso”.
Creio, aliás, tanto quanto recordo, que foi mesmo esse o título de uma das primeiras das muitas crónicas que aqui tenho deixado a pontuar a passagem dos dias e o meu olhar sobre eles.
Gosto, na verdade, de ver as coisas também pelo avesso, do outro lado da aparência delas.
De ver a cara – mas de ver também a coroa.
2 – Aliás, quando eu era rapaz novo, e ainda não havia o pronto-a-vestir que hoje nos torna a todos mais ou menos iguais por fora, era também uso nas famílias os irmãos – e mesmo as irmãs - mais novos vestirem os casacos e os fatos que tinham sido usados pelos mais velhos, que eram então virados do avesso, para disfarçar o ar coçado da roupa velha.
(Era pela posição inversa das casas dos botões e pela cicatriz do bolso superior esquerdo dos casacos que se via se a roupa era nova ou virada do avesso.)
Nem sempre, no entanto, as sugestões semânticas da roupa virada do avesso evocam memórias assim familiares, antigas ou benignas.
“Vira-casacas”, por exemplo, passou a designar aqueles que, consoante mudam os ares, ou o cheiro, ou o vento, mudam as suas próprias convicções – ou, mais bem dito, mudam as suas posições, já que as convicções verdadeiras não mudam com a mesma facilidade.
Estamos em tempo, aliás, propício a essa “viradeira”, que sempre acompanha, com geral proveito mas sem grande exemplo, as mudanças de Governo.
(A começar pela RTP, convictamente passista até há quinze dias e convertida ao costismo de então para cá. Bem foi prometida a sua privatização, há 4 anos … mas Miguel Relvas lá achou preferível, como todos antes dele, manter sob controlo e pro domo sua a máquina de agitação e propaganda.
E assim vai continuar, mas agora à voz do novo dono – e sempre à nossa custa.)
É tempo, na verdade, de o PS colocar agora no Estado e à mesa do Orçamento as suas clientelas, antigas ou adventícias, mimetizando o que a coligação de direita praticou até há pouco, por sua vez replicando o que antes fizera José Sócrates, que não fez diferente do que fizera Durão Barroso, igual a Guterres, que imitara Cavaco Silva.
(O “no jobs for the boys”, bravata que tanto fez louvar António Guterres, foi tão falso como o “que se lixem as eleições”, glória retórica de Passos Coelho, destinando-se, num como no outro caso, apenas a disfarçar a distribuição do pão e do circo que se lhes seguiu.)
3 – O nome da “viradeira” neste tempo novo chama-se também “reversão”, simbolizada por aquele cartaz “naif” de uma rapariga a virar a página, do início da pré-campanha, marcando a oposição do novo Governo do PS às medidas do extinto Governo PSD/CDS.
Cortes nas pensões e nos salários - reverte-se.
Eliminação dos feriados - reverte-se.
Concessões dos transportes urbanos – reverte-se.
Privatização da TAP – reverte-se.
Desinvestimento na ciência e na cultura - reverte-se.
Austeridade – reverte-se.
Por mim, acho bem.
Contra tudo isso me fui igualmente pronunciando com regularidade nestas crónicas ao longo deste período de “ajustamento”.
Mas soube hoje, pela imprensa, que o anterior Governo, pela mão de Sérgio Monteiro, tinha já aprazado, com a empresa pública Infraestruturas de Portugal, que se passará a pagar portagem em 2016 em Ermesinde na A4 e em Águas Santas na A3.
(É mais ou menos como pagar portagem entre Lisboa e Sacavém ou Alverca …)
Quer dizer, no que directamente me respeita, que passarei a pagar todos os dias o duvidoso privilégio de estar em fila entre Porto e Ermesinde, à espera que o trânsito escoe.
Fico confiadamente à espera de ouvir o novo Governo proclamar: portagens em Ermesinde e Águas Santas – reverte-se.
E de ter a companhia do PC e do Bloco de Esquerda nas manifestações.
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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